Quem leva?

O Ataque dos Cães, de Jane Campion estava quase certo de levar a estatueta de melhor filme para casa sem concorrentes. A obra da Netflix vinha ganhando absolutamente tudo – e parecia que iria acabar sua jornada de premiações com o grande troféu do cinema estadunidense. Porém, existe um competidor que acaba de emergir: CODA – que após surpreendentes vitórias no SAG e no PGA, pode roubar o prêmio de Ataque dos Cães, de forma parecida com que aconteceu com Spotilght, Moonlight e Birdman em anos anteriores. Se o Oscar parecia definido, agora temos uma “pimentinha”.

Quem merece?

Para dar essa resposta, precisaremos escrever um pouco mais – já que é completamente subjetiva. Para isso, me utilizarei de uma ferramenta da qual não sou maior fã – uma vez que, por vezes, ela trás uma superficialidade descabida para a análise fílmica: o ranking. Afinal, obras artísticas não deveriam ser resumidas a notas subjetivas e comparações. É inegável, porém, que os rankings – por trás de toda sua superficialidade – também sejam formas simples, diretas e acessíveis de fazer alguns posicionamentos rápidos ao leitor. Por conta disso, me utilizarei dela – mas saiba que é apenas uma maneira organizada do presente colunista fazer algumas ponderações sobre os dez filmes indicados ao Oscar.

Além disso, peço que o leitor não leve o ranking a ferro e fogo. Ele tem serventia apenas para gerar discussões e, quem sabe, ajudar um ou outro leitor a priorizar quais filmes assistir nessa última semana antes da premiação. Por fim, uma outra pontuação: o Oscar está longe de representar os melhores filmes do ano. Algumas das principais e mais importantes obras desses ano não foram indicadas à categoria principal, como o norueguês The Worst Person in the World, ou, em alguns casos, não receberam nenhuma indicação: como o francês Titane ou o estadunidense Mass.

No entanto, deixemos as “esnobadas” do Oscar para um outro momento. Por hoje, foquemos nos dez indicados à melhor filme.

Ranking (em ordem invertida):

  1. Beco do Pesadelo

Vamos deixar uma coisa clara: O Beco do Pesadelo está longe de ser um filme ruim.  Pelo contrário, o longa traz algumas das cenas e personagens mais interessantes dentre os dez indicados. No entanto, o novo filme do Guillermo Del Toro tem um problema estrutural inegável – depois de um primeiro ato promissor (nos apresentando a um circo misterioso e repleto de figuras fascinantes), o segundo ato joga tudo por água abaixo. Em troca de muito pouco, O Beco do Pesadelo nos tira de um ambiente fantástico e nos manda para uma ambientação chata, com personagens pouco carismáticos e com um desenvolvimento desnecessariamente lento – que só nos faz ansiar por voltar para a locação do primeiro ato: algo que nunca ocorre. Porém, impedindo que a obra se tornasse um desastre – Del Toro consegue nos entregar um terceiro ato surpreendente e repleto de adrenalina, fechando o filme de maneira redonda. Dito isto, o coloco em décimo apenas por ser a obra que mais sofre com problemas estruturais de roteiro dentre todos os indicados.

  1. King Richard

Eu tenho certeza que King Richard será o filme favorito de muitos dos espectadores do Oscar. O seu motivo por estar tão baixo no ranking, é que ele também é o filme mais preguiçoso dentre os 10 indicados. Seu roteiro parece ter sido escrito nos anos 2000, abrindo mão de discutir assuntos sensíveis e de se aprofundar na complexidade de seus personagens em troca de um feel good movie fundado na ideia de meritocracia. No entanto, a regularidade de sua narrativa, que não tem grandes barrigas, e as excelentes cenas de tênis evitam que eu coloque filme na lanterna desse ranking. Se tudo seguir o script, Will Smith ganhará o Oscar de melhor ator. Não será merecido – uma vez que Benedict Cumberbatch e Denzel Washington entregam atuações com alguns patamares de complexidade acima – mas será um dos pontos altos da noite devido o carisma do ator.

Para saber mais da minha opinião sobre o filme, você pode ler a minha crítica sobre King Richard aqui no OCA-UFF.

  1. Não Olhe para Cima

Não Olhe para Cima sofre do mesmíssimo problema estrutural de O Beco do Pesadelo: apesar de começar com um primeiro ato excelente, o segundo ato do filme derruba completamente seu ritmo e adiciona muito pouco à trama. No entanto, diferente do filme de Del Toro, a obra de Adam McKay ao menos trouxe uma discussão interessante e tocou em temas espinhosos dentro do tresloucado cenário político estadunidense e mundial. Vale ponderar que provavelmente é o filme mais irregular dentre os indicados e poderia facilmente estar em último lugar de nosso ranking.

Você pode ler a minha crítica sobre o filme aqui no OCA-UFF.

