Caro leitor, dependendo da atenção que você depositar no texto, toda crítica pode conter spoilers!
MÁ VONTADE COM VAMPIRO
Você, leitor, pode pensar: mais um filme de vampiro! Eu entendo sua má vontade. Eles proliferam na exponencialidade de sua própria mitologia. Mas este não é qualquer filme de vampiro, é o DRÁCULA: A LOVE TALE e dirigido por Luc Besson, o diretor de O PROFISSIONAL (1994) e O QUINTO ELEMENTO (1997). Não é de jeito algum uma revolução do subgênero, mas o filme pode funcionar como apresentação de um personagem clássico a uma nova geração de espectadores. Há sim algo de novo aqui, mas não é radicalmente novo. É refrescante o suficiente para pagar os ingressos e ir ao cinema com a família.
FLASHMOBS E A MORAL
Existem grandes acertos do diretor francês aqui. Ele diz em entrevista que a motivação para a produção de Drácula veio da admiração por seu ator principal, Caleb Landry Jones – com quem já havia trabalhado em DOGMAN (2023). De fato, é fácil compreender. Jones possui uma personalidade forte e transparece ser o tipo de alma torturada que não encontra respostas fáceis em um mundo de banalidade – convenhamos, características contundentes de um bom príncipe Vlad. E ao redor de seu protagonista, Besson constrói uma história draculiana narrativamente ancorada no amor do vampiro por Elisabeta e, consequentemente, sua reencarnação como Mina.
Visualmente o filme paga bons tributos ao Bram Stoker ‘s Dracula (1992), como era de se esperar. Besson não copia Coppola, mas parece partir de um paradigma estético parecido. É uma ótima notícia para os fãs do vampirão que precisaram amargar um remake cinzento e feio de Robert Eggers, no NOSFERATU do ano passado. E Besson ainda encontra espaço para inovação, principalmente na construção visual da história de Vlad à procura de Elisabeta através dos séculos. Definitivamente, os “Flash Mobs” – perdão a quem não viveu os anos 2000 – nas cortes europeias são inesperados. São cenas bregas? Sim. Mas são divertidas e parecem uma procura honesta por algum tipo de inovação por parte da produção.
Mas se esteticamente o filme agrada, é narrativamente que ele encontra dificuldades. Colocar Vlad mais como uma alma torturada pelo amor e menos pelo pecado e maldição de seus erros, exige grande dose de paciência do espectador. Há uma constante dignificação do sujeito por trás dos caninos protuberantes, uma espécie de justificativa baseada na procura do amor verdadeiro, retirando de certa forma o peso que o príncipe das sombras sempre carregou consigo nos cinemas.
REBRANDING DO MAL
Mas para ser justo com o filme, esse não parece ser um fenômeno exclusivo do mesmo. Nas últimas décadas, e não demarco historicamente com precisão pois não sei ao certo quem culpar – apesar de tudo apontar para o filme de 1992 -, há uma tentativa canastra de transformar o personagem em uma espécie de um anti-herói incompreendido. Como se no mundo moderno a figura de um monstro já não fosse o bastante, ou ainda pior, que dela deveríamos nos envergonhar. Só é possível conceber um ser que morde o pescoço das pessoas, chupa seu sangue e sua vitalidade, se houver uma fortíssima justificativa para isso, e que esta justificativa ainda por cima o moralize. A sequência final de DRÁCULA: A LOVE TALE é de uma simplicidade tacanha que envergonha o mais empolgado dos espectadores. Sim, não poderíamos esperar que a moral cristã estivesse de fora de um filme sobre vampiros, pois ela mesma faz parte de sua gênese; mas é insuportável assistir ao próprio monstro reivindicar de sua natureza e sede para pôr-se de joelhos diante de uma força maior, sem ao menos lutar.
Você leitor, pode me acusar de algum exagero. Mas não estou aqui simplesmente apontando que todos os vampiros sofreram um rebranding e tornaram-se o Edward do famigerado CREPÚSCULO (2008). O que estou dizendo é que em algum momento o cinema deixou de apostar em monstros, sem poréns ou justificações fajutas, simplesmente monstros. E a pergunta honesta a ser feita é: por que? Será que existe a crença de que as grandes narrativas de nosso tempo extinguiram-se e a relativização do mal é o que nos aguarda? Se for essa a resposta, me parece que os cineastas precisam urgentemente sair das salas de cinema e olhar o mundo ao seu redor.
