Crítica escrita por Miguel Henrique

Sinopse: Nova York. A carreira e a vida pessoal de um psiquiatra começam a desmoronar após ele se recusar a testemunhar a favor de um ex-paciente violento e instável, responsável pela morte de várias pessoas. A identidade LGBT do jovem paciente, a fé judaica do médico, a fome de notícias da imprensa e o julgamento severo da lei, agravados por um erro de impressão no editorial de um jornal, desencadeiam uma reação em cadeia explosiva. A perseguição midiática e a pressão do sistema judiciário se somam ao dilema moral do psiquiatra, que se apoia no juramento de Hipócrates para se defender das acusações, pressões e traições de todos os lados em busca da verdade. Quem é, afinal, o verdadeiro monstro? O rapaz? O médico? A imprensa? A justiça? Quem pode realmente ser considerado inocente?

O Penitente (2023), selecionado no Festival de Veneza de 2023, dirigido pelo italiano Luca Barbareschi, que também teve a coragem de protagonizá-lo, é, no mínimo, pretensioso. Uma obra com grande potencial, aborda temáticas cada vez mais atuais desde seu início ao seu fim, mas que se perde em seus discursos ora desalinhados, outrora contraditórios.

Pode-se dizer que Luca Barbareschi aparentemente tem familiaridade em participar de filmes que abordem determinados grupos sociais, ainda que a equipe não tenha conhecimento necessário sobre esses, seja abordando indígenas no polêmico, problemático e diversas vezes banido Holocausto Canibal, de 1980, ou mesmo anos depois, em sua atual obra, O Penitente, tratando questões LGBTs. Porém, graças ao bem do público, em comparação com Ruggero Deodato, diretor de Holocausto Canibal, Barbareschi utilizou de uma linguagem mais tímida para expressar ignorância em sua obra.

O filme começa com um massacre em uma faculdade, em seguida se expande para questões LGBTs em contrapartida com a religião judaica; aborda também, a alienação da mídia sob a sociedade e seu desespero por notícias; não obstante, traz para a narrativa tópicos sobre a ética profissional de psiquiatras e sobre o sistema de justiça. De maneira alguma é errado abordar todos esses itens em um só filme, mas é, não menos que desafiador, desafio esse que Luca Barbareschi não consegue cumprir.

O diretor estuda a ética do psiquiatra em confronto com a ética dos jornalistas, mas acredito que faltou para ele, estudar uma possível ética dos cineastas. A sensação que o filme traz é que há uma mensagem direitista escrita nas entrelinhas tentando se mostrar para o espectador. Há o sentimento de que o diretor quer prestar um posicionamento conservador e produzir uma crítica sobre a atual geração. Utilizando da linguagem cinematográfica, ele diz coisas semelhantes a “hoje em dia, tudo é homofobia”. A mensagem, por si, já é incômoda, mas a covardia de não assumi-la por completo na obra, consegue incomodar ainda mais. Mas nada surpreendente para um diretor que é ex-membro da Câmara dos Deputados italiana, eleito por um partido abertamente de direita.

Ao que parece, há na obra uma intenção fazer uma crítica social, mas que apenas expõe uma falta de estudo e de compreensão do diretor, e até mesmo uma hipocrisia em criticar o modo jornalístico de pintar histórias que necessariamente precisam ter vilões e vítimas, ao mesmo tempo que dirige um filme que parece desenhar para o público o protagonista como vítima e todos em sua volta como vilões.

Apesar de não se destacar na direção, a atuação de Luca Barbareschi e de todo o elenco é cativante, mas o “trabalho” de sincronização de som e imagem apaga totalmente os atores, diversas cenas são dubladas, dublagem essa que é totalmente desconexa, o movimento da boca dos atores não condiz com o que está sendo dito, a montagem consegue ocultar um pouco dessa falha utilizando plano e contraplano, entretanto, o erro fica claro mesmo para quem não é falante da língua italiana. Ademais, os atores interpretam personagens que não tem aprofundamento, a personagem de Catherine McCormack, Kath Hirshi, é mais uma função, do que realmente uma personagem, ela está furiosa e discordando em todos os momentos em que aparece, não há personalidade, é apenas um empecilho na vida do protagonista, e nada mais.

Compondo o longa-metragem, há tentativas falhas de fazer diálogos dos quais pareçam intelectuais, e que, por mais que caminhem muito, por longos e longos minutos, ainda não conseguem sair do raso. As conversas começam com as emoções à flor da pele, não há um intermediário entre estar calmo e estar furioso, os gritos aparecem aleatoriamente e as mesmas frases são repetidas dezenas de vezes em um único diálogo.

Abreviando, no roteiro falta envolvência, a fotografia é repleta de planos áridos e a montagem é monótona, assim como todo o filme. Indo a fundo, parece uma versão de Anatomia de uma Queda (2023), de Justine Triet, porém, escrito com diálogos maçantes e embrulhados em um teor conservador, ou seja, Luca Barbareschi, trazendo discussões enormes entre o protagonista e sua mulher, discussões já ditas como sem profundidade, ou, por vezes, até mesmo sem sentido, acompanhados por longos debates jurídicos, que se transformam de maneira patética em debates bíblicos, abordando também a sexualidade do réu, assim como Anatomia de uma Queda. Barbareschi deu uma aula de tudo que Justine Triet não deveria ter feito, e não fez. Enfim, O Penitente se mostra uma obra que carece de arte.

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