  1. Amor Sublime, Amor

Se falei que King Richard mais parecia um filme escrito nos anos 2000, Amor Sublime, Amor deixa bem claro ter sido escrita na década de 1950/60. A adaptação de Spielberg falha justamente ao manter praticamente intocado o (problemático) roteiro deste clássico musical. A história de Romeu e Julieta não serve aos dias atuais e se torna ainda pior quando colocado dentro de um recorte étnico que não poderia ser tratado de forma tão superficial. Além disso, Spielberg já é historicamente piegas – e a narrativa não ajuda a equilibrar as coisas. O que salva, no entanto, é justamente… Spielberg. As cenas musicas são extraordinariamente bem dirigidas e inventivas, fazendo com que, por breves momentos, esqueçamos o fraquíssimo enredo.

  1. Coda: No Ritmo do Coração

O mais bonitinho dentre todos os filmes da lista (e que vai dividir o favoritismo popular com King Richard) é uma obra competente sob todos os aspectos. Com uma proposta bastante simples, Coda consegue ser leve e sensível, sem ter medo de mostrar lados menos lisonjeiros de seus personagens. Com um interessante trabalho de som (que poderia ser melhor, principalmente se comparado com O Som do Silêncio) o filme consegue passar sua mensagem com certa profundidade. O que eleva o filme à um patamar de ser indicado ao Oscar, no entanto, é seu formidável elenco – trazendo atores com deficiência auditiva para o centro de sua trama e deixando eles brilharem. É daqui, inclusive, que sai um dos favoritos à ator coadjuvante do Oscar 2022. É bom ficar de olho – pode ser o filme que vai roubar a noite.

Você pode ler a minha crítica sobre o filme aqui no OCA-UFF.

  1. Duna

Duna é uma obra prima técnica – com uma construção visual interessante e uma ambientação sonora icônica. Seu enredo, complexo, traz um peso grande para os personagens e dá uma profundidade para sua trama. No entanto, isto não basta para esconder as principais falhas do filme: sua dificuldade em empolgar – algo fundamental para um épico de fantasia. Além disso, o filme perde peso em comparação com outras obras do mesmo diretor como Os Suspeitos, Blade Runner 2049 (que dá um banho visual em Duna) e sua grande obra-prima: Incêndios.

Você pode ler a minha crítica sobre o filme aqui no OCA-UFF.

  1. Belfast

O filme que chegou a figurar como favorito ao Oscar nas primeiras cerimônias de premiação, certamente vai ser um dos favoritos do público. Contado de forma sensível a partir de um preto e branco bastante bonito, o longa sofre com um ritmo desnecessariamente acelerado e com a dificuldade do diretor Kenneth Branagh em tratar de forma mais profunda os conflitos religiosos vividos na Irlanda. O elenco carismático faz com que seja impossível o espectador não ficar com um sorriso de orelha a orelha durante todo o filme, ao ponto de que alguns momentos nos perguntemos o que se passou na cabeça do diretor durante a sua montagem: não há necessidade nenhuma de contar a história de forma tão apressada. Em um ano com filmes de quase 3 horas, as pouco mais de 1h30 de Belfast não parecem fazer jus ao material humano ali presente.

  1. Licorice Pizza

A obra de Paul Thomas Anderson toca em um tema extremamente polêmico: a relação de uma garota de 25 anos com um jovem de 16. Com intuito de discutir justamente a dificuldade de uma jovem adulta em permear entre os dois mundos (o adulto, onde homens de 50 anos a levam para jantares caros, e o adolescente) – a obra pisa em alguns ovos que podem (e devem) desagradar muitos espectadores. No entanto, também se trata de um dos filmes mais carismáticos do ano – repleto de personagens hipnóticos e cenas icônicas. Um favorito pessoal.

  1. Drive my Car

A adaptação do conto de Murakami não é pra qualquer um, exigindo preparo do espectador para acompanhar suas quase 3 horas de duração (sendo destes um prólogo de 40 minutos). Porém, o que pode ser visto como problema para alguns, na verdade, parte do que torna este filme uma obra-prima. O diretor Ryusuke Hamaguchi trabalha com uma maturidade invejável a a complexidade seus personagens e suas relações, em um épico intimista sobre o luto e sobre a vida. Vencedor do prêmio do Juri de Cannes, a obra seria um excelente sucessor de Parasita em ganhar a principal premiação do cinema estadunidense – selando uma verdadeira mudança na história “autocentrada” do Oscar.

1. Ataque dos Cães

E se a vitória de Drive my Car seria merecida e importante para a indústria de Hollywood, a de Ataques dos Cães também será. Caso confirme seu favoritismo, o filme será o primeiro da Netflix a levar a maior estatueta da noite, concretizando a mudança de olhar para a indústria quanto ao streaming. Além disso, faz-se mais do que bem vindo o Oscar para Jane Campion, que poderá ser a terceira mulher a levar o prêmio de direção. Afinal, a faceta machista da academia ainda perdura – optando por nomear figurinhas carimbadas e multipremiadas como Steven Spielberg, Paul Thomas Anderson e Kenneth Brannagh aos prêmios de direção e esnobando completamente alguns dos melhores filmes do ano como Shiva Baby (de Emma Seligman), A Filha Perdida (de Maggie Gyllenhall) e Titane (de Julia Ducournau).

Você pode ler minha crítica sobre Ataque dos Cães aqui no OCA-UFF.

A premiação do Oscar será na noite do dia 27/03 e você poderá acompanhar a nossa cobertura nas redes do OCA-UFF!

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