Crítica escrita por Ernesto Loaiza.
Sinopse: Na Nova York das décadas de 1970 e 1980, o jovem Donald Trump inicia seu negócio imobiliário por meio de uma barganha com o influente — e controverso — advogado e mediador político Roy Cohn. Com sede de poder em um contexto de corrupção, o ambicioso Trump vai de homem de negócios a celebridade de reality show, finalmente se tornando presidente dos Estados Unidos e uma das figuras mais polêmicas do mundo.
O Aprendiz (2024) trabalha bem a construção de uma personalidade com complexo de Midas. No início, enquanto vivia sob a sombra do pai, Donald Trump, muito bem interpretado por Sebastian Stan, já apresentava alguma ambição, principalmente devido ao ressentimento com o pai, que sempre faz questão de reforçar o quanto seu trabalho importa mais que o do filho. Sendo assim, pela força da figura paterna sob suas costas, ainda vivia contido, falava pouco e, quando colocado ao lado de Roy Cohn, advogado controverso e interpretado por Jeremy Strong, até, às vezes, passava uma impressão de ingenuidade. Ou, também, em suas primeiras interações com Ivana Zelníčková, o jovem magnata parecia um adolescente bobo e apaixonado. Não demora muito para que Trump perca qualquer traço de modéstia após conseguir, com o auxílio de Cohn, vencer sucessivas jogadas políticas. No decorrer do filme, acompanhamos a maneira como Cohn consegue dobrar os políticos a favor de Donald Trump, sem escrúpulos de utilizar meios antiéticos para justificar seus fins, e como isso dotou o jovem de uma energia poderosa que viria transformar a cidade, para bem ou para mal, e a arruinar sua vida pessoal. No final, nem Roy Cohn nem Ivana Trump são poupados da voracidade do Trump realizado, que, como ele mesmo diz, se enxerga como alguém que transforma em ouro tudo o que toca, e essa crescente, ainda que bem esperada, é particularmente divertida de assistir, em especial pelas atuações da dupla principal, mas também me envolvi com a direção de arte e pela trilha musical.
A diretora de arte Aleksandra Marinkovich é hábil em fazer a reconstituição de época, mas, principalmente, no desenho sagaz dos cenários, que acompanham a ascensão de Trump com a opulência dos interiores dos prédios e dos quartos. Aliada à fotografia, a composição visual do filme tem a sedução do luxo, quando puxa os tons de cor para o dourado, mas é impregnada pelo mau caratismo dos protagonistas, quando traz vários momentos nas sombras. Já a trilha musical é um destaque na ambientação do filme. A trilha original de Martin Dirkov conta com bastante uso de longos acordes com sintetizadores de órgão e com reverb acentuado, o que dá às músicas um “brilho” sonoro que encaixa bem com a corrida pelo ouro imobiliário, e destaco: Roy and Donald, The Wedding e Special Sauce. O filme também tem composições adicionais feitas por David Holmes e Brian Irvine, que têm como destaque as músicas eletrônicas que emulam o estilo dos anos 80: Roy Genius e Atlantic City. À título de comparação, é um trabalho similar com o que Daniel Lopatin fez em Joias Brutas (2019), principalmente tratando-se desse “brilho” sonoro que os sintetizadores são capazes de fazer. Não poderia ser diferente, para uma trama centrada em um protagonista obcecado por dinheiro, algo sintético, artificial, enquanto deixa todas as relações ao redor ruir.
Para finalizar, deixo meu elogio à Sebastian Stan, que apresenta os trejeitos da figura que representa, tão identificáveis, mas não fica na mera caricatura. O ator consegue imprimir no rosto feições trêmulas, instáveis, enquanto sua voz soa convicta; incrementa aos poucos a expansividade da linguagem corporal do bilionário, e é surpreendente perceber quando o jovem Donald desaparece para dar lugar a Trump, a figura política que, com tanto material histórico, poderia inspirar o diretor iraniano-dinamarquês Ali Abbasi a fazer uma continuação, ou uma trilogia, quiçá. Porém, considerando que no início do ano, Abbasi e sua equipe receberam uma carta de cessar e desistir dos advogados do ex-presidente Trump, após a exibição em Cannes, essa possibilidade parece ser remota do que já era. Não costumo pensar em continuações, sequer há alguma menção do diretor quanto a isso, e O Aprendiz o filme já me agradou bastante como é; mas é curioso que esse episódio na produção do filme tenha toda a essência de um epílogo perfeito ao filme, alinhado a esse personagem que Abbasi construiu tão bem que, apesar de sempre ter moldado sua própria realidade, não resiste em tentar impedir que os outros ilustrem uma realidade que não a do político — e a arte é para isso.