Crítica de Maria Laura Silva Rodrigues
Texto escrito originalmente para a disciplina “A Gênese do American Dream” do professor Pedro Lauria, para o programa de Cinema e Audiovisual da UFF.
“Seria Maverick um eterno piloto ou um caubói moderno?”
Protagonizada por uma das grandes lendas de Hollywood, “Top Gun: Maverick” (2022) é a continuação do clássico dos anos 1980, “Top Gun – Ases Indomáveis” (Top Gun / 1986), lançada 36 anos após o seu antecessor. A narrativa segue essa mesma passagem de tempo, de maneira em que o público irá acompanhar a vida do lendário Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise) depois de mais de 30 anos na ativa, servindo a marinha dos Estados Unidos, como um dos maiores pilotos de caça do mundo. Apesar de todas as suas conquistas e grandes feitos, Maverick se recusa a subir de patente, pois não quer deixar de fazer o que mais gosta, que é voar – fato importante para entendermos suas motivações ao longo dos anos, e do filme. Por conta de sua maestria na aviação, ele é convocado para treinar um grupo de pilotos, também formados na Top Gun, para uma missão extremamente complexa, que nenhum piloto vivo jamais realizou. É nesse contexto que iremos acompanhar o personagem, enquanto ele enfrenta um futuro incerto e aprende a lidar com os fantasmas de seu passado, confrontando seus medos mais profundos.
A continuação (ou remake) de um clássico é frequentemente sondada pela incerteza dos fãs da obra, que querem mais daquele universo, porém tem medo que a história que tanto amam seja de alguma maneira “estragada”. No entanto, a produção “Top Gun: Maverick” teve muito cuidado com essa questão e o filme conseguiu realizar algo que muitos não conseguem: se tornou aclamado pela crítica, agradou muito seus fãs antigos e atraiu novos admiradores. Levando em consideração as notícias e números de bilheteria, podemos afirmar que o filme foi um grande sucesso mundial. Porém, na minha perspectiva, esse sucesso possui muitas camadas para além de ser uma obra bem produzida e traz questões interessantes de serem analisadas.

A grande maioria das críticas cinematográficas e das reviews publicadas na internet, atribuem esse sucesso e tecem muitos elogios aos aspectos técnicos do filme, como seus bem executados planos de ação, os melhores momentos de Tom Cruise e a atuação dos mais jovens, Miles Teller e Glen Powell. No entanto, por mais que esses atributos tenham sua parcela de contribuição, na minha opinião existe um elemento mais influente, que foi o verdadeiro responsável pelo êxito da produção: a nostalgia.
Desde os primeiros momentos de divulgação, a produção do filme já vendia essa emoção para o público e o uso da mesma fica muito claro durante toda a narrativa. Além de ser uma grande homenagem ao primeiro filme, através de diversas referências que perpassam toda a trama, a obra também traz um grande ode ao passado, de anos gloriosos e bons costumes, representados pelo personagem principal. O melhor piloto da nação (e do mundo), é uma pessoa mais velha, tratada como uma lenda obsoleta (por seus superiores e pelos pilotos mais jovens). No entanto, ele irá provar para todos algo que o público já sabe: ele continua sendo o melhor. Sua personalidade não muda de um filme para o outro, ele apenas amadurece com a idade, tornando-se quase perfeito. Portanto, ao manter seu vigor, sua ousadia e sua maestria no segundo filme, Maverick fomenta aquela nostalgia de que os valores antigos são melhores e não se encontra essas características nos jovens, que ainda tem muito a aprender.
Exemplo disso é a relação de Maverick com Bradley “Rooster” Bradshaw, um de seus alunos e filho de seu melhor amigo, morto no primeiro filme após uma falha mecânica no avião que os amigos pilotavam juntos. Ressentido pela morte do pai e pela falta de apoio na carreira, inicialmente Rooster nega completamente qualquer contato com o mentor, mas ao longo da narrativa e das situações que passam juntos, ele aprende a perdoá-lo, se espelha nas habilidades extraordinárias do instrutor, e, com sua ajuda, ao final do filme, também se torna um “ás da aviação”, completando assim seu arco de amadurecimento.
Analisando essa relação de maneira mais detalhada, surge uma questão interessante acerca das dinâmicas interpessoais presentes na narrativa. Apesar de uma trama romântica heteronormativa se desenvolver entre Maverick e Penny (seu interesse amoroso) ao longo da narrativa, a relação afetiva de maior destaque e mais emocionante do filme, é o laço paternal que acontece entre dois homens brancos: Maverick e Rooster.
Essa trama nos leva a outra mensagem do filme: o modelo de masculinidade e o modelo de cidadão a ser seguido, apresentado por Maverick. É inegável que Tom Cruise é um símbolo de masculinidade heteronormativa, há muito tempo cultuado e desejado, tanto por homens, quanto por mulheres. É dificil confirmar se foram seus papéis mais marcantes que o colocaram nessa posição ou se foi o próprio ator que colocou seus personagens nesse patamar, no entanto é possível afirmar que já sabemos o que esperar de seus personagens antes mesmo de assistir o filme: um homem hétero, corajoso, ousado, sedutor, bem humorado e sempre pronto para servir sua nação.
No início do filme, um de seus superiores o repreende exatamente por sua coragem e ousadia, características que podem ser boas, mas que são vistas como insubordinação no ambiente militar. Ao finalizar seu discurso, esse superior afirma que “sua espécie (a de Maverick) está em extinção”, em uma clara referência de que são poucos os homens que agem como ele. No entanto, esses atributos fazem parte do porquê o personagem é tão extraordinário e o ajudam a continuar sendo o melhor. Por isso, quando o piloto rebate essa crítica dizendo que “pode ser que isso aconteça, porém não hoje”, pois ele ainda está ali, lutando para preservar sua “espécie”, fica clara a mensagem de que Maverick é o exemplo a ser seguido.

