Este trabalho foi originalmente feito por Angélica Scariot para a disciplina de História do Cinema da CAL, ministrada pelo professor Gledson Mercês.

Angélica Scariot faz curso técnico em teatro, TV e cinema pela CAL e licenciatura em história pela UNINTER.

Um país sem cinema é como uma casa sem espelho.

A frase proferida por Glauber Rocha nos mostra como a privação de uma ferramenta tão crucial para refletir e compreender a si mesmo e ao mundo causa danos na imagem que se tem do país em que se vive. Desde sua inovação tecnológica no final do século XIX, o cinema tem sido uma poderosa forma de propagação de ideias e ideologias, e isso não foi diferente no Brasil. Durante grande parte do século XX, os filmes produzidos tinham como objetivo principal o entretenimento, porém nas décadas de 60 e 70, o cinema brasileiro experimentou um momento de renovação com o movimento do Cinema Novo.

O Cinema Novo foi um movimento revolucionário que buscava retratar a realidade social, “colocando o dedo na ferida” e expondo as misérias de um povo que ainda sofria (e sofre) as mazelas da colonização. Era uma arma ideológica para entender melhor a realidade na qual viviam e comunicá-la ao público (FIGUEIRÔA, 2004). Grandes cineastas como Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman, Cacá Diegues e Glauber Rocha foram parte desse movimento, que embora não tenha conseguido alcançar grande bilheteria no Brasil, foi amplamente premiado no exterior, incluindo o Festival de Cannes, e chamou a atenção da Europa para o cinema brasileiro. No entanto, o Cinema Novo sofreu muito com a censura da Ditadura Militar, e muitos cineastas precisaram deixar o país durante esse período.

Em 1965, Glauber Rocha publicou o manifesto intitulado “Eztetyka da Fome”, que se tornou um símbolo do movimento, onde afirmou que “a fome latina não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade, a originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial é a nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida.” De fato, muitos brasileiros têm dificuldade em encarar a pobreza, a desigualdade, a violência, a corrupção e outros problemas que afetam nossa sociedade. A falta de informação e educação também pode contribuir para essa vergonha. Muitas pessoas não entendem a complexidade dos problemas sociais do Brasil e acabam evitando discuti-los ou reconhecê-los. Alguns brasileiros também podem sentir-se desamparados ou impotentes diante desses problemas, o que pode levar a uma sensação de desânimo e desesperança. Nesse momento entra o cinema nacional como forma de expor, colocar em debate, questionar e até mesmo mudar a realidade brasileira. Para resolver um problema é preciso conhecê-lo como tal.

O filme Noites Alienígenas dirigido por Sérgio de Carvalho e produzido pela Saci Filmes, é o primeiro filme produzido no Acre a integrar o circuito de cinema nacional, sendo lançado no dia 30 de março de 2023 e um mês após a estreia segue em exibição em doze salas de cinema espalhadas pelo país. Vencedor de seis prêmios no festival de Gramado de 2022, entre eles o de melhor filme e melhor ator para Gabriel Knoxx que interpretou Rivelino. O filme conta a história de três jovens: Sandra interpretada por Gleici Damasceno, Paulo interpretado por Adanilo e Rivelino interpretado por Gabriel Knoxx, que vivem na periferia de Rio Branco em meio a violência causada pela migração de facções criminosas do sudeste para a região da Amazônia. Ao final do filme há uma mensagem alertando que após tal migração o assassinato de jovens e adolescente acreanos aumentou 168%. Mesmo sendo um filme que vai direto ao ponto ao mostrar a realidade violenta a qual a população acreana está exposta, não deixa escapar o realismo fantástico, seres encantados, criaturas mágicas e elementos sobrenaturais que fazem parte da cultura do Estado, bem como da região amazônica. Dessa forma, recebeu muitas críticas positivas por mostrar ao mundo uma fatia da realidade do Acre, sem estereótipos e deixando claro que o Estado, muitas vezes esquecido, é uma parte do país que se deve considerar.

É importante destacar também a trajetória de Paulo, jovem de ascendência indígena, viciado em drogas que vive atormentado por alucinações. Ao longo do filme, Paulo descobre que essas alucinações na verdade são sua ancestralidade que chama por ele. As narrativas da mãe e da avó de Paulo trazem um pouco da vida dos povos originários no meio urbano. O ator manauara Adanilo está em várias produções como as séries “Cidade Invisível” da Netflix e “Dom” da Amazon Prime Vídeo, os filmes “O Rio do Desejo” de Sérgio Machado e “Marighella” do Wagner Moura. Sua presença como a de outros artistas indígenas mostram que finalmente, nesse espelho do país, os povos originários estão começando a ser vistos, e boa parte da população não aceita mais que isso seja feito de maneira estereotipada.

A descentralização do cinema no Brasil, com a ampliação da produção cinematográfica para outras regiões do país, é um processo que vem acontecendo ao longo das últimas décadas. Nos últimos anos, tem havido um aumento significativo na produção de cinema em outras regiões do Brasil, incluindo o Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul, com a criação de novas produtoras e a realização de festivais de cinema em diferentes cidades do país. Essa descentralização tem sido importante para a diversificação da produção cinematográfica brasileira e para a ampliação da representatividade cultural de diferentes regiões do país. Na região norte, segundo Adanilo: “entre 2015 e 2018 a produção foi bastante intensa. Enquanto se está produzindo o processo de formação é natural, as pessoas vão se formando naturalmente, demanda gera demanda. E então a gente teve essa paralisação, esses últimos quatro anos foram devastadores pro cinema do norte.” Contudo, no ano de 2023 com a volta do MinC e com uma secretaria voltada ao audiovisual, pode-se dizer que há esperança. E como disse Glauber Rocha:

“Onde houver um cineasta pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo.”

Referências

CINEMA Novo. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2023. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo14333/cinema-novo. Acesso em: 29 de abril de 2023.

VERMELHO. Leia a íntegra do manifesto “Uma estética da fome”, de Glauber Rocha. Disponível      em:

https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/leia-a-integra-do-manifesto-uma-estetica-da-fome-de-g lauber-rocha/. Acesso em: 29 abr. 2023.

SILVA JÚNIOR, Ailton da Costa; DINIZ, Clarkson. Cinema Novo brasileiro e representações sociais: diálogos entre sétima arte e sociologia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, v. 1, n. 3, p. 61-74, jan. 2015. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/cinema-novo-brasileiro-e-representacoes-s ociais. Acesso em: 29 abr. 2023.

ADOROCINEMA.                 Noites                  Alienígenas.                  Disponível                  em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-306309/. Acesso em: 29 abr. 2023.

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