Sinopse: Após ser assassinado, Eric Draven retorna ao mundo dos vivos com o objetivo de vingar à morte de sua amada Shelly Webster e quem sabe salvá-la do sofrimento eterno.

Caro leitor, dependendo da atenção que você depositar no texto, toda crítica pode conter spoilers!

 

NAFTALINA

A máquina de reciclagem que é a Hollywood das últimas décadas ataca novamente! Sim, jovem leitor da geração Z, O Corvo (2024) é um remake do filme de mesmo nome lançado em 1994, e ambos adaptações da Graphic Novel escrita por James O’Barr em 1989. A nova versão, lançada no último dia 22, é consideravelmente diferente das anteriores, mas isso tampouco a torna original. O problema com os remakes – e obviamente ressalvo as exceções à regra – é esse insuportável odor de naftalina que os acompanha. A percepção é de que há sempre um esforço legítimo de adaptar a obra para uma nova audiência, mas, nesse processo, perde-se o discurso original, dando lugar a um novo filme que carece de identidade. A sequência de abertura genérica, que parece ter saído de um dos filmes do James Bond, é o primeiro sintoma disso.

TUDO NOVO DE NOVO OU OS CORVOS

Não, o filme de Rupert Sanders não é um completo desastre. Haverá um grande movimento de crítica nesse sentido, mas tenho a impressão de que o exagero virá sempre daqueles que guardam um afeto especial pela boa adaptação de 1994. A minha percepção é de que Sanders divide seu filme em dois momentos absolutamente distintos – e claramente a segunda metade é bem melhor do que a primeira.

O primeiro grande afastamento em relação à obra de 30 anos atrás é a de que agora o filme investe preciosos minutos no encontro de Eric e Shelly e no desenvolvimento de sua paixão. O diretor parece se preocupar em nos fazer conectar com essa história de amor e sentir a dor de Eric por sua perda. Mas essa nunca foi uma questão para o filme de 1994 nem para a Graphic Novel! Esse prólogo, ou origem, que parece remeter à obsessão do cinema americano pelos filmes de boneco, é em vão. Sanders subestima seu espectador – todos sabemos o que é amar e podemos vislumbrar a dor de perder esse alguém brutalmente. O diretor, então, nos obriga a assistir uma história de amor que nós temos certeza que terminará mal, porque as versões anteriores, o trailer e o material promocional nos posicionaram dessa forma. O filme embarca em um tom pesaroso, que, se não artificial, é certamente repetitivo. Não é fácil adaptar a história de um anjo vingador que passa maquiagem em excesso no rosto, e talvez por isso o pecado do filme até aqui seja se levar a sério demais.

Mas, em determinado momento, Sanders parece lembrar que o cinema de entretenimento pode – surpresa – entreter. Na segunda metade o filme adota uma leveza e passa a rir de si. É a partir do momento em que Eric Draven veste o sobretudo de couro que o filme parece se livrar do peso de apresentar seu herói; a partir de agora a narrativa parece destinada àquilo que sempre foi: uma jornada de vingança. A sequência de luta na Ópera é deliciosa porque afasta do filme toda aquela pretensão que ele fingia ter. Ver o personagem subir as escadas assassinando a todos que vê pela frente de maneira absurda e gráfica remete ao Tarantino do início dos anos 2000, e o longa torna-se finalmente divertido.

Claro, o saldo não é espetacular. Em termos narrativos, como já dito, a escolha por uma estrutura bem mais linear não promove o engajamento afetivo pretendido e parece aborrecer o espectador. Em termos de atuação, Bill Skarsgård é a melhor coisa do filme apesar de a obra esforçar-se em infantiliza-lo e colocá-lo na metade de suas cenas sem camisa, molhado e em câmera lenta. A escolha por FKA Twigs para interpretar Shelly seria bem mais compreensível se pudéssemos desfrutar de seu talento musical durante a obra, mas nem isso. O vilão de Danny Huston poderia exigir mais das habilidades do ator, mas ele fica preso às falas de efeito do roteiro como seus colegas. A fotografia é competente, mas a direção de arte torna tudo extremamente limpo e seguro. O filme de 30 anos atrás dirigido por Alex Proyas consegue carregar consigo a dor herdada das páginas dos quadrinhos – o corvo é o presságio para uma cidade que está prestes a pagar por seus crimes. O terror não se enclausura nos diálogos, mas transborda em imagem.

O LEGADO DE BRANDON LEE

É impossível negar a aura espectral que sempre envolveu o filme anterior. O acidente que levou à morte seu protagonista, Brando Lee, ficou na memória dos fãs e, de alguma maneira, mistura-se à dor dramatizada na história. De fato, talvez para apreciar o filme mais recente seja preciso deixar de lado o mais antigo, pois a comparação é cruel. O trabalho de Proyas é sedutor e perigoso, enquanto que o de Sanders parece pronto para ser embalado em um edit (montagem) para o TikTok. Talvez você que me lê possa crer que o rock gótico, a maquiagem e a roupa de couro tenham envelhecido mal, mas, em minha opinião, isso não é verdade. O que envelheceu mal foi a coragem dos diretores de filmes de grande orçamento.

O corvo não morreu, meus amigos. Ele está vivo, mas não em 2024. E sim, em 1994.

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