Ou seja, essa cena transmite uma mensagem de que “não se fazem mais homens como antigamente”, por isso precisamos que Maverick passe seus ensinamentos para as novas gerações e que Tom Cruise retorne as telas exalando sua masculinidade, para mostrar qual o modelo a ser admirado.
A partir disso, fica inegável a semelhança do piloto com outro personagem da cultura estadunidense: o herói do faroeste. Nos Estados Unidos, o gênero cinematográfico “Faroeste” é visto desde seus primórdios como a representação (de maneira heróica e glamourizada) do nascimento daquela nação. Mas para além disso, o Faroeste também está diretamente ligado a construção do padrão de performance masculina (principalmente do homem branco, héterossexual e cisgênero). E essa é apenas uma das características que o piloto tem em comum com o caubói.
Maverick chega sozinho naquela comunidade (escola de aviação), conhecido pela lenda que o cerca e está ali para ajudar aqueles habitantes. Apesar de seu jeito fechado e, às vezes, calado, ele é altruísta, ao sempre pensar no melhor para os pilotos; luta para colocar em prática seu individualismo, indo contra os superiores que querem mudar sua atitude; e é o único com as habilidades para enfrentar o inimigo, sendo essencial para o êxito da missão “quase impossível”.
Outra particularidade do herói de Faroeste é a sua capacidade de combate sobre humana, que torna aquela histórica “épica”, uma qualidade frequentemente associada a “Top Gun: Maverick”, pelo público e pela crítica. Como se a maestria do piloto, enquanto melhor do mundo, já não fosse o suficiente para torná-lo lendário, a atuação admirável de Tom Cruise é responsável por colocar esse toque sobre humano no personagem, ao ser revelado que todas as suas cenas foram feitas sem dublês. Portanto, ator e personagem juntos são responsáveis por criar essa aura épica e quase sobrenatural, que Maverick carrega – assim como acontecia com os atores John Wayne e Clint Weastwood e os clássicos heróis de faroeste interpretados por eles.
Levando em consideração esse conjunto de fatores e semelhanças, podemos afirmar que, no caso dessa história, o piloto é na verdade uma espécie de caubói moderno.
Existe algo em Maverick que intriga os personagens ao longo do filme todo: porque mesmo sendo o melhor do país (e talvez do mundo), ele nunca subiu de cargo? Para além de momentos de insubordinação e do seu amor pela aviação, na minha perspectiva sua motivação é outra e está intrinsecamente ligada à cultura estadunidense. Acima de se manter fiel a sua essência e a sua paixão por voar, existe também o orgulho de ser um cidadão de classe média e valorizar essa posição. O piloto não quer se tornar superior aos seus colegas de trabalho, ele não quer sair do combate, sua realização é ter atingido esse padrão de vida sócio e econômico. O que nos leva a mensagem mais simbólica do filme: a da valorização da classe média estadunidense e a reafirmação do Sonho Americano.
Na visão do filme, estar em combate direto, colocar sua vida em risco pela nação e não querer ser superior aos seus colegas de trabalho, é muito mais honroso do que sentar em uma sala de comandos e apenas dar ordens – tanto que os superiores de Maverick são pintados como homens mesquinhos. E estar na posição de capitão, é ser bem sucedido, mas sem ultrapassar os “limites de poder e riqueza”. Para completar, ao final do filme, Maverick reforça e conquista tudo o que um cidadão médio estadunidense quer: manter seu emprego médio, exercer o seu individualismo, manter sua nação a salvo (seja ela o país Estados Unidos ou apenas sua propriedade privada) e ter um subúrbio tranquilo para viver com seu interesse romântico – afinal o conjunto da escola de aviação, com a cidade pequena ao redor, lugar onde ele provavelmente vai morar com Penny, simula a estrutura de um típico subúrbio estadunidense.
Indo mais adiante, é possível perceber que ao construir essa narrativa, o filme propõe às pessoas do seu país, e do mundo todo, a fórmula para se alcançar o Sonho Americano: se ater aos bons costumes estadunidenses de 30/40 anos atrás, preservar sua moral, almejar atingir a classe média e defender sua individualidade a todo custo.
Por fim, mas não menos simbólico, “Top Gun: Maverick” é um grande ode aos Estados Unidos, da maneira mais glamourizada possível. Assim como seu piloto, essa é uma grande nação, considerada a melhor do mundo. Com seu discurso fortemente patriota, ambos os filmes da duologia parecem espelhar a trajetória do próprio país na de Maverick. Ou seja, não importa o que aconteça, as adversidades que atinjam o país, e os problemas que ele enfrente, os Estados Unidos e seus cidadãos serão capazes de enfrentar tudo de cabeça erguida e vencer, mantendo o posto de “melhor do mundo”.
Referências bibliográficas:
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“Graças a ‘Top Gun: Maverick’, Tom Cruise é o ator mais bem pago de Hollywood”. Revista Oeste, 2022. Disponível em: <https://revistaoeste.com/mundo/gracas-top-gun-tom-cruise-ator-mais-bem-pago-hollywood/>. Acesso em: 24/07/2022.
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INGRESSO.COM. Top Gun: Maverick – Trailer Legendado. YouTube, 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3r83JDRmZ6M>. Acesso em: 22/07/2022.