Crítica escrita por Matheus Bonomo.
Sinopse: A história do encontro de duas mulheres extraordinárias: a brasileira Virgínia Bicudo e a alemã Adelaide Koch. Virgínia, uma mulher negra, foi a primeira psicanalista brasileira. Adelaide, psicanalista judia, veio para o Brasil em fuga do regime nazista na Alemanha. Elas se conheceram em novembro de 1937, em São Paulo, no exato momento em que Getúlio Vargas decretava o Estado Novo. Médica e paciente por cinco anos, colegas e amigas pela vida inteira, são duas mulheres que enfrentaram o racismo e participaram ativamente da fundação da psicanálise no Brasil.
Virgínia e Adelaide (2025), dirigido por Yasmin Thayná e Jorge Furtado, resgata a história de Virgínia Bicudo e Adelaide Koch, duas mulheres pioneiras na psicanálise brasileira. Interpretadas, respectivamente, por Gabriela Correa e Sophie Charlotte, Adelaide foi uma psicanalista de origem judaica que foge da Alemanha com a ascensão do nazismo no país e vem para o Brasil com sua família e Virgínia foi uma pesquisadora negra que se torna a primeira paciente de Adelaide e, depois, sua colega de profissão e amiga de muitos anos. E o que poderia ser reduzido a um drama sobre a relação de duas figuras importantes, no roteiro de Jorge Furtado, se apresenta como um docudrama minimalista cuja forma anda na contramão do que se tem visto no cinema biográfico nacional. Contudo, é nesse formato que se encontram as principais forças e fraquezas do filme.
A mistura entre documentário e ficção, apesar de não ser uma abordagem nova, muitas vezes rende resultados, no mínimo, interessantes. No cinema internacional, o cinema iraniano possui ótimos exemplos como Close-Up (1990), de Abbas Kiarostami, e The Mirror (1997), de Jafar Panahi, nos quais as fronteiras entre esses formatos desaparecem numa confusão entre realidades e simulações, entre o “real” e o “ficcional”. No cinema nacional, obras como Iracema – Uma Transa Amazônica (1975), de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, e Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho, também realizam um efeito semelhante. Infelizmente, o mesmo não acontece com a mesma potência em Virgínia e Adelaide, com o filme existindo numa versão menos definida da fronteira, em vez de desintegrá-la ou colocar sua existência em dúvida, como nos exemplos anteriores.
E isso se mostra aparente já nos primeiros instantes dos 96 minutos do filme, com um texto que denota que elementos como “lugares” e “datas” são reais, sendo o resto ficção. Daí para frente, o filme alterna entre a sala onde Virgínia e Adelaide realizam as sessões de psicanálise e momentos de entrevistas com as personagens. Estas, ainda interpretadas pelas atrizes, são entrevistadas na frente de uma tela com imagens de arquivo ou performances diante desta mesma tela, que mais se assemelham a videoartes ou monólogos teatrais. Embora essa abordagem crie uma estética dinâmica em uma produção minimalista (nos “trechos ficcionais”, basicamente, não se sai do consultório), frequentemente, prejudica o ritmo da narrativa ao interromper a progressão da intrigante relação entre as personagens e as descobertas feitas no divã com um documentário expositivo sobre o contexto histórico de ambas.
Datas, eventos e a opinião das personagens sobre esses eventos, junto a imagens de arquivo, apresentam informações interessantes que, de uma forma ou de outra, moldaram a vida daquelas duas mulheres e são importantes. Porém, a forma que elas são apresentadas — como uma verbalização de dados assistida por imagens, interrompendo o fluxo narrativo da trama — cria uma distância entre o espectador e as personagens que, nesta obra, se mostra uma consequência triste de um experimentalismo tão bem-vindo.
Entretanto, apesar de prejudicado pela natureza demasiadamente expositiva dos trechos documentais, a relação entre Virgínia e Adelaide é o coração pulsante da obra. Com ótimas atuações, tanto de Sophie Charlotte quanto de Gabriela Correa, o resgate dessas duas figuras essenciais, mas pouco conhecidas da psicanálise, só funciona por causa da força dos diálogos escritos por Jorge Furtado e performados com química pelas duas atrizes. Além disso, as duas performances, mesmo com a história se passando na primeira metade do século XX, apresentam um ar contemporâneo que, graças ao formato adotado pelo filme, funciona bem em apresentar as complexidades das personagens, suas relações com o ser mulher, ser estrangeira e o ser negra, no Brasil e no mundo.
Com isso, Yasmin Thayná e Jorge Furtado apresentam uma obra imperfeita sobre temas importantes de serem discutidos, como racismo, feminismo e fascismo. Ao mesmo tempo, colocam sob o holofote duas figuras que, hoje, recebem uma fração do destaque que sempre mereceram. Infelizmente, a forma que tanto destaca o filme também o atrapalha, dificultando que o espectador se conecte completamente com as personagens e sua relação. Assim, Virgínia e Adelaide (2025), em vez de afetar quem assiste, termina apenas apresentando as duas personagens, seus feitos, seus momentos históricos e sua bela relação.