O que há em comum entre o sexo e o futebol?
Onda Nova, uma comédia de Ícaro Martins e Zé Antônio Garcia, foi originalmente lançada em 1983. No entanto, foi censurada durante a ditadura militar. Por esse motivo, só veio a ser exibido agora , em 27 de Março de 2025. Uma história que acompanha o dia a dia de um time de futebol feminino de São Paulo e, consequentemente , o dia a dia da juventude sudestina de classe média nos anos 80.
Não há dúvida quanto ao motivo da censura: sexo explícito entre jovens, consumo de drogas, homoafetividade e aborto são apenas alguns dos aspectos do filme. A questão que muitos espectadores costumam fazer é: Por quê? Qual é a função narrativa disso?
Bom, o preciosismo como forma consensual (ocidental) de se contar histórias – priorizando a relação de causa e efeito dos fatos e o peso emocional deles para o espectador – pode fazer uma verdade ser difícil de se dizer: Nem tudo que se apresenta em tela precisa obedecer a uma lógica narrativa intrínseca, desde que se tenha um conceito em mente. Uma mensagem.
Acredito que Onda Nova seja isso.
Não que curvas emocionais não sejam desenhadas por meio dos arcos dos personagens, pelo contrário. O time de protagonistas é incrivelmente cativante, cada um com suas características únicas, desafios, amores e dramas – uma menção honrosa para Lili e sua relação com sua família e sua mãe, um dos arcos mais satíricos e profundos do filme. Contudo, o que se observa na tela ultrapassa as escolhas narrativas e, aqui, vale a pena trazer um ponto importante.
Um filme não é apenas um conteúdo audiovisual exibido em uma tela por um duração qualquer . Filmes são criados por pessoas específicas, num lugar específico, num momento específico da história. Eles têm contexto. Portanto , o conteúdo que vemos em tela é apenas uma fração do filme. Cabe a nós decidir se estamos satisfeitos com uma fração ou se queremos aquilo por inteiro.
Assim , se as cenas sexuais de Onda Nova parecem gratuitas ou depravadas demais, não só é preciso pensar o tempo em que foi produzido. No que se refere a isso, a depravação escancarada – e até satírica – do filme é uma afronta ao conservadorismo hipócrita, imposto pela ditadura e seus apoiadores. No entanto, o filme também é uma oportunidade de refletir sobre o tempo presente. O seu lançamento, cerca de 40 anos depois, num momento em que as gerações mais jovens pulam cenas de sexo em filmes e séries, como se fosse um assunto espinhoso que precisa ser tratado com muito cuidado, sem dúvida é um evento que tem muito a dizer.
Isso nos faz refletir o quanto de avanço, nas pautas de normalização dos corpos e da prática sexual, os movimentos contraculturais dessa época realmente nos proporcionaram. Pra ser sincero , eu mesmo me peguei chocado e um tanto repelido do filme em vários momentos: Quando Rita e seu namorado são chutados do apartamento do treinador do time e, subitamente, resolvem fazer sexo na escadria do prédio. Particularmente, isso me fez pensar muito em mim e na minha relação com o tema. Bem… Na melhor das hipóteses, o filme representa uma expressão hiperbólica do tema no momento em que se fez necessário e, com o tempo, foi se atingindo certo equilíbrio. Nem muito conservadorismo, nem muito liberalismo .
Fora isso, o que Onda Nova nos oferece é uma ambientação acolhedora da época, nos convidando a sonhar com o romantismo de ser um jovem dos anos 80. Inúmeras vezes, sentia-me um entre aquele grupo de amigos tão cativante. Todos têm sua relevância e merecem a nossa atenção. Os figurinos são excêntricos e extasiantes, ao mesmo tempo. A trilha sonora contempla o melhor que se poderia ouvir até então: de Rita Lee a Michael Jackson, passando por Nina Simone.
Parece uma boa síntese da juventude de classe média brasileira, até hoje. Bonita, bizarra, rebelde. Tudo ao mesmo tempo.