Crítica escrita por Valentina Parisi para o Festival de Cinema Italiano 2024.

Sinopse: Giordano Fonte (Toni Servillo) é um escritor napolitano que vagueia por uma Nápoles que envolve e aterroriza, mas ao mesmo tempo fascina, uma cidade que ele não reconhece mais após muitos anos. Acompanhado por Caracas (Marco D’Amore), um homem da extrema direita prestes a se converter ao Islamismo, ambos buscam uma verdade existencial que parece inalcançável. Giordano narra o amor impossível entre Caracas e Yasmina (Lina Camelia Lumbroso), enquanto atravessam uma cidade onde todos lutam para não se perder e encontrar salvação. No meio do caos, tanto Caracas quanto Giordano sonham em despertar de um pesadelo para um dia cheio de luz. Baseado no romance “Napoli Ferrovia” de Ermanno Rea, este é o segundo filme do ator Marco D’Amore como diretor.

Em Caracas (2024) retratam-se as tensões e problemas sociais severos que constroem a cidade de Nápoles, na Itália, por meio de três histórias simultâneas de pessoas nascidas em suas ruas turbulentas. Pobreza, questões imigratórias, ascensão de ideologias de extrema direita, são eixos centrais através dos quais se desenrola essa trama cheia de significado. 

O filme se inicia com a apresentação do personagem Caracas, que neste momento participa de um grupo de skinheads planejando um ataque a uma vila de imigrantes nigerianos e árabes. Contudo, Caracas tem um momento de epifania após um de seus companheiros esfaquear um homem muçulmano desarmado, sentindo muita culpa, ele busca uma maneira de pedir perdão Divino, e assim se inicia sua conversão ao islamismo. Depois disso,, a personagem Yasmina é introduzida no bordel onde é dançarina e os dois começam um romance caótico. Em paralelo, Giordano é um escritor que se consolidou contando as histórias que correm nas ruas de Nápoles, e nesse momento atende a uma entrevista sobre sua obra em uma biblioteca, mas não consegue terminar, pois não se identifica com a melancolia e desilusão que sua obra carrega. Ele vive em constante desacerto consigo mesmo e absorve o ambiente hostil e de tensão social da Nápoles que ele tanto amou.

Trata com êxito de questões identitárias religiosas, como por exemplo a relação de Caracas com islamismo, que, em muitas cenas, é possivel entender o consolo para sua culpa e seu arrependimento, com o que diz respeito ao seu passado, que este encontrou na religão, em especial uma cena muito forte e emblemática em que ele arranca com um punhal a própria pele, em seu braço onde estavam suas antigas tatuagem de suásticas e outros simbolos nazistas.Contudo, ainda assim,   é um filme com uma mensagem um pouco ambígua sobre o Nazifascismo. Ele condena a prática fortemente, ao mesmo tempo que há uma tentativa de humanizar os praticantes, mostrando sua origem e problemas na infância. Giordano conhece Caracas ainda quando criança, justamente nas ruas de Nápoles, órfão e criado pela cidade, assim como os outros skinheads membros de sua turma. Giordano cria um certo apego emocional com o grupo, exposto em uma cena específica na qual este ludibria o recepcionista do hotel luxuoso onde está hospedado, fazendo com que as crianças consigam subir para o seu quarto e tenham acesso a um mundo nunca antes visto por eles. Suas histórias se interseccionam novamente depois de anos, quando Caracas já é um homem adulto envolvido com Yasmina.

As cores e sombras são fatores importantes na transmissão da mensagem do filme. São muito bem trabalhadas na intercalação das cenas, transicionando de um azul e bege, para cenas sublimes, e preto e amarelo com muitas sombras, para as cenas noturnas de conflitos. Além do cinza, que cria um universo de tédio e desilusão, presente nas cenas em que Giordano passa pelas ruas com pessoas completamente desumanizadas, em situação de mendicância ou de subemprego, retratando uma Nápoles quase apocalíptica.

Como foi exposto, há sim a existência de três histórias simultâneas, porém extremamente mal trabalhadas e mal administradas. Infelizmente é perceptível, em quase todos os arcos e personagens, que existem muitos pontos sem nó e muitas abas que são abertas sem conclusão. Yasmina por exemplo, mal aparece durante 1 hora de tela, e no fim se casa com Caracas, mesmo com pouco ou quase nenhum desenvolvimento da relação do casal, que deveria ser o centro da trama. O espectador pouco sabe sobre ela e seu passado, as informações fornecidas são que ela é muçulmana, dançarina e viciada em drogas, e que estas questões causam turbulências no relacionamento de idas e vindas dos dois. 

De modo geral, não é um filme que facilita o entendimento do espectador, pois a montagem intercala-se entre momentos de muita tensão e caos e outros sublimes de tranquilidade, e com cada corte trabalhando uma temporalidade diferente, voltando 20 anos, depois avançando 10 e voltando 30 novamente. Não é um filme que conseguiu me envolver, pois, no momento em que eu me situava dos acontecimentos, logo havia um corte seco que mudava toda a frente da história retratada e eu me via perdida novamente no enredo. De fato é uma trama picotada em mil pedaços. Ao assistir, me senti lendo um texto no qual após cada palavra o autor coloca um ponto final. Acho que foi uma aposta interessante da direção, que, na minha visão, quis abordar as nuances da vida na cidade, um equilíbrio entre caos e paz, tentativa essa sem sucesso, resultando numa trama fragmentada que entrega um emaranhado de ideias sem conclusão. 

É uma trama com altos e baixos, e talvez com mais baixos. Não conseguiria resumir em sinopse ou em resenha pois é impossível identificar qual o eixo central. Pode ser que seja a relação de amizade entre Giordano e Caracas, o amor de Yasmina e Caracas, a acensão do Nazifascimo, a religião, o significado da vida, os problemas urbanos contemporâneos, relações modernas, o perdão, ou todas as opções citadas, mas é fato que entrega um roteiro embolado que tenta abraçar todas elas e não consegue sustentar. É um filme o qual eu esperava mais, tem uma premissa interessante e me envolve um pouco mais por meu avô ser napolitano. Não diria que não vale a experiência, diria que vale você assistir descansado, pois com certeza vai te dar um nó no cérebro até a última cena, porém não do jeito que faz você pensar e te dá os meios para isso, mas sim do jeito que te faz sentir perdido.

 

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