Crítica escrita por Sophia de Lacerda.
Sinopse: Depois de perder seu marido, a parteira Betânia se muda para o povoado onde nasceu e que jamais habitou. Empurrada pelo som ancestral do Bumba Meu Boi, pela força da família e da comunidade, Betânia tenta renascer, assim como as flores que desabrocham nos Lençóis durante a seca.
Betânia (2024) é um filme autenticamente maranhense, com roteiro e direção de Marcelo Botta. A trama acompanha Betânia (Diana Mattos), uma parteira de 65 anos, que vive em uma região isolada do Maranhão e sem acesso, sequer, à energia elétrica. Após a morte do marido, suas filhas insistem para que ela se mude para uma cidade mais estruturada. No entanto, habituada à vida no interior, ela resiste ao apelo. Só um incêndio a obriga a deixar sua casa e se deslocar para um centro urbano, também chamado Betânia.
Embora o longa-metragem comece centrado na trajetória da protagonista, rapidamente se revela que o nome “Betânia” representa mais do que uma única personagem – ele abarca toda uma comunidade. A narrativa, então, expande seu foco para explorar as vivências de outros moradores daquele contexto. Entre os temas abordados, destacam-se: a chegada da internet às áreas rurais; o crescimento do turismo e o consequente aumento da poluição dos Lençóis Maranhenses; a educação; o abuso de poder, por parte da igreja; o luto; os processos de reinvenção pessoal e coletiva.
Apesar da relevância das questões levantadas, a obra perde parte de seu impacto devido à falta de aprofundamento temático e uma montagem, por vezes, dispersa. Os conflitos, apresentados, não são plenamente desenvolvidos. Eles diluem-se ao longo da narrativa e, em certos momentos, assumem um tom excessivamente didático. A personagem, que dá nome ao filme, acaba virando coadjuvante do que seria sua própria história. Alguns momentos se estendem demais, como a narrativa de Tonhão (Caçula Rodrigues) guiando os gringos franceses nos Lençóis. Enquanto isso, outros aspectos interessantes do filme ficam inconsistentes: o luto e a relação de Betânia com o mundo ficam superficiais, além da relação dela com a família e a comunidade. Pouco se sabe, também, sobre como se resolve o conflito da jovem Vitória (Nádia de Cássia). Ela vive um relacionamento homoafetivo e tem sua mãe, conservadora, manipulada pela igreja.
O ponto alto de Betânia é, sem dúvida, sua belíssima cinematografia. As composições e enquadramentos transformam simples cenas em verdadeiras obras de arte, revelando cuidado com os detalhes, inclusive na disposição dos personagens no espaço cênico. Também vale destacar o uso, expressivo, de drones para capturar a imponência e a vastidão da paisagem dos Lençóis Maranhenses. O storytelling visual se sobressai ao reforçar, simbolicamente, os processos de transformação e adaptação que, também, atravessam os personagens. Todos confrontados, de alguma maneira, com a necessidade de se reinventar diante das mudanças que afetam a comunidade.
Portanto, Betânia se configura mais como uma homenagem sensível à cultura maranhense do que como uma narrativa tradicional. Mesmo com muitas inconsistências, é um filme que se destaca por: sua trilha sonora autêntica; seus personagens bem humorados; e o seu esforço evidente em retratar – com respeito e fidelidade – os modos de vida, os desafios e as transformações de uma comunidade em constante reinvenção.