Crítica escrita por Vinícius Romero.
Sinopse: Miss Novak (Mia Wasikowska) é uma professora que consegue um emprego em uma escola de elite e forma um forte vínculo com os alunos. Ela introduz uma aula de nutrição baseada num conceito inovador. Essa mudança conduz a uma revolução nos hábitos alimentares da escola. Mas, com o passar do tempo, a influência que Miss Novak exerce sobre certos alunos eventualmente toma um rumo perigoso.
Apesar de acreditar que a sugestão é um elemento poderoso das narrativas fílmicas, não sei se foi bem empregada nesse filme. Aqui parece que o que faltou não foi proposital. Clube Zero tenta, ao meu ver, ser muitas coisas, mas acaba sendo o mínimo. Poderia ser um banquete, e talvez até seja, mas todas as comidas são de plástico e aromatizadas artificialmente. Cheiram. Até instigam. Mas jamais são saborosas, visto que a narrativa, assim como em uma cena em que os discípulos de Miss Novak só levam a comida até a beirada da boca, a fim de enganar a mente de que estão se alimentando, também só vai até a altura entre a boca e o nariz: permanecendo sobre a superfície e jamais mergulhando em algo — o que não a impede de conversar com quem assiste. Isso é sobre mim. Mas eu entendo que o cheiro, às vezes, cria, em algumas pessoas, muito mais fome do que o ato de comer e sentir o gosto. Sendo assim, indicado à Palma de Ouro em Cannes no ano passado, o longa-metragem de Jéssica Hausner, partindo do meu lugar na mesa de jantar, serve um prato cheio, porém alimenta pouco o espectador.
Confesso que fiquei muito curioso quando li a sinopse desse filme. Nutri-me de muitas expectativas: Uma professora de nutrição, em uma escola de elite, cria vínculos quase íntimos — em certa altura, bem íntimos — com alguns alunos, os quais possuem, na maioria, uma relação parental complicada e questões pessoais que envolvem alguns distúrbios alimentares, o que os levam a uma direção perigosa. Me frustrei um pouquinho. O filme não é ruim. Mas também não é espetacular. Eu gostei de ficar chocado assistindo. Mas ele é 8 ou 80. O tempo passa rápido, mesmo se tratando de uma história parada e sem grandes momentos de suspensão. Isso se dá porque é, de fato, impossível não querer saber onde o enredo vai desaguar. Como eu já disse e repito: a trama tem cheiro. Ela sugere quais pratos poderão ser servidos. Quais dramas podem rolar. Mas é só isso. Permanece no mesmo ritmo. Não há nada que te leve nas alturas. No final — vendo a última cena —, o sentimento que permanece é que cheirou, cheirou, cheirou e o prato veio vazio. Eu não sou uma pessoa que defende com unhas e dentes que os filmes precisam fazer sentido totalmente, mas eu sinto muito forte que esse quis ser muito mais do que ele conseguiu ser. Há muita falta no roteiro. Os personagens não foram desenvolvidos o suficiente ao ponto de gerar, no espectador, uma identificação e um apelo emocional que é fundamental para adotarmos as narrativas. Talvez, e eu digo talvez novamente, quase conseguem fazer isso com o Fred, uma vez que, por ser o garoto com os pais mais ausentes, logo, vulnerável, é o que mais se apega presença e a figura quase sagrada da professora. Ele tem fome e Miss Novak o alimenta com uma atenção que esconde segundas intenções. É agoniante ver a carência do menino se transformar em uma terra fértil para a professora plantar a sua loucura, mas, apesar de existir essa sensibilidade pelo personagem, alguma coisa, de modo geral, coloca uma certa barreira entre ele e o espectador, fazendo assim com que não haja uma conexão direta.
Pensei que fosse um filme em que a Professora, Miss Novak – interpretada com muito bom gosto pela excelentíssima Mia Wasikowska – de maneira meio sombria, desmantelaria o “banquete de quem tem muito” e deixaria os alunos, possivelmente mimados, sofrerem com pouco. Mas aqui, apesar de realmente haver um sofrimento físico das necessidades do corpo de se alimentar, Miss Novak doutrina os alunos em sua fé lunática de não-alimentação simplesmente porque é o mantra da vida dela. Não há um motivo explícito, nem, aparentemente, implícito por trás disso. Não existe, por parte da nutricionista, uma intenção de ser ruim, ao menos, não conscientemente, visto que ela acredita cegamente no que prega. É o que é.
