Crítica escrita por Renata Serra para a cobertura do 26º Festival do Rio.
Sinopse: Os primos incompatíveis David e Benji se reúnem para um passeio pela Polônia em homenagem à amada avó. No entanto, a aventura toma rumos inesperados conforme as antigas tensões dos dois ganham força durante a investigação da história familiar.
A Verdadeira Dor (2024), segundo longa assinado pelo ator Jesse Eisenberg, acompanha dois primos em uma excursão pela Polônia e sua história com a segunda guerra mundial. Judeus e netos de uma sobrevivente do holocausto, Benji (Kieran Culkin) e David (Jesse Einserbeg), que, apesar de completos opostos, consideram-se irmãos, protagonizam essa dramédia que conquistou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Sundance em 2024. A obra mescla humor e profundidade, abordando questões familiares, memórias e as complexidades de lidar com legados históricos. Eisenberg trabalha a ironia de explorar traumas familiares enquanto seus personagens estão cercados pelo conforto moderno, o que cria um interessante contraste entre o passado e o presente.
O longa, desse modo, recupera um passado trágico de forma terna, com longos planos dos locais históricos que os personagens visitam e monólogos sobre as dores que estes sentem ao enfrentar o passado de seu povo e, especialmente, de sua família. A fotografia é o elemento chave para construir um espaço de representação que mostra respeito e dor pelo história do povo do judeu além de capturá-la. A história trabalha com a herança emocional familiar e o que ela carrega em termos de pessoalidade para cada um – os personagens de Benji e David são os claros resultados do que uma mesma história pode fazer com pessoas diferentes, e do impacto de se estar vivo e existir com e para outras pessoas, principalmente familiares.
A Verdadeira Dor não lida apenas com isso, mas vai além em construir uma relação bonita e complexa entre os primos, ambos sempre em contraste e ao mesmo tempo em uma sintonia inquebrável pelo restante da narrativa. A tradição milenar de comparação entre pessoas próximas umas às outras é mantida aqui, com diálogos sobre tais sentimentos vindo de ambos personagens – além de charmosos e cômicos, os momentos de conversa de ambos em telhados pela Polônia compartilhando um baseado como em tempos antigos que eles citam são alguns dos melhores do filme. A história sucede em construir personagens que existem fora da jornada que é representada, sem desmerecer o impacto da viagem na vida de ambos a curto e longo prazo.
Momentos cômicos dão o tom e o coração a uma narrativa que soa pesada, apesar do caminho de humor fácil que algumas vezes tomam. O longa acompanha quase inteiramente o grupo nessa excursão e desenvolve uma interessante construção de personagens coadjuvantes que se encontram nas figuras do guia da excursão (Will Sharpe), uma mulher recém divorciada (Jennifer Grey), um casal (Daniel Oreskes e Liza Sadovy) que se definem como “entediantes” e um imigrante da Ruanda (Kurt Egyiawan) que se converteu ao judaísmo. O grupo é uma adição curiosa à narrativa, não só presentes para impulsionar Benji e David em suas jornadas mas, em menor grau, participar de sua própria e explorar sua relação pessoal com o passado de seu povo.
Kieran Culkin segura o filme em seus momentos mais fracos, com uma performance de corporeidade que engaja o ator em uma criação de personagem honesta e bela. Vencedor do penúltimo Emmy de atuação, Culkin, em alguns momentos, calça os sapatos de seu personagem de Succession e mostra a capacidade de tornar-se alguém que fala tudo o que pensa sem abandonar uma fachada de complexidade emocional que por vezes o aproxima de uma criança. Jesse Eisenberg, por sua vez, tem uma performance mais contida e introspectiva, algo intrínseco ao seu personagem, mas que, quando precisa, se quebra de sua evidente tensão. A química entre Culkin e Eisenberg é bem aproveitada, e ambos desenvolvem sua relação em tela à sua própria maneira, tanto em momentos conflituosos quanto em suas reflexões.
A Verdadeira Dor é um retrato terno, quase tão triste quanto cômico, das complexidades das relações familiares, do luto, das relações entre passado e presente e do legado que acompanha o povo judeu. Jesse Eisenberg prova ser tão bom diretor quanto é bom ator e Kieran Culkin realiza uma comovente performance que faz A Verdadeira Dor um dos melhores filmes a marcar presença na 26º edição do Festival do Rio.