Crítica escrita por João Pedro Ferreira
Sinopse: Luna procura por sua mãe, desaparecida no último dia de Carnaval em Guarapari. Suas buscas a levam a um antigo apartamento, um lugar habitado por almas atormentadas.
O filme apresenta um casal cuja construção visual e comportamental funcionam como uma metáfora para os contrastes temáticos que percorrem a narrativa. Luna, interpretada por Lorena Corrêa com uma carga emocional contida, é filha de uma mulher desaparecida no último dia de carnaval em Guarapari. Desde os primeiros minutos, sua aparência densa e introspectiva já antecipa a atmosfera inquietante da trama. Com um figurino de estética gótica contemporânea — jaqueta preta adornada com correntes, detalhes azulados, maquiagem carregada e cabelos soltos em desalinho — Luna se impõe como uma figura marcada por conflitos internos, refletindo não apenas a angústia pela ausência da mãe, mas também uma visão mais sombria e crítica do mundo ao seu redor. Em oposição, seu namorado Fábio, interpretado por Caio Macedo surge como o contraponto exato dessa densidade. Com um figurino leve e tropical — camisa florida em tons vibrantes, bermuda clara e acessórios discretos — ele encarna o arquétipo do sujeito descontraído e hedonista, típico do ambiente praiano. Sua postura, diante do desaparecimento, é quase cínica: ao não conseguirem entrar no prédio onde a mãe de Luna mora, ele sugere irem a um quiosque, minimizando a situação sob a justificativa de que ela “provavelmente está dormindo de ressaca”.
A tensão entre os dois personagens cresce à medida que o filme se aprofunda em sua atmosfera estranha e perturbadora. Há uma cena em que, ao entrarem em um apartamento com as paredes cobertas de cruzes desenhadas, o namorado reage com sarcasmo ao dizer à moradora que ela “gosta mesmo de cruz”. O comentário, aparentemente inofensivo, evidencia uma tentativa de manter o distanciamento emocional diante do horror crescente — e denuncia, ao mesmo tempo, a fragilidade de uma postura que se recusa a levar o medo a sério. Enquanto Luna carrega o peso da incerteza, seu parceiro funciona como um espelho invertido — uma figura confortável demais em sua leveza para perceber a gravidade do que os cerca. O contraste entre os dois não apenas define suas trajetórias, mas também reforça um dos méritos do filme: usar o figurino e o comportamento dos personagens como extensões simbólicas de suas subjetividades.
O edifício Madalena ganhou vida através de uma maquete construída completamente do início, onde cada detalhe foi pensado minuciosamente. As nuvens, por exemplo, foram feitas com o enchimento utilizado em almofadas, e as janelas foram cuidadosamente decoradas com molduras pintadas à mão. Os efeitos visuais foram aplicados, com exatidão, para transmitir a sensação de que a trama de terror se passa, de fato, em um prédio abandonado, mantendo, contudo, uma aparência intencionalmente artificial — um aspecto singular que se torna parte essencial da identidade do filme.
Utilizando Guarapari como cenário principal, o filme aproveita as paisagens e a atmosfera da cidade para criar um ambiente que, ao mesmo tempo em que parece familiar e cotidiano, é capaz de se transformar em um espaço de tensão e mistério. Sem perder o foco nas imagens cuidadosamente construídas, a narrativa aposta em criaturas e elementos visuais que provocam um choque imediato no espectador, explorando o contraste entre a beleza natural e o horror inesperado. Essa combinação reforça o impacto sensorial da obra, mantendo o público atento e envolvido, enquanto o cenário se torna quase um personagem por si só, intensificando a sensação de inquietação e desconforto que permeia a trama.
Prédio Vazio se destaca ao explorar, de forma sensível e simbólica, os contrastes entre luz e sombra, esperança e desespero, leveza e angústia, tanto na construção de seus personagens quanto na ambientação visual. Ao utilizar Guarapari como cenário, a obra não apenas insere o terror em um contexto regional pouco explorado pelo cinema nacional, mas também transforma a cidade em um espaço carregado de significados, onde o familiar se mistura ao perturbador. Apesar de suas escolhas estéticas e narrativas criarem uma atmosfera inquietante e envolvente, o filme convida o espectador a refletir sobre a complexidade das relações humanas e a alienação emocional, mostrando que o verdadeiro horror muitas vezes reside nas sombras da própria alma. Assim, o longa oferece uma experiência que vai além do susto imediato, propondo um olhar mais introspectivo e crítico sobre o medo e a ausência.