O Centro Cultural de Cidadania e Economia Criativa (popularmente chamado de MACquinho), recebe a partir do mês de abril sessões de cinema como atividade de lazer para a comunidade do Morro do Palácio, também abertas para o público geral. Conectando o Morro do Palácio e o universo cinematográfico, diversas obras nacionais e internacionais serão exibidas ao longo do ano de forma gratuita pelo cineclube, que é uma co-produção da Apogeu e Cine1 Olho. Pude acompanhar a primeira sessão, a qual foi exibida o longa Nosso Sonho, cinebiografia da dupla Claudinho e Buchecha, e contou com a presença ilustre de Marcos Roza, pesquisador do filme.
Diferente de como serão as próximas sessões, a de abertura ocorreu no campo de futebol do Palácio. A produção composta por Arthur Seabra, Bianca Passos, Darinka Ribeiro, Diego Assuf, Lia Terry e Flora Gaiad, junto da própria equipe do MACquinho, distribuiu comida e bebida para o público, e sendo em um local amplo e central da comunidade, tornou o ambiente mais acolhedor e familiar, com todos espalhados pelo campo em suas próprias cangas e cadeiras. Além disso, a curadoria realizada por Claudio Correia, Josemias Moreira, Kairu Suet, Maurílio Valle, Miguel Bonelli, Pedro Guimarães, Pedro Lauria, Ricardo Nascimento e Vinicius Paes Dias, da Universidade Federal Fluminense, buscou trazer obras que abrangessem um público variado, mas focando especialmente nas produções brasileiras, o que acredito que será uma ótima oportunidade para trazer debates, reflexões e conhecimento acerca do cinema nacional, tanto com filmes mais recentes quanto com longas mais antigos.
A escolha do longa Nosso Sonho, como já mencionado, para a abertura do cineclube foi certeira e, apesar de não ser minha primeira vez assistindo, com certeza foi uma experiência completamente inovadora. Grande parte do público era composta por crianças e pré-adolescentes, esses que não viveram na época de maior fama da dupla do filme. Porém, isso não os impediu de cantar junto nos momentos musicais. De forma cativante, tanto os jovens quanto os adultos presentes puderam se identificar com os protagonistas que, assim como eles, vieram da comunidade carioca e batalharam muito para chegar onde chegaram. A importância de se ver em um grande filme foi essencial para prender o público, uma vez que não é apenas um passo para a democratização do cinema, mas também um acesso que representa principalmente aqueles que estão assistindo. Acredito que as músicas apresentadas na obra e até mesmo cenas do cotidiano do público vistas na grande tela são o que tornaram a sessão um momento de lazer para pessoas de todas as idades.
A atmosfera do filme nos leva ao cenário do funk carioca nos anos 90, trabalho esse que não daria tão certo sem a incrível pesquisa feita para o longa. A atuação dos protagonistas também não fica para trás, e pude ouvir algumas vezes as crianças presentes perguntando se aqueles eram a dupla de verdade. Ademais, a obra causa um grande impacto ao espectador, desde a relação conturbada de Buchecha e seu pai até a construção narrativa do último show dos protagonistas junto e a morte de Claudinho. O público completamente engajado, interagia durante toda a sessão. Mais do que as belíssimas cenas de diálogo com um cenário típico do Rio de Janeiro, quem assistiu pode vivenciar junto de Buchecha, já que o filme era narrado por ele, toda a sua trajetória pessoal e profissional, a morte de seu melhor amigo e finalmente, o perdão a seu pai.
Pude concluir que, acima de tudo, Nosso Sonho é um filme de memória. Marcos Roza, pesquisador do longa, contou que grande parte de seu trabalho foi uma pesquisa oral, ouvindo MCs contarem sobre suas vivências e sobre as figuras de Claudinho e Buchecha, e também do próprio Buchecha, que contou de sua percepção sobre a dupla e a relação familiar. Junto a isso, o material de arquivo usado foi essencial para dar o recorte temporal da época, fazendo aqueles que viveram se recordarem e aqueles que não, se transportarem a ela. Já um dos curadores, Kairu Suet, compartilhou que a escolha desse e de outros longas futuramente exibidos no cineclube se baseia principalmente na realidade dos moradores do Morro do Palácio, que são o público alvo. Destacou a potência de começar o cineclube com um filme que retrata jovens da favela que têm o sonho de viver com arte. Portanto, vejo esse filme como uma perspectiva de memória atemporal, de como um passado que não será esquecido e que influenciará essa geração que está crescendo e se vê presente na arte, na música, no cinema e na favela.
Gostaria de concluir agradecendo à toda equipe e a Associação de Moradores do Morro do Ingá, aos produtores Apogeu e Cine1 Olho e ao MACquinho por levarem esse cinema adiante. Agradeço também ao Marcos Roza por ter compartilhado como foi a experiência de trabalhar nesse filme tão rico de cultura. Aguardarei ansiosamente as próximas sessões e sei que todos que estiveram presentes também, uma vez que a arte é palpável na vida de cada um. Para uma iniciativa que busca mostrar que é sim possível trabalhar com a arte, o sonho realmente não vai terminar.