Crítica escrita por Janaina Schequenne para a Maratona Adrenalina Pura.
Atenção: a crítica contém spoilers significativos da trama.
Parte sem spoilers:
A curadoria do streaming Adrenalina Pura realmente pode surpreender. Até o Limite (2022) é um longa para quem gosta de ação e humor, dois gêneros que geralmente não se encontram de maneira equilibrada como nesse filme. Em On The Line, título original, Mel Gibson interpreta o personagem Elvis, um radialista famoso que apresenta um programa de ligações ao vivo, mas é surpreendido por uma ligação assustadora, na qual um homem movido pela vingança ameaça matar sua esposa e sua filha em sua casa.
O filme começa dividindo o público em relação aos seus sentimentos pelo protagonista, que é rude, mal-educado e convencido, mas cheio de carisma. O nível de tensão vai se elevando, mesmo antes dele entrar em contato com o sequestrador. Quando a ligação acontece, apesar de o personagem ser meio bronco, entendemos a situação complicada pela qual está passando ao ser ameaçado ao vivo em seu programa de rádio. Seu carisma faz com que não o odiemos a ponto de desejar que algo tão horrível lhe aconteça. Essa empatia é essencial para que o filme consiga convencer o espectador a torcer por esse personagem, já que, pelo grande peso dramático que ele tem, o público precisa estar engajado e torcer para que tudo dê certo para ele.
A apresentação dos outros personagens — e são muitos — é excelente. Não fica a sensação de que era preciso saber algo a mais ou a menos sobre eles, seja antes ou depois do plot twist. A forma como são apresentados dentro da dinâmica de trabalho é uma escolha muito acertada do roteiro, colocando as pessoas certas nos momentos certos.
Até o Limite inicia com um uso interessante do humor, que quebra alguns clichês da ação; e, para quem gosta do gênero, pode até trazer um tom de crítica. Há uma cena em que Elvis e Dylan, o novo estagiário, estão discutindo nas escadas, procurando mais uma das pistas que o sequestrador afirma estar no prédio. Em um momento, Dylan faz o personagem Elvis parar com suas mirabolâncias corajosas e diz não ter coragem para fazer algo que arrisque sua vida, sugerindo que deveriam pensar antes de simplesmente agir, já que o plano de seu colega não seria bem-sucedido. Essa cena quebra um clichê da ação, que é a força do protagonismo, um artifício usado para tirar protagonistas de situações complicadas com ações que jamais seriam críveis e que só existem em filmes.
Tecnicamente, o filme usa suas ferramentas a seu favor. Após o plot twist isso fica ainda mais evidente. As primeiras cenas de um filme sempre chamam a atenção, porque é nesse primeiro contato que o espectador é preparado para entrar em um certo tom, em uma atmosfera, sendo a primeira janela para esse universo, o primeiro contato.
Sonoramente, Até o Limite se sai muito bem. A montagem brinca com a imagem e o som na tela, e isso traz uma dinâmica interessante para o filme. Em uma cena, o personagem está negociando com o sequestrador e fala com ele por meio de seu microfone no estúdio; a montagem corta para a imagem de um aparelho de rádio ligado, e o som é modificado para apresentar essa conversa saindo daquele aparelho. Há uma riqueza no uso desse artifício, criando, em uma ambientação limitada e restrita, uma dinâmica inteligente, com a variedade de sons que ele oferece, já que essa é uma narrativa que se faz por esse meio. Isso também possibilita uma imersão para o espectador; é possível que alguns sequer percebam, atribuindo, à imagem, os sons aos quais já estão acostumados.
A direção não é inovadora, e a fotografia cumpre seu papel. Nem todo filme precisa inventar a roda, e nenhum filme deveria ter essa cobrança. Até o Limite é divertido, entretém e tem um suspense muito bem construído que prende. Sabe mesclar gêneros, trazendo um pouco de humor com tensão sem perder o ritmo. Seus personagens não são aprofundados; não se trata de um roteiro super crítico, mas sim de um filme que se propõe a ser o que é: uma boa obra de entretenimento. Por isso, são compreensíveis as opiniões divisivas; ele realmente termina deixando o público com uma sensação confusa. Assim, dá para entender que há uma certa decepção ou desagrado, mas esse é um bom filme; um filme para quem gosta de surpresas!
Parte com spoilers:
Até o Limite se transforma completamente quando conhecemos sua “virada”. Uma rápida pesquisa no Google revela que o filme gerou tantos elogios quanto críticas intensas, e, realmente, consegue provocar essas reações contrastantes. Embora as opiniões negativas sejam compreensíveis, é difícil concordar que o filme deveria se vender apenas pelo que é: uma grande pegadinha, tudo é apenas uma encenação para “recepcionar” o novo estagiário (Dylan), com aquele tom de “quem não sabe brincar não desce pro play”, ou “pede pra sair”. Mas ao fim da pegadinha, há um final fatal, Dylan cai e “morre”, o que faz Elvis sentir remorso de fazer pegadinhas tão pesadas. Mas como é o dia de seu aniversário, os colegas de trabalho resolvem fazer uma pegadinha com ele: ao final do dia simulam a morte de Dylan. Então, quando entra no carro para conversar com sua chefe após a grande tragédia, ele descobre que o motorista é Dylan.
Até o limite, afinal, é um ótimo filme de ação; se seu título e banner revelassem o desfecho, ele perderia todo o sentido. Desde a primeira cena, a câmera e o som nos enganam habilmente.
O humor está presente desde os primeiros minutos, preparando-nos para o verdadeiro tom do filme. O roteiro busca colocar o espectador na posição da vítima da pegadinha. Na cena inicial, onde há sangue no chão e a câmera parece desorientada, um homem implora para ser deixado em paz. Em seguida, uma figura desfocada aparece sentada, levando o público a associar imediatamente a situação a um refém ou a alguém em uma situação violenta.
Reassistir ao filme após conhecer o plot twist torna a experiência ainda mais rica, pois revela sinais e lacunas que passam despercebidos na primeira vez. Inicialmente, as personagens femininas podem parecer irritantemente superficiais; uma delas até fala gemendo ao longo do filme. No entanto, é difícil avaliá-los dessa maneira, já que os personagens são propositalmente exagerados, enquanto outros enganam perfeitamente com suas intenções.
Embora tudo não passe de uma grande “pegadinha”, o filme é divertido, e o plot twist não deveria causar tanta repulsa. Ele visa colocar o público na posição de quem está sendo enganado, logo algumas reações são fruto da frustração pelo filme não ser o que as pessoas esperam. Uma das características mais fascinantes do cinema é sua capacidade de evocar diversas reações e sentimentos. A frustração inicial é compreensível, mas, ao final, a surpresa é muito bem-vinda e habilmente construída. O filme não se sustenta apenas no plot twist; o mais interessante é descobrir que a intenção de seu roteiro sempre foi contar essa história fazendo com que o espectador participasse de toda essa grande brincadeira.
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Este texto foi escrito em parceria com o canal de streaming Adrenalina Pura, conhecido por sua curadoria de filmes de ação, catástrofe, terror e suspense. Até o Limite é um dos lançamentos de setembro no canal. Entre títulos originais e grandes produções protagonizadas por astros de Hollywood, o Adrenalina Pura tem um catálogo vasto, que conta com quase 400 produções. O canal de streaming está disponível na Prime Video Channels, Apple TV e Claro TV+.