A realidade é a melhor fonte de inspiração que existe. Histórias estão sendo vividas o tempo todo, em todo o mundo, e todas elas são passíveis de serem contadas. Porém contar uma história passa por decisões fundamentais: o que contar? Como? Por que?
Setembro 5, indicado ao Oscar desse ano por Melhor Roteiro Original, responde a primeira pergunta contando o dia do atentado palestino, nas olimpiadas de 1972 na Alemanha, contra a delegação esportiva Israelense no seu alojamento. Porém, pelo ponto de vista da equipe televisiva da ABC, que cobria os jogos numa instalação bem ao lado da Vila Olímpica.
A história escolhida é não só válida como extremamente interessante, e o tema da prática televisiva, usado aqui como escopo pelo qual acompanhamos os fatos, é muito bem escolhido – especialmente pelo meu interesse pessoal no tema de “bastidores” . Abre-se um extenso leque de assuntos e debates a serem provocados: a efemeridade da paz, o clima de desconfiança internacional pós segunda guerra, o conflito entre ética jornalística e as imposições da emissora em nome do lucro e, é claro, o conflito Israel X Palestina pela perspectiva da guerra de narrativas.
Porém o que temos de fato em Setembro 5 é um aproveitamento muito raso dessas oportunidades em prol de um esforço em representar o ocorrido de forma “isenta” e puramente fiel a prática televisiva. Como quem diz: “se não houve de fato um debate ético entre os profissionais da emissora durante o atentado, então não o faremos no filme”. Essa é uma decisão arbitrária, visto que se trata de uma obra ficcional em primeiro lugar, e tudo o que se conta ou deixa de contar é uma escolha intencionada. Ao meu ver, portanto, por mais bem escrito que seja em termos de estrutura e cadência dos fatos, a possível vitória de Setembro 5 no Oscar me pareceria mais uma decisão política do que qualquer outra coisa.
Mas apesar de escolhas questionáveis sobre o que contar, a forma como isso é feito é sem dúvida a melhor coisa do filme, e um grande mérito para o diretor Tim Fehlbaum. Nessa obra, o diretor apresenta um domínio admirável sobre o emocional do espectador. O solo é muito bem preparado para a construir o clima de tensão e suspense desde o começo, te deixando sempre na ponta da cadeira, ansioso pelo próximo passo a ser dado. Além disso, a forma como o fazer televisivo é contado é extremamente prazerosa e ressalta todas as limitações técnicas da época com um olhar de encantamento. Até mesmo a fotografia procura nos imergir naquela época através da alta granulação da imagem, o que, além de ser eficaz, também é muito bonito de se ver.
Por fim, chegamos à terceira pergunta: Porque? Acho que de alguma forma é isso que fica na cabeça quando saímos de uma sala de cinema. “Pq esse filme existe?”. “O que ele quer me dizer no fim das contas?” O que acontece é que, na falta de interesse em fazer reflexões substanciais e críticas, tudo o que sobra são palestinos matando israelenses simplesmente porque sim. Quando se acaba de assistir Setembro 5, o que fica na cabeça é uma propaganda pró Israel disfarçada de filme sobre televisão. Uma narrativa muito bem feita, mas também muito mal intencionada, e isso não pode ser ignorado.