Crítica escrita por João Pedro Ferreira.

Sinopse: A GAROTA DA VEZ é baseado na história real bizarra de Sheryl Bradshaw (Anna Kendrick) e Rodney Alcala (Daniel Zovatto). Bradshaw era uma solteira em busca de um pretendente no programa de TV de sucesso dos anos 70, “The Dating Game”, e escolheu o solteiro charmoso nº 3, Rodney Alcala. No entanto, por trás da fachada gentil de Alcala havia um segredo mortal: ele era um serial killer psicopata em meio a mais uma onda de assassinatos.

O filme em questão é baseado em uma história real, retratando o notório serial killer Rodney Alcala, ativo na década de 1970 e conhecido como “O Assassino do Colégio”. Alcala, que era fotógrafo, se destacou por seu charme e inteligência, características que lhe permitiram atrair suas vítimas. Ele foi condenado por vários assassinatos e, intrigantemente, participou do famoso programa de televisão The Dating Game, criado por Chuck Barris, em 13 de setembro de 1978. O programa apresentava uma mulher em busca de um relacionamento, que deveria escolher entre três homens com base apenas em suas descrições. Um dos aspectos mais intrigantes do filme é sua representação do episódio em que Alcala participou do programa de televisão The Dating Game, em 13 de setembro de 1978. Essa participação revela a dissonância entre a imagem pública e a verdadeira natureza do assassino. A forma como o programa transformou uma figura tão obscura em um “candidato” ao amor levanta questões perturbadoras sobre a superficialidade das relações e a vulnerabilidade das pessoas diante de charlatães. A direção de Anna Kendrick,em sua estreia na função, é um aspecto que promete trazer uma nova perspectiva ao gênero. Conhecida por sua atuação em A Escolha Perfeita (2012), Kendrick parece estar se empenhando em explorar não apenas a narrativa do crime, mas também os contextos sociais e emocionais que permitem que tais atrocidades ocorram. Sua abordagem pode ser uma oportunidade para refletirmos sobre a complexidade das relações humanas e os mecanismos que permitem que o mal se disfarce de normalidade. Em suma, o filme não apenas reconta uma história de horror, mas também provoca um exame crítico sobre a natureza do mal, a manipulação e o que significa realmente conhecer alguém. Kendrick, com sua visão única, tem potencial para iniciar um diálogo significativo sobre esses temas, tornando sua estreia na direção uma promissora adição ao cinema contemporâneo.

O longa-metragem inicia-se com uma das vítimas de Rodney Alcala e, em seguida, apresenta a protagonista, Sheryl Bradshaw, interpretada por Anna Kendrick. Sheryl se sente desapontada por não conseguir um papel como atriz e, prestes a desistir, recebe uma ligação de sua agente, que lhe arranjou uma pequena participação em um programa de auditório. Essa é a trama central da obra. Paralelamente, acompanhamos a história do serial killer, que continua a assassinar mulheres, destacando a brutalidade e a impunidade que cercam casos de feminicídio, que continuam a ser uma triste realidade em nossa sociedade. Uma personagem na plateia do programa, embora não tenha sido diretamente alvo do assassino, é impactada pela perda de uma amiga que foi uma de suas vítimas, refletindo o luto e a dor que muitos enfrentam em decorrência da violência de gênero. O filme também aborda a questão do feminicídio ao trazer a narrativa de uma adolescente chamada Amy, cuja trama não envolve um assassinato imediato, mas se desenvolve em paralelo à história principal. Essa jovem não possui ligação com o programa, mas também foi afetada por Rodney Alcala, mostrando como as consequências da violência podem se estender para além das vítimas diretas. Contrariando o que os pôsteres e trailers sugerem, que indicam uma concentração exclusiva no programa, o foco principal reside, na verdade, nas ações de Rodney Alcala. Essa escolha narrativa, embora intrigante, pode levar a uma desconexão entre as histórias, pois a tensão entre a busca de Sheryl por seu espaço no entretenimento e a violência brutal do assassino pode parecer desarticulada. O longa-metragem se propõe a ser mais do que um simples thriller sobre um serial killer; busca também examinar as realidades da vida e da morte, da fama e da tragédia, enquanto lança luz sobre a alarmante questão dos feminicídios e o impacto duradouro que eles têm na sociedade. No entanto, a execução dessa ambição é o que determinará se conseguirá oferecer uma reflexão significativa sobre as consequências do mal que se disfarça sob uma fachada de normalidade. 

Embora o filme não apresente cenas gráficas de sangue, o conhecimento do que está acontecendo torna a experiência bastante perturbadora. A ausência de imagens explícitas não diminui a gravidade da situação; pelo contrário, o que não é mostrado muitas vezes gera um efeito mais profundo. Essa abordagem estimula uma reflexão significativa sobre o medo e a insegurança enfrentados por muitas mulheres, enfatizando as implicações emocionais e psicológicas dessas vivências. Ao longo da narrativa, o filme também ilumina a questão do feminicídio, retratando como a violência de gênero não é apenas um ato isolado, mas parte de um padrão sistêmico que perpetua a desumanização das mulheres. A história de Sheryl e das vítimas de Alcala serve como um microcosmo de um problema mais amplo, onde as mulheres frequentemente se tornam alvos de homens que abusam de sua posição de poder e charme para manipular e explorar. Além disso, a obra provoca uma discussão sobre a cultura do silêncio que envolve muitos casos de feminicídio, onde as vozes das vítimas e de suas famílias são frequentemente ignoradas ou silenciadas. A dor da personagem que perde uma amiga para a violência não é apenas uma tragédia pessoal, mas um reflexo da perda coletiva que a sociedade enfrenta. O filme convida o público a considerar não apenas os crimes cometidos, mas também as histórias não contadas e as vidas que foram interrompidas. Essa representação do feminicídio, aliada à maneira como o medo permeia o cotidiano das mulheres, sublinha a urgência de um diálogo mais aberto sobre a violência de gênero. Ao não mostrar a brutalidade de forma explícita, o filme nos obriga a confrontar a realidade sombria que muitas mulheres vivem e a questionar como a sociedade pode se tornar um espaço mais seguro e acolhedor para todas. Assim, A Garota da Vez (2024) se torna um importante catalisador para discutir a prevenção da violência e a necessidade de empoderar as vozes femininas em todas as esferas.

Garota da Vez se destaca como um thriller psicológico que, por meio da história real de Sheryl Bradshaw e Rodney Alcala, oferece uma reflexão profunda sobre as complexidades das relações humanas e a natureza insidiosa do mal. Com uma narrativa envolvente que mescla tensão e emoção, o filme desafia o público a confrontar a vulnerabilidade das mulheres e os perigos ocultos que podem se esconder nas interações cotidianas. Estou ansioso para ver o que Anna Kendrick nos reserva em sua próxima produção como diretora.

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