Com o sertão em primeiro plano, e a água que jorra espalhando-se cenas abaixo, podendo ser uma personagem da trama, regado a uma relação de afeto que permeia toda a narrativa do mais novo longa metragem do cineasta pernambucano Lírio Ferreira , trazendo temas como a diferença regional, a seca, a questão indígena, o coronelismo, a violência, a transposição do Rio São Francisco . Acqua Movie teve sua primeira exibição no final de 2019, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, além de ter sido exibido via streaming na Mostra Competitiva Ecofalante de 2020.
O foco narrativo de Acqua Movie carrega uma dose de uma simplicidade genuína, o fio condutor recai sobre a relação da Duda, documentarista envolvida na defesa da causa indígena e outras causas humanitárias , personagem da atriz Alessandra Negrini com o filho de 12 anos, vivido pelo ator Antônio Haddad, e o marido, um repórter de televisão, o ator Guilherme Weber. Duda é uma mulher dona de si, entregue ao trabalho, e no início da trama se encontra na Amazônia filmando um documentário. Com a morte do pai de Cícero , ela retorna às pressas a São Paulo, fechando e abrindo um novo ciclo. As cores frias da terra da Garoa são modificadas pelas cores quentes do sertão nordestino. Duda e Cícero viajam de carro para a terra do pai do adolescente , desbravando a estrada até encontrar o vasto , seco e ensolarado sertão, coroado com uma bela fotografia de Gustavo Hadba.
Esse filme que dialoga com o segundo filme de Lírio, o Árido Movie, que traz a escassez de água, contrapondo-se ao Acqua Movie, em que a presença da água é constante, seja as águas do rio, do mar, ou mesmo de uma simples garrafa de água mineral que aparece em primeiro plano em meio ao sol escaldante do sertão. Água é ouro, para o sertanejo, uma preciosidade, e isto fica claro na narrativa.
Assim como a vida, o diretor deixa coisas no ar, sem respostas, lacunas que podem ser preenchidas pela imaginação, dedução, como queira o espectador. Essa viagem de mãe e filho, vai além da busca das raízes do pai sertanejo, que deixou o nordeste para ser jornalista em São Paulo; é uma viagem para dentro, dentro de sentimento, um encontro , a reconstrução do afeto de ambos. O fortalecimento da cultura indígena: os costumes, o ritual de cura, a dança, são elementos pontuais na trama.
As atrizes paraibanas Marcélia Cartaxo e Zezita Mattos fazem parte do núcleo sertanejo, e há também uma aparição do conterrâneo de Lírio, na personagem do Governador, o também diretor Cláudio Assis. Além de Cláudio, outros companheiros de lida do cinema nordestino assinam o roteiro: os cineastas Paulo Caldas e Marcelo Gomes . O filme nos mostra, de um lado o sertão arcaico, de outro, as novidades tecnológicas, dentre elas , a trazida pelo menino do sudeste que é um brinquedo que possibilita o pequeno sertanejo visualizar o mar e pegar onda virtualmente. Ao mesmo tempo, que esse menino da capital é curado em um ritual indígena, longe dos aparatos da medicina moderna.
O filme é o sertão, como diria Guimarães Rosa. É nesse lugar , que a teoria do eterno retorno se faz presente, o Árido Movie se vê “reencarnado” no Ácqua Movie. Em Árido , a personagem de Duda era Soledad, vivida por Giulia Gam, Jonas , personagem de Guilherme Weber, permanece o mesmo. Os sertões se reencontram após 15 anos, agora com transposição do Rio São Francisco , que tem uma forte presença na trama, que é testemunha de mergulhos, seja de uma cidade que desaparece debaixo d’água, seja da construção afetiva entre mãe e filho. “ Podemos dizer que é uma extensão Kardecista, tem o espírito do Árido Movie.” Disse o diretor, Lírio Ferreira.