Crítica escrita por João Pedro Ferreira.

Sinopse: Em SCREAMBOAT: TERROR A BORDO, na última balsa da noite em Nova York, passageiros e tripulantes são caçados por um rato impiedoso, e o que deveria ser uma travessia tranquila se transforma em um massacre sangrento. Parece o rato que você conhece, mas não se engane! Ele é muito mais perigoso. Cercados pela água e pelo medo, eles precisam encontrar um jeito de sobreviver antes que seja tarde demais.

O ratinho mais famoso do mundo volta em seu segundo filme de terror — agora livre e em domínio público. O primeiro, Mousetrap, era quase um pedido de desculpas com câmera: antes da história começar, já mandava um “foi mal, Disney!”. Já Screamboat não tem esse medo. Usa fontes parecidas com as da Disney, arco-íris nos pôsteres e um figurino cheio de referências: tem vestidos à la Cinderela, Ariel e companhia. Nos diálogos, o deboche rola solto: uma personagem solta um “Essa noite o amor chegou” antes do rala-e-rola, seguida de um “Leve-me para o Reino Mágico”. E ainda sobra tempo pra citar Scar com um indignado “Estou cercado de idiotas”. Os advogados da Disney? Provavelmente em pânico. Apesar do Mickey ser o personagem em domínio público, eles mesmo assim brincam com outros personagens do estúdio que não estão em domínio público, o que até achei engraçado no filme. E o melhor: fazem isso com tanta cara de pau que acabei achando hilário.

A aparência do Steamboat Willie, criatura central da narrativa, representa uma das falhas mais evidentes — e frustrantes — do filme. Criado por animação digital, o monstro assume a forma de um desenho animado genérico, claramente gerado por computador, o que compromete sua presença em cena. Ele parece deslocado, quase flutuando em meio aos cenários reais e aos atores de carne e osso. A textura plástica, os movimentos artificiais e a completa falta de peso visual fazem com que a criatura pareça mais um mascote perdido do que uma ameaça real. A escolha de retratá-lo com proporções reduzidas — fazendo-o parecer menor e menos imponente que os próprios protagonistas — só agrava o problema. O rato pode até ter uma carinha medonha, com os pelos desgrenhados e cinzentos, olhos miúdos e enfiados no fundo da alma, e orelhas tão grandes e rasgadas que parecem ter brigado com um liquidificador. O visual é todo distorcido e macabro, mas vê-lo minúsculo ao lado de humanos é no mínimo esquisito.

A origem de Steamboat Willie remonta a um passado surpreendentemente inocente. No início, ele era uma criatura pura e bondosa, concebida com o propósito de entreter — literalmente “animada” para trazer vida e alegria para as crianças. No entanto, ao longo do tempo, passou a ser objeto de experimentos que visavam intensificar sua expressividade e apelo, manipulando sua essência em nome do espetáculo. Willie nutria um profundo afeto por uma figura central em sua existência: o capitão do navio onde estava, um homem chamado Walt — uma alusão direta e satírica ao criador de Mickey Mouse, Walt Disney. Essa relação é rompida por um evento trágico, marcando o início da sua transformação. Abandonado, distorcido e emocionalmente devastado, Willie perde sua inocência e sucumbe à loucura. No fundo, essa versão sombria parece mais interessada em chocar do que em construir uma narrativa crítica ou relevante. A obra tenta se apoiar em uma crítica à indústria do entretenimento, mas acaba tropeçando em seus próprios excessos estilísticos. O resultado é um personagem que poderia ser uma alegoria poderosa, mas que acaba reduzido a um pastiche sem propósito — violento, sim, mas vazio.

Screamboat: Terror a Bordo promete mais do que entrega. Apesar de sua ousadia em brincar com referências à Disney e subverter expectativas com um toque de deboche, o filme acaba se perdendo em sua tentativa de ser irreverente e perturbador. A crítica à indústria do entretenimento, embora presente, se dissolve em uma narrativa mal estruturada e excessos que mais divertem pela coragem do que pela profundidade. Em vez de ser uma reflexão incisiva sobre a manipulação de ícones culturais, o filme opta por um caminho mais raso e auto paródico, falhando em explorar o potencial dramático da história. No fim, o longa deixa o espectador com uma sensação de que poderia ter sido algo mais, mas se contenta em ser uma curiosidade deslocada — um filme de terror com personagens famosos, mas sem a coragem de realmente ir fundo nas suas próprias propostas.

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