Sinopse: Em um planeta em caminho de colapso climático e de uma humanidade que persegue um modelo depredador de desenvolvimento e consumo, a filosofia de Mujica desencadeou uma séria advertência para todos nós. O sonho de Pepe está deixando um planeta melhor para as gerações futuras. No entanto, o tempo acabou e não foi possível recuperar.
Sonhos de Pepe é um filme biográfico sobre o ex-presidente do Uruguai, José Mujica, uma figura política inspiradora e carismática. Pepe, como é carinhosamente conhecido, foi mundialmente notado pela sua simplicidade. Tratava-se do presidente de uma nação que não possuía carros de luxo, nem uma casa gigantesca no centro da capital, ou mesmo, ternos de grife; pelo contrário, vive em sua chácara numa área rural, dirige seu famoso fusca azul, usa calças jeans e jaquetas como todos nós; mas, é claro, vestindo-se com formalidade nas ocasiões necessárias, ainda que mantenha sua simplicidade.
O filme retrata Mujica em suas diversas viagens pelo mundo, espalhando sua filosofia. Ex-guerrilheiro, ficou preso por mais de uma década, é difícil imaginar o que tantos anos de prisão trouxeram à mente de Pepe.
A partir do filme, conhecemos um pouco a filosofia desse senhor agricultor uruguaio, que, em todos os seus discursos, mostra sua sapiência, oriunda de um conhecimento político-sociológico letrado, mas principalmente cotidiano, baseado em valores que sempre moldaram sua personalidade.
Pepe reflete uma ideologia política que encontrou a contemporaneidade, e tenta transmitir sua sapiência àqueles que podem mudar a realidade presente e futura. Sua mensagem é clara, busca fazer entender as dificuldades que irão ser enfrentadas e o que deve permanecer na mente dos jovens. Sinaliza que essas gerações já fizeram o “estrago”, e sua esperança é conscientizar que o que realmente importa na vida não é acumular ou consumir.
José Mujica é tão carismático, é o personagem político perfeito para uma biografia, mas o filme coloca Pepe na tela por pouco tempo. Todo filme documentário precisa criar uma dinâmica para não se tornar apenas uma entrevista monótona, entretanto, o filme falha na sua tentativa de preencher a tela com inúmeros estímulos sonoros e visuais, que sequer fazem sentido com o que está sendo falado por Pepe. Às vezes, a câmera se mexe demais, a decisão da montagem de colocar essas cenas, é um tanto esquisita, o que, novamente, faz parecer que algo nesse material está incompleto. No geral, a impressão é que o filme acabou sem imagens suficientes e tenta preencher a tela com o que há de material.
Os efeitos visuais são excessivos, chegam a ser desestimulantes, porque o espectador se divide entre ouvir os discursos de Mujica e tentar compreender o que está sendo visto. A saturação de algumas imagens é uma incógnita: há efeitos de fumaça; efeitos de exibição em película na tela; margens pretas na tela; CGI lúdico; são tantos efeitos que mal conseguimos entender o que está acontecendo. As imagens históricas passam muito rápido, a mixagem de som está estranha, há músicas estouradas, discursos cortados e não necessariamente conexos, às vezes repetitivos.
O filme força um bocado a temática ambiental e acaba trazendo um tom profético/messiânico a Mujica. A trajetória de Pepe traçada pelo filme é estranha, passa por diversos países onde sequer há imagens de seu movimento, há apenas imagens de arquivo mostrando que todos somos formigas operárias, mas então porque citar esses países? Por quê sinalizar sua passagem por esses outros países se parte significativa do filme é nos Estados Unidos e no Japão, aliás, quase que totalmente no Japão?
O som fila entre os hinos de um documentário estatal e o suspense. Em algumas cenas, era difícil entender o tom que o filme queria transmitir, porque uma música tensa entrava de repente na cena, logo após a transição de blocos, por exemplo. Isso acaba por distrair o espectador, que fica tentando entender como uma coisa se conecta a outra e até tira a atenção com relação ao que Pepe está falando. No final, tudo isso pode ser uma escolha estética, mas no final menos é mais.
Todas essas escolhas podem ser estéticas, com o objetivo de causar esse estranhamento, que pode ser favorável o entendimento de algo emergencial, pode estimular o pensamento por meio desse sentimento incômodo, o vale da estranheza. Mas o estilo escolhido para o documentário não faz sentido com seu próprio objeto.
Ler uma crítica, de forma alguma tem o mesmo impacto que ouvir Pepe falando. Em várias cenas do filme, vemos que ele passa por universidades e que é muito querido pela juventude, aonde quer que passe, sendo sempre bem-vindo em qualquer lugar. Fui uma das estudantes presentes no dia em que Mujica estava na UERJ, foi inspirador. Hoje, é engraçado ver que Mujica diz no filme que a maconha é uma “praga”, pois, naquele dia na UERJ, saí de lá quase tão chapada quanto os fumantes do local, uma fumaça subia no local e não tinha origem certa.
Pepe não se resume a um político de esquerda que liberou a maconha em algum lugar. O filme chega a descrever políticas liberais como sendo de esquerda, sendo que no Brasil essa é uma característica mais presente no que geralmente se identifica como direita. Sua dúvida sobre o que, hoje, se denomina esquerda e direita não poderia ser mais genuína e representa bem o pensamento do espectador.
José Mujica é uma figura política que acredita genuinamente em seus valores e sabe que o pessimismo só nos leva mais rápido à autodestruição. A sensação, seja na UERJ ou vendo o filme, é que Pepe está nos dizendo que existe um lugar no futuro; que ignorar e deixar como está apenas acelera nosso processo de aniquilação. Então, começar mudando as nossas próprias atitudes enquanto indivíduos que vivem em sociedade é o melhor discurso e ação, ainda, possíveis.