Apesar disso, há uma parte dessa história que atinge as expectativas. É inegável que há uma crítica central e forte no contexto dos alunos seguirem Miss Novak como se ela fosse Jesus Cristo. O filme faz uma alusão a como movimentos extremistas são criados e difundidos com muita sutileza sobre a sociedade. Clube Zero referencia aqueles que, mesmo sentindo-se um zero à esquerda, e talvez por sentirem-se assim são mais vulneráveis, querem pertencer a um clube, um grupo. Há uma crítica a como faz parte do desejo humano pertencer para não ser excluído e em como esse desespero tem o caráter perigoso de cegar qualquer um e aprisionar, homens, mulheres e crianças em grupos muito radicais. O longa é uma crítica à falta de personalidade. A falta de posicionamento. A passividade. A alienação e ao seguimento em massa de ideologias que não se comprovam cientificamente, mas, vivendo na pós-verdade, para muitos, pouco importa, não é? Em uma das cenas do filme, os pais de Elsa, preocupados com a abstenção alimentar da filha, levam comida para ela até a porta do quarto e dizem que, caso ela não coma, vai morrer. Elsa, crente na palavra de Novak, discursa que somente pela fé e pela vontade psicológica dela, ela pode modificar o que é a verdade na realidade. Isto é, a crença contraditória de que ela não irá morrer, mesmo que não coma nunca mais, passa na frente do fato óbvio e científico de que ninguém fica vivo sem comida. A verdade se torna outra. Clube Zero critica a gourmetização de padrões ridículos — algumas vezes, perigosos — e a aderência das pessoas a estes, tomando-os como estilos quase “religiosos” de viver.
Miss Novak, inicialmente, sugere um modelo de “alimentação consciente”, no qual os alunos vão, aos poucos, reduzindo a quantidade de comida ingerida pelo bem do mundo e pelo bem dos corpos, que, por apoptose, desintoxica-se. Gradualmente, o modelo de alimentação consciente transforma-se em um culto inconsciente à professora, que, por fim, convida os jovens seguidores a pararem de se alimentar de vez. E eles, assíduos no discurso da mulher, alienados ao estilo “cool” de viver e se sentindo especiais, aderem. Miss Novak, maluca por ser maluca, totalmente “fora da casinha”, até diz também não comer, mas ela come: a inocência dessas crianças em prol de uma causa espiritual sem sentido, que ela cultivou durante toda a vida. Os alunos, desnutridos, vão definhando, felizes de participarem de um movimento exclusivo, e isso, para mim, é a maior crítica do filme, válida e muito chocante. Quantas pessoas integram movimentos radicais ou cultuam líderes que, obviamente, fazem mal para quem elas mesmas são ou para onde elas vieram e, mesmo assim, não conseguem perceber? Seguem cegas ao objetivo, ao lema. Isso é perigoso e muito suscetível a qualquer um que esteja sensível a “pertencer” e a ser abraçado por qualquer lugar. Os alunos de Miss Novak têm isso em comum: todos estavam carentes de atenção familiar e de valorização dos seus esforços. Aqui, Miss Novak é mega negligente e oportunista — um tubarão entre os peixes —, mas ela só vai além porque há um vazio, causado pela ausência de afeto parental, fácil de ser ocupado na vida desses adolescentes.
