Crítica escrita por Sophia de Lacerda.
Sinopse: Um infeliz pai de família vê sua vida virada de cabeça para baixo quando milhões de estranhos de repente começam a vê-lo em seus sonhos. Quando suas aparições noturnas tomam um rumo de pesadelo, Paul é forçado a navegar em seu novo estrelato.
De um dia para o outro, várias pessoas começam a ter sonhos constantes com um professor de meia idade sem nenhuma explicação. O Homem dos Sonhos (2023), dirigido por Kristoffer Borgli, apresenta o mundo onírico e suas bizarrices por meio de uma comédia cotidiana, o que é, no mínimo, intrigante. Na primeira parte do longa, a narrativa se desenrola de forma cômica e criativa: acompanhamos a vida de Paul Matthews (Nicolas Cage), que tem uma personalidade desajeitada, é pai de família, professor de biologia em uma Universidade e claramente frustrado com a carreira mudando completamente à medida que ele começa a “invadir” os sonhos de estranhos, sempre como observador passivo dos acontecimentos. Logo, ele se torna uma estrela da internet. Entretanto, infelizmente, o filme não consegue manter esse ritmo inicialmente proposto.
A premissa instiga o espectador que fica na expectativa de explorar mais aquele mundo que está sendo apresentado, afinal, o longa cria essa grande situação insólita acerca de um protagonista frustrado com a vida. A partir do momento em que a fama de Paul atinge seu ápice mundial e vai decaindo, o filme começa a se perder em meio ao seu potencial. Para quem espera que o roteiro entregue algum resquício de originalidade no desenvolvimento da história, é uma surpresa negativa quando ele cai no clichê. Paul viraliza e vira uma celebridade por ser esse homem dos sonhos, mas rapidamente é taxado de vilão quando aqueles sonhos se tornam literalmente pesadelos nos quais ele é violento e brutal. Ele passa a ser visto como um pervertido aos olhos da sociedade e, então, o filme escolhe o caminho mais óbvio: fazer o personagem ser “cancelado” nas redes sociais e ficar miserável com todos contra ele. O Homem dos Sonhos vira uma comédia sobre cultura do cancelamento com altos e baixos previsíveis. É perceptível a dificuldade do longa em fazer a transição de quando apenas o círculo social de Paul estava envolvido na trama (família, amigos, alunos e pessoas da cidade) para um patamar de fama mundial. O fio narrativo que se mostrava sólido começa a ficar desleixado quando os horizontes são expandidos, e até mesmo algumas narrativas secundárias foram deixadas de lado, o que impactou diretamente o final do filme, que pareceu muito desconexo e anticlimático.
Além disso, o filme também carece de um aprofundamento nas questões que ele próprio tenta levantar: as angústias e incertezas da vida, a carência por reconhecimento e o sentimento de olhar para a vida de outras pessoas e sentir que você está ficando para trás. Ele não cria esse espaço para o espectador desenvolver empatia com as problemáticas daquele personagem. Ao focar na repercussão mundial dos acontecimentos para tentar fazer uma sátira com a sociedade do consumo, espetacularização e redes sociais, o filme perde sua essência instigante que assistimos na primeira parte, quando víamos Paul navegar por situações absurdas no trabalho e na vida pessoal.
Dentre os pontos positivos de O Homem dos Sonhos, podemos destacar a montagem ágil, que trabalha com cortes secos e sobreposições de imagens que recriam a sensação de quando você acorda abruptamente no meio de um sonho, sem tempo de processar o que aconteceu. Além disso, Nicolas Cage consegue convencer como o professor sem noção que é Paul Matthews, trazendo momentos engraçados recheados de vergonha alheia e alguns outros irritantes.
No entanto, o longa não consegue se consolidar como uma experiência memorável. Ele é uma exploração rasa da vida de celebridade e da cultura de cancelamento que decide não desenvolver a sua principal qualidade de nos envolver mais com o onírico, o que é irônico, considerando que todo o conceito e divulgação do filme é baseado nisso. No final, é uma ideia criativa desperdiçada em um desenvolvimento desagradável.