O longa-metragem de ficção, dirigido por Caco Souza, Atena (2025) é estrelado por Mel Lisboa e Thiago Fragoso. O filme conta a história da personagem-título que, após ser vítima de violência, decide combater crimes contra mulheres com as próprias mãos. Buscando justiça por sua própria história, ela conhece o jornalista investigativo Carlos. E, ao apurar uma série de assassinatos intrigantes, ele faz descobertas importantes sobre o passado de Atena.

Se você, leitor, buscar a sinopse de Atena (2025) no Google, irá encontrar algo diferente do que foi descrito no parágrafo acima. E isso ocorre porque aquilo que o filme se propõe a fazer é diferente daquilo que consegue colocar em tela. Somente lendo a sinopse fui capaz de compreender que Atena faz parte de um grupo que se organiza para fazer justiça com as próprias mãos. Em nenhum momento fica claro se há uma organização ou “grupo clandestino”. O filme foca apenas em Atena e em como busca justiça pelos outros e para si, não para um grupo de mulheres unidas que tem Atena como sua defensora. 

Além disso, a sinopse do Google entrega um spoiler, e isso aponta para o fato de que o filme precisa desesperadamente parecer interessante. A sinopse publicizada do filme já entrega tudo que há de impactante, deixando de aproveitar a mínima curiosidade que o filme poderia causar no espectador. A experiência de assistir ao filme poderia convencer o público a ir até o final, pelo menos para conectar os pontos entre um personagem gringo misterioso e a protagonista, que são apresentados desde o início do filme, mas a sinopse acaba com essa possibilidade informando até demais. É como se, em um filme de horror, todas as melhores cenas já tivessem sido divulgadas, e assistir o filme fosse, basicamente, assistir ao trailer, pois não há muito mais do que isso para desfrutar. E, infelizmente, isso já é o primeiro sinal de alerta para o fato de que esse filme não consegue se sustentar em sua própria narrativa.

Existe uma clara inspiração no filme “Millenium: Os homens que não amavam as mulheres” (2011), tanto na fotografia quanto no roteiro. A escolha da arte com relação à maquiagem e às roupas da personagem principal, quando ela mesma busca ser “a personagem de seu trauma”, evidencia essa referência. Porém, do roteiro à montagem, o filme, com sua falta de originalidade, parece mais uma versão de Millenium (2011). Não chega sequer a parecer brasileiro. Trocando a língua, pareceria um filme de qualquer país latino americano.

Importante citar que os problemas técnicos, que serão apontados, são ofuscados pelo tratamento irresponsável de sua temática. A violência contra a mulher, um assunto que exige sensibilidade e profundidade, é abordado pelo filme com uma estranha trivialidade. O roteiro parece querer se esquivar de fazer um discurso claro, resultando em uma superficialidade que permeia a narrativa, os diálogos e as personagens, e que traz questionamentos sobre haver ou não certa fetichização. A protagonista, quando quer atrair os homens, é quase uma
Femme Fatale que funciona mais como isca do que como caçadora. Sem estratégia aparente, ela se coloca em posição de vítima perfeita para atrair seus alvos. As sequências de luta, mal coreografadas, prolongam cenas em que Atena é dominada, com gemidos que flertam perigosamente com a fetichização da violência que o filme pretendia denunciar. Sua vitória, que chega de forma quase mágica ao asfixiar seus agressores, parece menos um ato de poder e mais um artifício inverossímil.

Ademais, é difícil se distanciar da impressão de ser um filme sobre a experiência feminina escrito sob uma perspectiva masculina, porque parece imaginar como um homem agiria no lugar de uma mulher. E, dessa maneira, com relação a fetichização, sobram muitas dúvidas sobre as intenções na construção desse roteiro e das imagens, porque falta feminilidade, falta discurso e falta uma representação menos trivial e mais profunda.

