Como parte do Festival de Cinema Italiano em 2024, temos Eravamo Bambini, que chega ao Brasil com o título Éramos Crianças, por Marco Martani, marcando sua 39º obra roteirizada e 3ª direção.
Inicialmente, não há preocupação em centrar a história em um único personagem, passeando por diversas pessoas, entre elas, um homem assustado que é pego pela polícia, uma mulher que está completamente entediada no trabalho, um jovem viciado, um policial descontrolado e um rapper famoso. Contudo, o longa quer nos mostrar que algo está unindo esses indivíduos, especificamente: Antonio (Francesco Russo), Margherita (Lucrezia Guidone) e seu irmão Andrea (Romano Reggiani), Gianluca (Alessio Lapice), Walter/Inferno (Lorenzo Richelmy) e por fim, Peppino (Giancarlo Commare). Conectados por uma amizade de infância, os adultos se reúnem novamente para – diferente do que estamos acostumados em obras como essa, espantarem seus demônios e traumas passados, levando o espectador a um mistério: o que aconteceu naquele verão?

Trabalhar todos esses protagonistas não é trabalho fácil e a montagem de Luciana Pandolfelli opta por deixar o espectador confuso ao início (colocando diversos plots acontecendo sem conexão prévia), para somente depois ir dando as peças do quebra cabeça, andando totalmente na proposta da narrativa, que passa maior parte do tempo dramatizando a obra, para apenas na sua resolução chegar ao suspense construído. Contudo, se a montagem e o próprio roteiro afastam todos esses personagens, a fotografia de Valerio Azzali os une ao representar a vida de todos de maneira mórbida, com cores sólidas e frias, permeando o presente desses indivíduos. Os flashbacks do passado – relevantes e decisivos – apresentam o típico filtro ensolarado, pôr do sol, que evoca a juventude e nostalgia desses personagens, interagindo e se descobrindo durante a adolescência, ou o que estamos acostumados a ver como gênero coming of age. Os conflitos são explorados em grupo, afinal, algo aconteceu e Gianluca manda uma mensagem de texto a todos, os convidando para retornarem a cidade litorânea onde nasceram, tirando todos da sua zona de conforto e reapresentando aos tormentos que deixaram para trás. Ao se encontrarem, o mórbido dá lugar ao nostálgico, com recapitulações que vão lembrando a antiga amizade. Se Antonio é a maior representação do coming of age do filme – o apresentando como o covarde da turma, covarde, emocionalmente instável e invejoso pela vida infeliz que levou, Lucrezia encanta apresentando uma Margherita doce, gentil, mas que carrega responsabilidade e ousadia consigo, principalmente ao lidar com o irmão Andrea viciado em drogas e álcool. Ainda que Walter tenha saído do pequeno vilarejo e se tornado um famoso artista, seus problemas parentais refletem o típico espírito rebelde, que consegue um espaço maior, diferente de seu contraste Gianluca, outro personagem que também possui um gênio forte e revoltado, mas infelizmente, o ator Alessio sozinho e junto com Lorenzo não conseguem tanto espaço para explorar suas nuances. Por fim, Peppino apresenta uma das partes mais duais do grupo, e mesmo com pouco, consegue evidenciar sua ambiguidade num cenário mais político com seu pai – que ganha notória presença na obra, ao terem uma das cenas mais bem construídas da projeção. Inclusive, é interessante como o núcleo de Peppino mescla as duas fotografias, unido passado e presente, ou seja, algo nessa família ainda mantém sentimentos pelo que já aconteceu…

Certamente, ir e voltar toda hora em uma história diminui a fluidez narrativa e aumenta as pausas entre cenas e resoluções, entretanto, ao desconstruir a linearidade, o diretor consegue oferecer o dito quebra cabeça, ao não expor muito as cenas no passado, além de não arrastar mais do que necessário. O ambiente da cidade é exatamente o que esperamos de um filme europeu/italiano, com praias ensolaradas, grandes escadarias, que também abrigam grandes parques, carregados novamente desse filtro jovial com cores quentes e relativamente saturadas. Todavia, é curioso o detalhe de que a maioria das cenas dos personagens adolescentes acontecerem justamente na praia e optar retratá-los no presente no urbano e outros ambientes que envolvam esse espaço.
Ainda que não ofereça grandes chamativos, mas também sem sair dos trilhos, o longa oferece um caminho do apenas correto, ao justamente acertar em não errar demais, oferecendo no geral, uma experiência regular através de um retrato diferente de algumas convenções do coming of age. Enquanto estamos acostumados aos próprios jovens falarem ou refletirem sobre suas ações, desta vez, já estamos em suas fases adultas, com eles voltando para verem o que ficou para trás. Através da montagem, da fotografia e também da própria narrativa, somos conduzidos a um mistério que é resolvido no terceiro ato de maneira que transforma o drama em suspense e ação, colocando os ex-adolescentes a enfrentarem cara a cara seu maior inimigo. Desenvolvê-los de forma coletiva, permitiu que suas diferenças fossem potencializadas, mas unindo todos em igual na desgraça que os separou quando crianças.
O filme se encontra disponível no Festival de Cinema Italiano, distribuído por todo país