Filme disponível na HBO Max

King Richard é exatamente o filme que você espera que ele seja – tanto pro seu bem, quanto pro seu mal. Se de um lado o filme cumpre sua promessa de mostrar a edificante história de superação da família Williams ao conseguir ajudar suas filhas Venus e Serena a chegarem no estrelato do tênis profissional, de outro, a obra não se compromete em dar um retrato mais fidedigno de seus personagens. Em outras palavras, para conseguir o “quentinho” no coração de seus espectadores, ela abre mão de dar maior profundidade à sua história.

Falo isso porque as principais questões da obra são inseparáveis de sua própria estrutura: ao escolher Richard Williams como protagonista da trama, a obra faz a opção de secundarizar Venus e Serena, colocando as duas jovens negras nos bastidores de seu próprio estrelato. Mesmo superada essa questão, a obra desliza ao focar somente na figura de Richard e não dar igual tempo de tela à Oracene – mãe das meninas. E não falo isso por questões de sensibilidade quanto as representações de gênero: o próprio filme deixa claro que Oracene foi crucial não só na criação das meninas, como também em seu treinamento.

Para tentar remediar este problema estrutural, King Richard faz uma mea culpa apresentando uma cena onde Oracene confronta Richard justamente sobre esta questão. Nele, a matriarca da família Williams cobra seu espaço e marca sua importância para o marido, em uma cena que chega a ser metalinguística quanto à sua participação na própria obra..Entretanto, como roteiro, isto se traduz como um xoxo “desculpas pelo vacilo” por parte do roteirista Zach Baylin para os espectadores. Tais desculpas se tornam ainda mais contestáveis se considerarmos como o foco no personagem de Richard está sendo utilizado para fomentar Will Smith em sua indicação (e possível vitória) no Oscar como melhor ator. A impressão que passa é que o mesmo esforço poderia ser feito quanto a poderosa atuação de Aunjanue Ellis, se sua personagem não fosse relegada à coadjuvante.

Quero ressaltar que não há problemas em um personagem masculino ser a estrutura central de uma obra. Entretanto, em King Richard, fica bem claro que aquela história seria melhor contada caso o roteiro desse mais foco para a personagem de Oracene – sendo injustificável a opção de Baylin em não a priorizar. É claro que Richard Williams, sendo um personagem profundamente excêntrico, atrai muito mais curiosidade para o filme – porém, justamente essa é a janela de oportunidade que o roteiro teria para mostrar que existe outra personagem igualmente importante na história da criação de Venus, Serena e suas irmãs.

Tirando isso da frente é importante sublinhar a boa atuação de Will Smith que traz um personagem que equilibra carisma à um temperamento profundamente problemático – trazendo uma performance com uma complexidade um pouco maior do que o filme lhe oferece. Algumas dessas questões quanto à personalidade de Richard, inclusive, trazem questionamentos morais ao personagem, aos quais o roteiro tem dificuldades de trabalhar, optando por fazer uma visão “chapa branca” do pai das atletas. Assim, por mais que a história demonstre que Richard tenha evidentes questões quanto ao seu ego, o seu autoritarismo e o seu código moral, o roteiro simplifica esses traços com cenas bobas, como quando Richard coloca suas filhas para assistirem e discutirem sobre o desenho da Cinderella. Pior ainda, é maneira quase inócua que ela mostra Richard quase assassinando outro personagem, ou a forma como ele resolve as acusações de mals tratos as filhas.

Enfim, no mundo de King Richard, aqueles pais e aquela família são modelares (escondendo ainda uma faceta meritocrática do roteiro, como se bastasse isto para o sucesso daqueles personagens) – ao contrário de todas as outras pessoas ao entorno. E, se personagens de fora trazem questões externas, quase sempre eles estão errados. É compreensível que King Richard tente ser um “agradador de multidões” – mas ao fazê-lo ele sabota sua própria potência ao se grudar em um mantra “acredite em você e na sua família, isso basta”.

De resto, o filme é o que ele promete ser. Leve e inspirador. Suas quase duas horas e meia de duração passam rápido, e sua narrativa não apresenta grandes barrigas, mantendo um bom ritmo durante toda a projeção. Um destaque especial vai para as inúmeras cenas de jogos de tênis dirigidas por Reinaldo Marcus Green. Sabemos como é difícil fazer boas cenas de esporte, mas King Richard nos transporta para dentro da quadra, fazendo com que torçamos por cada bola sacada. Elogios também deve ser feitos para as jovens Saniyya Sidney (Venus) e Demi Singleton (Serena) que com suas interpretações cheias de carisma garantem que realmente nos preocupemos com o destino daquelas meninas.

No fim, a impressão que temos é que King Richard não pertence à essa década. Diante das importantes mudanças na indústria cinematográfica é um pouco problemático que uma obra desse escopo falhe justamente na estrutura de seu roteiro – problema que aparece em seu próprio título ao dar prioridade (e chamar de rei) a um único personagem.  A grande quantidade de dinheiro investido na obra e a competência de seu elenco e equipe poderiam ter sido empregadas em uma obra memorável. Infelizmente, ela opta por ser apenas agradável.

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