Nas palavras de um amigo: “O cinema foi inventado para este filme ser feito”.

A melhor forma de descrever Centenas de Castores (Hundreds of Beavers, 2022) é como um misto de desenho animado estilo Looney Tunes com um videogame de sobrevivência, é um filme divertidíssimo e feito magistralmente que acompanha um homem perdido tentando sobreviver na selva com nada além da roupa do corpo. Se só este comentário te gerou algum interesse na obra, assista sem saber mais nada, pois a cada cena há uma maravilhosa surpresa.

Hundreds of Beavers simula um filme silencioso da época do cinema mudo, não há diálogos e em alguns momentos-chave são utilizadas cartelas com as falas dos personagens. Ele se inspira muito nos filmes de comédia de ícones como Charles Chaplin e Buster Keaton, com um humor extremamente físico e exagerado. No entanto, por ser um filme moderno, ele possui um ingrediente secreto: o After Effects e toda a gama de artifícios que ele oferece. Todas as cenas do filme possuem algum efeito especial, alguns são simples como alterar o fundo de uma cena, clonar personagens ou criar cenários, outros são mais complexos e contemporâneos, como linhas de “velocidade” que ficam ao fundo de personagens em rápido movimento, algo comum em desenhos e principalmente animes.

Outra importante diferença, se comparado aos filmes da década de 20, é a parte sonora, pois o filme possui não só uma trilha sonora sincronizada, mas também, efeitos e ruídos, e muitas piadas são feitas através do som, como a cena em que Jean Kayak (Ryland Brickson) tenta caçar coelhos, mas suas botas rangem ao andar na neve, então, ele remove os calçados, enfia os pés na neve e… não há nenhum tipo de ruído, ele anda silenciosamente, pois não há mais som no filme. 

Este é um dos elementos que aproxima o filme de um videogame. Em jogos de sobrevivência, muitas vezes o jogador começa o jogo tendo acesso a todas as suas opções de interação com o mundo, mas ele não sabe como interagir com o mundo. Via tentativa e erro, ele aprende como elas funcionam. Isso é algo que ocorre constantemente em Hundreds of Beavers, com Jean descobrindo novas interações e o comportamento de determinados animais: cocô atrai moscas, que, em contato com carne podre, produzem larvas, que atraem peixes, que servem como isca, e por aí vai. Fora outras referências gritantes, como a loja onde ele pode trocar peles de animais por novas ferramentas, para que o personagem tenha mais possibilidades de interação, assim como ocorre, por exemplo, quando um jogador descobre a receita de um arco e flecha no Minecraft. Além da música tema da loja, um elemento clássico em videogames que possuem vendedores caricatos e músicas marcantes para suas lojas.

Outro elemento atraente do filme são os figurinos, os animais são pessoas com fantasias um tanto ridículas, mas fofas. Há outros seres como peixes, moscas e minhocas, feitos de pelúcia. E quando os animais são mortos, às vezes de formas um tanto brutais, algodão e silicone voam de dentro de seus corpos felpudos. Não se pode esquecer da estrela do filme: o chapéu de guaxinim de Jean Kayak, três vezes maior que a cabeça do homem. A equipe optou por fazer algo enorme para chamar atenção nos festivais e exibições do filme, pois levavam o chapéu e às vezes até mesmo alguém vestido de castor.

O encantador da obra é a simplicidade e, ao mesmo tempo, o empenho que pode ser sentido a todo momento. É um filme independente de baixo orçamento, este é um dos motivos do uso excessivo de efeitos especiais, pois algumas cenas e poses importantes foram gravadas ao ar livre, em meio a florestas cobertas de neve, e o restante foi feito em casa em um pequeno estúdio com tela verde para o chroma key. O filme não possui falas, pois gravar bons diálogos é algo custoso e ele é em preto e branco para facilitar a fotografia. Digo isto, pois o filme anterior do mesmo grupo, Lake Michigan Monster (2018), também foi feito em preto e branco e possui diálogos. Estes aspectos entregavam o baixo orçamento do filme, principalmente os diálogos, que foram todos dublados, provavelmente pela ausência de bons equipamentos para captar o som das cenas. Essas características não são defeitos, mas são aspectos um tanto grosseiros que marcam um filme, e Hundreds of Beavers lapida essas arestas. Todas as artimanhas que cineastas de filmes de baixíssimo orçamento tem disponíveis foram utilizadas aqui. Esse é um dos motivos que torna o filme tão especial, ele é um lembrete de que com criatividade, um grupo de pessoas empenhadas, e alguma verba (rsrs), é possível fazer um filme cativante que toca o público.

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