Filme disponível na HBO Max.

Duna é uma daquelas obras que carrega uma mística que vai muito além do que se apresenta em suas telas. O livro rendeu uma série de projetos de adaptação que praticamente nunca foram para frente. Desses, o mais famoso, sem dúvidas, foi a tentativa feito por Alejandro Jodorowski (que rendeu um documentário faz alguns anos) – usualmente referida como “o maior filme que jamais existiu”. De concreto mesmo, apenas um mediano filme de David Lynch – que sofre com uma particularidade evidente: colocar as 500 páginas do livro dentro de uma obra de pouco mais de duas horas.

Esse é um problema do qual a obra de Denis Villeneuve não sofre: com um orçamento que Lynch jamais sonhou em ter nos anos 1980 (165 milhões de dólares), o diretor canadense pode dividir sua narrativa em dois filmes. Porém, quem acha que tal divisão foi uma estratégia do estúdio para conseguir mais bilheteria (tal qual foi feito de forma desastrosa com O Hobbit, por exemplo) – está muito enganado. A obra (que acaba na virada de um arco narrativo) foi exibida nos cinemas sem ter a certeza de que teria uma continuação, só sendo sua sequência confirmada após o retorno da bilheteria.

E isso fala muito de Duna. A obra de Frank Herbert está muito longe de ser um Star Wars (franquia que se baseou profundamente em Duna). O autor se utiliza da ficção científica apenas como cenário para discutir temas complexos de nosso mundo, e não para criar uma fábula heróica. Assim, em meios aos planetas desérticos, vermes gigantes e impérios inimigos, Duna dedica ao seu tempo para discutir temas como colonialismo, sustentabilidade, religião, tradicionalismo, comunitarismo, etc.

São por conta dessas características que Villeneuve empregou o mesmo caráter existencial e intimista de suas outras excelentes ficções científicas (A Chegada e Blade Runner 2049) em um épico interplanetário como Duna. E é justamente dessa escolha que se destacam as maiores potências e maiores fraquezas do filme.

Vamos começar pelo elefante na sala: os problemas do filme entregue por Villeneuve. Para além de Duna ser um filme grande (a obra tem duas horas e meia) seu ritmo é um tanto quanto arrastado. Se pautando principalmente na relações de seu número absurdo de personagens, é fácil se pegar distraído ou mesmo perdido, frente a tantos nomes e locações citadas. Porém, a questão mais problemática de sua estrutura, é a escolha de Villeneuve por minar ainda mais a narrativa do filme com cenas das premonições/visões do protagonista, Atreides (Timothée Chalamet). Tal opção, mais adequada a natureza capitular de um livro, acaba colocando freios na narrativa que jamais recompensam o espectador. Pelo contrário: se você espera algo de especial no encontro entre Atreides e Chani (personagem vivido por Zendaya), por exemplo, trate de reduzir suas expectativas. Apesar das visões de Chani popularem todo o filme, no fim, o encontro se mostra profundamente banal (o que não seria um problema se não pelo sentimento de antecipação produzido pelo próprio filme).

Outra questão a ser considerada é o tom extremamente sóbrio empregado por Villeneuve.  Se isso funciona muito bem em A Chegada (que usa seus alienígenas apenas como premissa narrativa) e em Blade Runner 2049 (que foca sua narrativa em um personagem marcado pela solidão) – o mesmo não pode ser falado de Duna. Nem mesmo quando Atreides é atacado por um verme gigante em uma cena que poderia ser profundamente tensa, Villeneuve parece evitar qualquer empolgação que o espectador possa ter – quase que exigindo do mesmo um pesar ou uma profunda reflexão sobre tudo que ocorre. E isso é um problemaço em um filme, que apesar de sua profundidade narrativa, ainda é um épico de ficção científica, com naves libélula, monstros do deserto e escudos de invulnerabilidade.

Nem tudo é areia, porém, no mundo de Duna. Mesmo em seus ambientes marcados por palhetas de cores escuras e terrosas, a obra conta um design de produção estupendo – criando um belíssimo universo, mesmo quando apresentado dentro de monolitos cinzas e retos. Outra coisa que precisa ser apontada é a escala da produção: sejam seus monstros ou suas edificações, tudo parece ressaltar o quão pequeno são os indivíduos frente a natureza e ao legado de outras civilizações. Tal percepção ajuda, é claro, no tom empregado por Villeneuve: seus personagens são apenas peças em um jogo de xadrez muito maior.

Não entendam tais peças como uma afronta ao elenco, no entanto. A lista de atores de Duna é tão épica quanto sua proposta, se dando ao luxo de empregar nomes como Javier Barden e Charlotte Rampling em pequenas pontas (esta última ainda com o rosto todo coberto). Os destaques vão certamente para Rebecca Ferguson e Oscar Isaac que conseguem carregar o coração e os questionamentos morais da obra (já que o personagem de Chalamet só passa a ganhar alguma agência e tomar decisões na última hora de filme). Enquanto isso, Momoa, Brolin e Skarsgard apresentam personagens interessantes o suficiente para não passarmos batidos por suas cenas. A revelação certamente vai para Sharon Ducan-Brewster, que traz uma Dra. Liet Kynes complexa e multifacetada, nos fazendo tentar compreender a todo momento suas motivações e decisões, que por vezes nos soam contraditórias ou surpreendentes.

Impossível, também, não citar a trilha sonora. Optando por trazer referências diretas do Oriente Médio em seus instrumentos (fazendo uma ode à inspiração original de Duna) Hans Zimmer acerta profundamente em suas composições. Permeando entre o contemplativo, o espectral e o épico, Zimmer parece encontrar o equilíbrio perfeito – entregando ao mundo canções que certamente vão perdurar por décadas à fio.

No fim, talvez seja isso que falte na direção de Villeneuve. O equilíbrio.

Não entendam errado, Duna é uma obra que é excelente no que se propõe, mas que peca um pouco ao se levar a sério demais. Por mais que sua discussão seja extremamente relevante (principalmente o debate ambiental e as discussões sobre colonialismo e de outras culturas) – ele ainda é um blockbuster de ficção científica. Mas méritos sejam dados, Villeneuve conseguiu o impossível: finalmente entregar ao mundo do cinema o “Duna” que todos esperavam.

Sem esse peso nas costas, talvez agora ele possa se dar ao luxo de ser um pouco mais leve.

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