Crítica escrita por Valquíria Albuquerque

Sinopse: Beatriz é uma mulher de 40 anos que, após passar a vida inteira com seu marido, se depara com um pedido de divórcio inesperado. Após essa reviravolta em sua vida, ela decide tentar coisas novas, sair de sua vida monótona e iniciar uma jornada de autoconhecimento.

“Quem é o amor da minha vida?” Essa é a pergunta que Beatriz (Giovanna Antonelli) procura responder durante sua longa jornada em “Apaixonada”. Baseado no livro “Apaixonada aos 40”, de Cris Souza Fontês, a comédia romântica, dirigida por Natália Warth, retrata a vida de uma mulher casada que nunca teve suas vontades como prioridade, situação que reflete a realidade de muitas brasileiras. 

No enredo, somos apresentados à Beatriz, dona de sua confeitaria, casada com Alfredo (Danton Mello) e mãe de Júlia (Rayssa Bratillieri). A construção narrativa parte desse núcleo familiar, e a última personagem citada é essencial para toda a dinâmica da relação deles, uma vez que, assim que ela sai de casa para morar em outro país, não há mais nada que faça o marido querer continuar com sua esposa. O personagem de Danton Mello constantemente busca reencontrar uma antiga versão da parceira, quase culpando-a pelo fim do casamento. E tal  procura é um dos fatores que, somados, fazem com que Beatriz passe por uma crise de identidade e esteja disposta a encontrar um novo alguém. Após essa virada de chave na mentalidade da personagem principal, é notório que cada um de seus relacionamentos amorosos reflete uma de suas fases na própria jornada de autoconhecimento, o que é reforçado quando ela afirma que sua personalidade se altera com cada um deles. A filha é fundamental nesse período: na cena de conversa das duas, há um momento de inversão de papéis em que Júlia a aconselha que, mesmo chegando na meia idade e sendo mãe de uma adulta, ela ainda teria tempo para se descobrir e, pela primeira vez, se colocar em primeiro lugar.

Dito isso, fica evidente que a obra não aborda a questão sob um espectro social, mas a partir do âmbito psicológico de uma mulher recém divorciada, como a liberdade sexual  muito discutida pela protagonista com seus amigos , a relação familiar  ainda mais após a perda de seu pai , e seu lado espiritual. Beatriz precisa lidar com sua jornada, envolvendo altos e baixos emocionais, enquanto organiza sua cafeteria localizada em um bairro nobre do Rio de Janeiro, viaja para Buenos Aires, quando sente vontade de visitar sua filha, e gasta seu dinheiro da forma que deseja, até mesmo em um retiro espiritual que não consegue ir. 

Deve ser apontada a importância da direção de arte no filme, em que os cenários e figurinos foram essenciais para definir certos personagens, como a própria Beatriz. A protagonista é representada, em sua caracterização, por um grande contraste de estilo: inicialmente usava roupas simples e não fazia tanto esforço para se arrumar; depois, um estilo mais colorido e visto como “jovem”, ao recuperar sua autoconfiança. O ato de trazer cor à sua vida está também presente no ambiente em que Bia está inserida: a casa aparenta possuir mais cor após Alfredo sair, o que é destacado pela fotografia. Além disso, é interessante observar que a obra trabalha com diversos planos bem abertos, exibindo paisagens no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, enfatizando que essa seria a primeira vez que a pessoa estaria enxergando tamanha imensidão. Ao passo que a montagem do filme caracteriza o aspecto de aventura na jornada de Beatriz. Não há muitos momentos de cenas longas e paradas, ao contrário, trabalham com muitos cortes, cenas movimentadas e uma diversidade de elementos sonoros, como se a própria edição estivesse acompanhando o ritmo agitado da nova fase da personagem.

A obra possui aspectos do cinema comercial, como a decupagem que se assemelha a novelas brasileiras, a escolha da trilha sonora com músicas nacionais bem conhecidas, alguns personagens estereotipados — o “melhor amigo gay” e a melhor amiga da protagonista, única personagem negra com destaque no filme, sempre expressiva e decidida, que consegue estar presente em qualquer situação para apoiar Beatriz, deixando, em certos momentos, até mesmo sua vida em segundo plano — e a escolha do elenco, formado por muitos atores globais, acrescenta ainda mais nessa linha. Ademais, outros  momentos marcantes da trama foram as quebras da quarta parede, trazendo a ilusão da existência de interações diretas da personagem principal com o espectador em situações cruciais do enredo, o uso de gírias atuais e o aparecimento de Cátia Damasceno, fisioterapeuta sexóloga conhecida por seus vídeos lançados na plataforma Youtube, se aproximando ainda mais de seu público-alvo. Esses elementos aumentam os níveis de identificação popular. Mesmo que não seja um filme que represente a maior parte da população, há a familiaridade com os atores e com as situações ocorridas na cidade  um exemplo é o som do “carro do ferro velho” aparecendo em uma das sequências.

“Apaixonada” é uma experiência leve e divertida, que demonstra a importância da autoconfiança, autossuficiência e, principalmente, do amor próprio para uma geração e um gênero que sempre se sentiu oprimido nesse sentido.

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