Atena (2025), com seu roteiro pobre, recorre às soluções mais desesperadas e tontas para levar um personagem de um lugar para outro, e a narrativa caminha de acordo com a vontade do roteiro. Os personagens agem tão de acordo com seus arquétipos genéricos que dizem o que qualquer personagem poderia dizer. Inclusive, as poucas boas atuações do filme são engolidas por esse roteiro defeituoso, com diálogos quaisquer. A tentativa forçada de colocar um único personagem com sotaque gaúcho nos primeiros minutos do filme mostra a superficialidade do roteiro, principalmente porque, toda a trama se passa quase inteiramente em Gramado, como pode haver apenas um personagem com sotaque tão característico? Porque ele parece ser do interior do estado? E, para piorar esse cenário, o personagem é cômico, quase colocando esse traço cultural como uma piada. Esta personagem parece uma personagem pastelão de novela brasileira, porque destoa totalmente o tom com relação a um filme que é soturno, dramático e sério demais.

Com relação às questões técnicas, o filme também peca bastante — principalmente no som. A mixagem de som é tão ruim que as falas entre dois personagens, numa mesma cena, chegam a ter volumes diferentes. Os efeitos (incluindo foleys) também estão em volumes mais altos do que o do filme no geral, a trilha sonora não potencializa a tensão — na verdade, torna as cenas mais forçadas. A fotografia também tem seus problemas, e já começa o longa com cenas que estão superexpostas: tem luz demais na tela e pouco equilíbrio entre claro e escuro; em alguns momentos, há a presença de luzes neon que destoam muito do tom soturno que o filme quer estabelecer — naquelas cenas, naqueles ambientes.

Onde o filme mais se sabota é na sua pretensão de ser inteligente. A montagem, que deveria ser uma ferramenta para adensar o mistério, acaba funcionando como um holofote sobre os buracos do roteiro. Há momentos que beiram o absurdo, como quando o jornalista Carlos precisa de uma informação sigilosa. Ele faz uma ligação, a cena corta para um breve insert de carros em movimento — um recurso que deveria sinalizar a passagem do tempo — e retorna imediatamente para Carlos, que atende ao telefone agradecendo a “rapidez” da resposta. A execução é tão apressada que anula qualquer possibilidade de elipse temporal, transformando um momento de descoberta em uma piada involuntária sobre a conveniência do roteiro. O mesmo ocorre em outra cena com a protagonista — após uma perseguição e uma revelação sobre o misterioso homem que a seguia desde o início do filme, ele diz que irá “levá-la à justiça”. Entretanto, a protagonista simplesmente evapora da cena no segundo em que o personagem lhe dá as costas para fazer uma ligação. A reação dele é próxima de um “Ué, sumiu”, o que pode arrancar boas risadas, ao invés de tensão. Em vez de enigmático, o filme se torna apenas inverossímil novamente.

Enumerando mais alguns problemas com o roteiro: ele cria conexões sem sentido entre os personagens; quer ser misterioso demais a ponto de não ser claro; deixa muitas pontas soltas; faz com que os personagens saibam informações que eles nunca desenvolveram; revela informações que só acontecem com o poder do protagonismo; personagens que aparecem e desaparecem de maneira pitoresca; transforma vítimas em bonecos de figuração (quase literalmente); enfraquece as atuações; tem uma narrativa muito mal construída; e quer ser inteligente e sério como não consegue ser.

Em resumo, trata-se um filme que se leva a sério demais, quer ser muito dramático e falha por ser uma história de vingança que poderia ocorrer em qualquer contexto que fizesse o público apoiar o comportamento da protagonista. Ao final, por mais que as problemáticas do filme tenham ficado claras, resta afirmar o quanto foi difícil buscar elogios. Frequentemente, filmes com roteiros fracos encontram redenção em outros departamentos, como a fotografia, a arte ou o som. Neste caso, porém, a minha busca por um elogio que não soasse forçado foi em vão. E, como profissional do audiovisual, admito que não há prazer em redigir uma crítica tão dura. O cinema é uma arte coletiva; por trás de cada cena, há uma equipe que acreditou no projeto e investiu seu tempo. É desolador ver esse esforço, tanto de quem fez quanto de quem assiste, acabar resultando em uma experiência tão insatisfatória.

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