Crítica escrita por Sophia de Lacerda.
Sinopse: Trinta anos depois de Hiam Abbass deixar para trás sua família e sua vila natal na Palestina para perseguir seu sonho de se tornar atriz, sua filha volta com ela à vila e questiona as decisões ousadas da mãe.
O que fica para trás quando você deixa sua terra natal para ir em busca do que você ama? Essa é uma das muitas questões profundas que Adeus Tiberíades levanta. Com uma cinematografia e trilha sonora de tirar o fôlego, o filme é uma bela reconstrução de fragmentos de memória, uma homenagem à família e a conexão intergeracional de mulheres palestinas. Nós acompanhamos quatro gerações de mulheres da família da cineasta Lina Soualem, suas histórias de luta, resistência e principalmente daquilo que resiste a qualquer guerra: o amor.
A cineasta escolhe sua mãe Hiam Abbass como figura central do filme, que conecta todos os outros pontos apresentados ao espectador. Hiam decide sair de sua vila e ir para a França, para correr atrás de seu sonho de ser atriz e isso a afasta radicalmente de sua família. É apenas quando Lina nasce, que as duas voltam a visitar a Palestina. A cineasta entende que ela nasce por conta dessa saída, de uma fratura entre os dois mundos da mãe, que tem que lidar com o fato de que ela criou a filha numa cultura que não é a dela. É notável que esse filme surge de um lugar muito vulnerável e sensível, transbordado para quem o assiste.
De certa forma, o documentário é um meio pelo qual Lina preserva e se reconecta com sua ancestralidade e – ao mesmo tempo – engloba muito mais que isso. Adeus Tiberíades é recheado de imagens de arquivo que são trabalhadas de forma magistral. Algumas filmagens mostram aquela família ao longo das décadas, outras mostram a Palestina de modo geral, oferecendo uma base histórica que expressa a dor e a dificuldade de se viver sob ocupação, não se limitando apenas a isso. O grande destaque é a ênfase na riqueza cultural, os casamentos, as festas, as tradições e as escolas. O longa é cheio de risadas e piadas, principalmente nas cenas que Hiam encontra com suas irmãs. Esse elemento reforça uma questão muito importante para a construção do filme: os imperialistas sempre vão tentar apagar os sorrisos e separar famílias, mas o amor e o companheirismo persistem e as memórias sobrevivem. Mesmo após gerações de ocupação, as pessoas continuam cantando, dançando, fazendo casamentos, contando piadas.
Adeus Tiberíades é uma história de mães e filhas, de separações e reconciliações, de ocupação e de resistência. Hiam lida com o peso da sua decisão de partir e com a culpa que chega quando as gerações mais antigas da família começam a encerrar suas jornadas, afinal, o senso de identidade dela e de Lina estão intrinsecamente atrelados à conexão delas com essas mulheres. A jornada dessas duas no resgate e preservação dessas memórias é comovente, graças à incrível habilidade de comunicação (que parece até herança familiar), sendo também muito poética. De um lado, Lina, uma mulher nascida na França com sua língua materna sendo o francês se conecta mais profundamente com seu lado palestino. No outro, Hiam se reconecta com aquilo que deixou para trás ao partir.