Crítica escrita por Marcelle Souza.

A mais recente distribuição da famosa A24, com performance de Wagner Moura, de imediato constrói com maestria o imaginário do terror e da aflição, instaurados em combates, durante os primeiros minutos de tela, elevando as expectativas sem deixar espaço para o questionamento da magnitude que decorrerá conforme o longa avança. Escrito e dirigido por Alex Garland, Guerra Civil é mais uma narrativa que adentra para sua célebre filmografia distópica (distopia a qual não parece estar tão distante de realidades atuais) e aborda o cotidiano do fotojornalismo em uma crise humanitária nos Estados Unidos. 

O enredo se baseia em uma equipe de jornalistas que fazem a travessia de Nova York até Washington em meio a uma guerra civil não previamente explicada, mas de fácil interpretação por questões ideológicas e identitárias de uma América ideal e pelas fortes polarizações políticas. Kirsten Dunst interpreta Lee Smith, uma fotojornalista que, assombrada pela cobertura de inúmeros conflitos humanitários em seu currículo, lida com os ossos do ofício de forma fria, diferente de Jessie, a mais jovem jornalista do grupo, que se vê constantemente assustada pelo perigo da profissão e é interpretada por Cailee Spaeny. Stephen McKinley dá vida ao personagem Sammy, o qual acompanha e orienta a equipe de jornalistas, e é Joe, personagem de Wagner Moura, que convida Jessie para se juntar ao time e ir até o esconderijo do presidente, iniciando a trama.

Em questões técnicas, o roteiro do filme divide opiniões em sua confecção e sua evolução, de forma que a falta de uma solução para o fim do filme e a ausência de uma explicação do real motivo para o estopim da guerra são enfrentadas como uma falha por parte da cinefilia. Enquanto isso, a outra metade da espectatorialidade aponta ser o clímax do fazer cinematográfico o ato de deixar questões que nunca são propriamente respondidas, exatamente como nas reais guerras. A decisão de não dar explicações sobre as intenções do conflito e de não apontar um real vilão da guerra, além da violência, é um grande símbolo, além de técnica, para colocar o espectador na visão imparcial dos fotojornalistas e para incitar questões morais no espectador, não apenas com relação à guerra em si, mas também à arte que habita nas trincheiras dela.

Assim, enquanto passam pelos estados que os levam até Washington, os personagens são postos em confrontos que vão além do risco da profissão, mas conflitos internos que os moldam e os evoluem. É dessa forma que Jessie deixa margem para Cailee Spany afirmar-se como a nova queridinha de hollywood ao apresentar o melhor desenvolvimento de personagem e ao ser a mais bem explorada: ela inicia como uma amadora amedrontada pelo terror e pelos anseios da profissão, para em seguida se tornar tão autoconfiante a ponto de colocar a vida de seus colegas em risco e de tornar-se alguém que passamos a ter ondas de irritação em vez de pena. Ainda sobre interpretações, Wagner Moura mais uma vez lança-se na produção internacional e, mesmo com um personagem pouquíssimo explorado pelo roteiro em razão da ausência de uma contextualização de seu passado – uma pena, já que tinha um enorme potencial para complementar a obra -, transmite o impiedoso misto de firmeza e vulnerabilidade que correspondentes de guerra guardam em si, demonstrando que as duas expressões não são necessariamente opostas e coexistem na mesma situação. Já Kirsten Dunst é afetada pelas poucas vezes que sua personagem parece ter algum desenvolvimento mesmo sendo a protagonista, isso se dá pela monotonia das expressões que o roteiro a insere, sempre com o mesmo semblante de preocupação com Jessie. Dessa forma, o maior momento que a atriz possui de demonstrar seu potencial na atuação, e que há algum sentimento que invade a personagem, em meio ao conflito que cerca sua profissão, é quando Lee se vê uma crise de ansiedade.  

O maior destaque da obra é a fotografia e suas diferentes formas de manifestar-se durante o filme. A escolha das fotojornalistas trabalharem com material analógico garante materialidade, significância e beleza para o longa metragem, que apenas a película é capaz de dar ao produto fotográfico, de maneira que, ao transportar para a tela as fotos tiradas no mundo cênico, como na cena em que Jessie fotografa pela primeira vez a morte de um soldado e suas imagens captadas na camêra surgem no plano, a imersão na narrativa é garantida em sua totalidade. Agora, sobre a fotografia do filme em si, é magnífica a forma que Rob Hardy trabalha e torna a cinematografia a melhor parte do filme ao propor uma variedade de planos estáticos que contrariam as fórmulas de filmes de ação e trazem ambiguidade para a cena: bombardeios, tiros e mortes aparecem todos juntos em enquadramentos fixos, enquanto há umagerando uma pacificidade nos movimentos de câmera, que são contrários a toda ação que se reverbera em cena. Ademais, a fotografia atinge o nirvana ao apresentar o poderoso jogo de luzes da cena em que a equipe de jornalistas atravessa uma floresta em chamas, transpassando para a sala de cinema o calor do momento não oriundo unicamente do elemento químico que os rodeia, mas também do calor que emana da tensão presente em cada um deles. Deste modo, ele afirma que, se não fosse pela perícia de sua técnica, Guerra Civil não se sustentaria sozinho.  

Em síntese, Guerra Civil constrói sua magnitude ao ser uma obra que lida com percepções cinematográficas não comuns a filmes com o tema de conflitos humanitários. Entretanto, o filme encontra sua grande falha ao condicionar Jessie para um roteirismo tão centrado em desenvolvimento de personagem, que Alex Garland esquece de fazer o mesmo com Lee e a sujeita a continuar sendo a mesma protagonista que nos é apresentada nas primeiras cenas. Por fim, Guerra Civil é um filme sobre arte na mesma proporção que é sobre violência, e, acima de tudo, também é sobre a importância e o poder da fotografia em histórias que, mesmo não sendo oriundas de nossas questões pessoais, nos cercam e nos invadem. 

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