Crítica escrita por Ernesto Loaiza para a cobertura do 26º Festival do Rio.
Sinopse: A vida de uma garota que nasceu numa vila de operários de uma mina e tem que aprender a lidar com sucessivas perdas. Com o fim da mineração, o local se transforma em uma cidade-fantasma. Sem ter para onde ir, ela e seu cachorro são os únicos que não abandonam o lugar, até que o rompimento de uma barragem dizima a região. Após perder todos os seus mundos, Kaylane insiste em sobreviver e resistir. Um filme sobre crescer e sonhar em meio à poeira, à lama e ao silêncio.
O Silêncio das Ostras (2024) é um filme denúncia sobre os impactos da mineração em Minas Gerais e sob o véu de uma trama familiar centrada na figura de Kaylane, uma criança quieta que parece viver em seu próprio universo. É uma escolha legítima, a do filme, elaborar sua estética a partir da maneira como Kaylane se porta. A criança, nascida em uma comunidade de operários de uma mineradora, tem um ritmo próprio, uma visão de mundo incompatível com a marcha das máquinas que exploram o meio ambiente e fazem circular o dinheiro. Seus interesses são as fragilidades da natureza, especialmente os insetos: ouve os sons das cigarras com atenção todas as noites; detém-se para apreciar novas espécies que encontra por aí; coleciona os corpos dos insetos que jazem na terra. Até porque, conforme acompanhamos ao fim do filme, ela encontra, em uma aldeia indígena, um lar, um espaço que se relaciona com a terra de uma maneira não-exploratória, em sintonia com a natureza e, para tal, em um ritmo diferente — ela até participa de um canto à Cabocla Jurema, entidade que jamais ouviu falar. Essa personagem, vivida por, na infância, Lavínia Castelari e, na fase adulta, Bárbara Colen é bastante interessante porque depende muito da gestualidade e dos olhares das atrizes, que surpreendem pela sintonia nas interpretações.
Porém, temo que esse ritmo possa ter desgastado um pouco a experiência geral do filme devido às tramas familiares, são dilatas de tal forma que a monotonia toma conta. Claro, considerando que “silêncio” é uma palavra presente no título filme, não é como se essa decisão criativa não fosse coesa ao que se propõe. Porém, a meu ver, mais que qualquer personagem do filme, com exceção de Kaylane, interessa mais analisar como é que o filme trabalha o espaço daquela comunidade e suas transformações. Desde a chegada dos primeiros postes de luz, até as desocupações das casas, há um trabalho muito bom da diretora de arte, Juliana Lobo, em moldar o ambiente ao longo das décadas. Evidentemente, a família de Kaylane também passa por transformações e são, sim, feitos comentários sobre como as condições da comunidade afetam a todos, mas esses aspectos são elaborados em longas durações, o pode dar a impressão de que é um trabalho de personagem aprofundado, mas, na verdade, é um tanto quanto simples. É bastante perceptível, por exemplo, que o tema “filho que sai de casa para trabalhar e não dá retorno à família” será repetido; que a letra da canção Minha Pequena Eva dialoga com o contexto ambiental do filme; e mais.
Além disso, essas tramas familiares tiram o foco da contemplação do espaço, que considero ser o ponto forte do filme. O filme dedica uma boa quantidade de tempo em longos planos mostrando a região: o lago poluído; os morros sendo escavados; a lama a escorrer; tudo isso com um desenho de som muito bem construído, que dá gosto de apreciar seus detalhes junto da imagem. Assim, essa atenção aos mínimos detalhes da terra, com planos lentos e sons baixos, contrasta muito bem com as imagens de arquivo, longo antes dos créditos, de catástrofes ambientais, como o rompimento da barragem em Brumadinho, que se realçam pela delicadeza do que foi apresentado anteriormente. Pena que essa qualidade, que se aproxima do experimental, perde-se, um pouco, pelo marasmo das outras histórias que o filme quer contar.