Falando do aspecto mais composto, a cor do filme me chama muita atenção. Tem cor de comida. Porém, aí é que está. Em alguns momentos, trata-se de um alimento anêmico. Há uma variação entre tons fortes e tons pastéis. É chamativo que Miss Novak esteja sempre usando cores exageradas em relação às cores do uniforme dos seus alunos, que usam cores mais amenas. É uma maneira de demonstrar que ela é, teoricamente, a pessoa madura ali. Ela os conduz. Eles ainda não são capazes de discernir o mundo, principalmente se estão cercados de ausências. Além disso, alguns enquadramentos também constroem a ideia de que Miss Novak é seguida pelos alunos como os discípulos seguiram Jesus e tem um poder de persuasão gigantesco sobre eles. Em um dos momentos em que Ben, um garoto que, a princípio, não deseja seguir as regras ideológicas de Novak, e está ali apenas para manter a bolsa, come desregradamente no refeitório e é flagrado pela professora. A câmera, ao invés de alternar entre campo e contracampo, permanece nele, enquanto mostra, em segundo plano, Miss Novak parada ao seu lado. Só vemos a mulher da barriga para baixo. Ela parece ser tão grande que não cabe inteira no quadro. Ela o repreende e começa a dizer como ele tem que comer e a quantidade que ele pode colocar na boca. Ela parece um ser divino vigiando e punindo o garoto, que, ao terminar de mastigar, é abandonado pela câmera, que, dessa vez, em primeiro plano, mostra o rosto da professora, olhando-o de cima, superior. Isso se repete quando Ragna come uma barra de chocolate escondida em seu quarto e a escolha do enquadramento pelo diretor de fotografia, Martin Gschlacht, é um plano zenital, filmando, desse modo, a garota de cima, como se observada, ou, melhor, vigiada, por um inquisidor, nesse caso, Miss Novak. Ademais, o som do filme é um batuque crescente, o que cria uma tensão, aliada às nossas expectativas do que pode acontecer, enquanto, também, apresenta uma música meio zen-meditativa, como se quisesse mostrar, através dessa dualidade, que o perigo de Novak é que, apesar dela estar conduzindo os adolescentes para o abismo, a sua percepção da realidade é outra: ela pensa que está fazendo algo bom.
Por fim, o filme, em seu último ato, termina de uma maneira muito sugestiva. Totalmente reféns da ideologia de Miss Novak, a qual foi demitida da escola por colocá-la em risco de se envolver em polêmicas, os alunos ceiam pela última vez em suas casas após muito tempo em regime de comida zero. Para os pais, tudo está voltando a ficar bem. Mas o baque logo vem. A comida se mostra azeda. Os dias bons não viriam. No dia seguinte, na manhã de Natal, o presente que ganham é uma ausência recíproca e, aparentemente, eterna dos filhos. Não se sabe o que aconteceu. Eles não sabem e nós sabemos um pouco mais do que eles, mas também não podemos afirmar com certeza. Miss Novak e os seus discípulos estão vivos ou mortos? A única pista que temos é a carta de Ben para a mãe dizendo que está em um lugar melhor. Que lugar seria esse? A última cena faz referência a “Última Ceia”, do Leonardo DaVinci, uma vez que todos os pais estão sentados na mesa da diretoria do colégio carentes de algo que os “forre o estômago”. Esperam que alguém coloque algo concreto em seus pratos. Que alguém os diga o que aconteceu com os seus filhos. Porém, infelizmente, estarão destinados a um questionamento eterno.
Como já disse no início da crítica, amo as sugestões, inclusive, nesse filme, ela consegue cumprir o seu objetivo primordial que é o de repercutir, porém eu tenho a sensação de que o roteiro peca em não fazê-la direito. Se o tema desse filme era expor o quanto “a fome faz-nos, não só, aceitar, felizes e descuidados, qualquer comida, mas como também comê-la sem nem perceber estar estragada”, ele, digamos, acerta. Mas, ainda assim, fiquei com a sensação de que houve uma negligência da diretora, Jéssica Hausner, que quis, antes de levantar esse debate, simplesmente chocar. Em síntese: esperei o tempo todo para mergulhar a colher nessa sopa, mas não me trouxeram o talher. Talvez a intenção seja essa: deixar-nos com fome. Ou, talvez, o filme tenha tido, realmente, uma mera intenção de causar choque e todo o resto tenha sido um “vir a ser” da obra. No final das contas, a verdade é que filmes como esse, 8 ou 80, ficam em nossa cabeça por muito mais tempo do que os outros que são e apenas podem ser uma coisa só.