Crítica escrita por Ernesto Loaizapara a cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2023.

Sinopse: Dono de uma galeria de arte, Arthur Forestier representa Renzo Nervi, um pintor em plena crise existencial. Os dois homens sempre foram amigos e, apesar de todos os contratempos, o amor pela arte os une. Sem inspiração há vários anos, Renzo gradualmente afunda em um radicalismo que o torna incontrolável. Para salvá-lo, Arthur desenvolve um plano ousado que acabará testando sua relação. Até onde você iria pela amizade?

O Renascimento (2023) narra as desventuras em série do galerista Arthur e do artista depressivo Renzo, enquanto tentam conciliar a amizade de longa data com a profissão. A obra, dirigida por Rémi Bezançon, é uma adaptação do filme argentino Minha Obra Prima (2018), e, pelo trailer do filme original, compartilha vários momentos emblemáticos da versão anterior. Por exemplo, no início do filme, Arthur está quase vendendo um quadro para uma cliente importante, até que Renzo entra na galeria e dá três tiros no quadro, um para cada cabeça que foi pintada. Essa dinâmica da dupla se perpetua ao longo do filme e demonstra a incompatibilidade na relação dos dois, já que Arthur é amigo de um homem que põe todos os seus planos a perder. Apesar disso, a abordagem assumidamente “bromance” põe de lado qualquer suspeita de amizade por interesse ou de conflito pessoal, no sentido de que um não está explorando ou sabotando o outro — são apenas indivíduos complicados tentando manter a proximidade apesar de seus anseios internos. Dessa forma, pelo teor “buddy movie”, o filme aposta em uma narrativa episódica, com blocos cômicos bem identificáveis, enquanto discussões sobre o futuro e a utilidade da arte permeiam toda a extensão da obra.

O caráter episódico do filme faz com que a dupla pareça presa em suas peculiaridades e discussões, enquanto o mundo em volta se transforma, pessoas vêm e vão em suas vidas e eles se mantêm na mesma circularidade do mercado artístico que estão inseridos. É pela figura de Renzo que ocorre a tentativa de quebrar esse ciclo artístico que, há muito, deixou de fazer sentido para ele. A precificação da arte, por exemplo, é uma pauta discutida no filme, já que novas formas artísticas parecem vir atreladas a novos modelos de negócio, como os NFTs, por exemplo, que tanto Arthur quanto Renzo não conseguem sequer compreender do que se trata. Também é discutido que, quando um artista morre, suas obras automaticamente sobem de preço. Ou, também, Renzo não aceita assinar um quadro feito por encomenda de um empresário agropecuário, porque estaria, em sua visão, sendo conivente com práticas cruéis contra os animais. É resultado desse cenário contemporâneo que Renzo se deprime e se volta contra sua própria arte de maneira violenta. Já no caso de Arthur, sua insatisfação com o tempo presente decorre mais do cansaço de vestir uma máscara de galerista, tentando conseguir negócios sem propósito para um artista que ele admira. Remontando a tempos passados, lembra-se de quando os dois eram mais radicais e livres de certas amarras sociais inseparáveis do capitalismo. Portanto, nessa comunhão de insatisfação, criam um plano arriscadíssimo para recuperar sua liberdade e, no processo, descobrem propósitos maiores para suas vidas.

Assim, O Renascimento, como o próprio título do filme aponta, apresenta a história de duas pessoas presas em um sistema que mina o que é verdadeiramente humano, com o objetivo de se concentrar nas vendas, que recorrem a meios extremos para fazer suas vidas parecerem úteis novamente primeiro para si, depois para os outros. Aliás, o filme passa muito tempo centrado neles e em seus anseios, mas é a partir da aproximação das protagonistas com Alex, jovem aspirante a pintor, que eles iniciam essa jornada de encontrar um novo propósito para suas vidas. No fim das contas, o interminável debate sobre utilidade, futuro e sentido da arte, abordado em meio ao teor leve e divertido da obra, resulta em uma frase, também cômica, mas que simboliza bem o que o filme apresenta: o sentido da arte… são os amigos que fazemos no caminho.

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