O gênero de terror é, sem sombra de dúvida, um dos mais tradicionais do cinema estadunidense e, como tudo que faz sucesso em Hollywood, foi explorado à exaustão em todos os seus subgêneros, em especial o “terror de exorcismo”. O Exorcista, O Exorcismo do Papa, Exorcistas do Vaticano, 13 Exorcismos e O Exorcismo de Emily Rose são uma pequena fração de obras hollywoodianas que, a mais de 40 anos, compartilham o mesmo assunto e quase o mesmo título. Mas mesmo assim, é o subgênero que, dentre todos os seus irmãos do terror, mais parece ter sobrevivido ao tempo e perdurado até hoje no circuito comercial.
O Ritual, com direção de David Midell e a presença estelar de Al Pacino no elenco, chega aos cinemas como um lembrete de que talvez o “terror de exorcismo” como conhecemos já esteja se estendendo além da conta.
De acordo com cartelas do próprio filme, a história é baseada no caso de exorcismo mais bem documentado da história americana, no estado de Iowa, em 1928, quando dois padres de idades bastante diferentes trabalharam juntos no exorcismo de uma jovem. Talvez, a abundância de fatos documentados sobre o caso explique a precariedade imaginativa dessa história que não acrescenta nada de novo a esse assunto já tão extensamente abordado.
Claro que nenhum gênero ou assunto já foi tão explorado que não o deva mais, mas se o vão fazê-lo, que pelo menos se tenha algo de interessante, atual, ou criativo a dizer sobre ele. O problema é: O Ritual não é nem interessante, nem atual, muito menos criativo, já que tudo que David Middel tem de “novo” a oferecer aqui é um uso de câmera na mão totalmente inútil e sem propósito.
Para ser justo, talvez até houvesse um propósito nessa escolha. A câmera na mão é um elemento estético do audiovisual que remete a documentários, reportagens e filmagens de celular, e por isso pode levar o espectador a, inconscientemente, se esquecer de que se trata de uma obra ficcional e dar mais credibilidade ao que se mostra em tela. Mas Middel parece não saber ser impossível um elemento fazer, sozinho, o trabalho de manipular o emocional do espectador. Se filmes como A Bruxa de Blair são aterrorizantes a ponto de marcar o gênero, é essencialmente porque seus artifícios narrativos trabalham em sintonia para criar uma lógica interna e uma experiência sensorial.
David parece acreditar que seu filme pode atingir o mesmo impacto emocional de a Bruxa de Blair simplesmente por ter uma fotografia “realista”, mesmo que a montagem, o roteiro, as atuações e todos os outros elementos não o sejam.
Por falar nas atuações, incluir Al Pacino no elenco talvez tenha sido a melhor escolha em toda a produção, já que sem ele a obra não teria realmente nada que valesse a pena prestar atenção. Apesar do material precário que tem em mãos, ele dispõe da sua versatilidade impressionante para compor uma figura que carrega uma fala segura e convicta, de alguém que tem muita experiência em seu ofício mas também doce, de uma pessoa simples e altruísta que viveu demais aquela situação para deixar sua sanidade ser abalada por ela.
De resto, tudo o que sobra de relevante nesse elenco é um trabalho competente de Abigail Cowen, que demonstra reproduzir muito bem a fisicalidade clichê da vítima de possessão, e um protagonista pouco memorável de Dan Stevens, cujo único sentimento que me gerou na sessão foi o de já ter visto antes em algum lugar.
Mas afinal, o que podia fazer o elenco de O Ritual com um roteiro tão pobre e esquemático em mãos? A obra não só replica mecanicamente a estrutura mais básica de filmes de exorcismo, como não consegue desenvolver o único traço de originalidade que essa história poderia ter. Acontece que a trama depende do passado dos personagens para se desenrolar, mas a forma como essas informações nos são entregues são as mais preguiçosas possíveis. Se o roteiro deseja que saibamos que o personagem perdeu o irmão há dias atrás, ele o faz dizer isso explicitamente numa missa dedicada a ele, coisa que ninguém faria após passar por tal trauma. E durante todo o filme, essa é a única coisa sabida sobre o personagem com o qual temos que nos importar.
Eu não tenho dúvida de que o gênero de terror ainda tem muito pano pra manga, e talvez nunca deixe de ter. Mas está muito tarde para repetir os mesmo caminhos já trilhados pelos sucessos do passado, e O Ritual é a prova cabal disso.