Ao som de “Cinderella Snapped”, cantada pela artista Jax, a premissa do filme é apresentada. Claro, a clássica história da gata borralheira que é maltratada por sua madrasta e irmãs malvadas, vai ao baile escondido graças a magia da fada madrinha, além de perder seu sapato após uma noite fabulosa com o príncipe é conhecida por todo mundo. Contudo, junto à música e ao próprio título, temos a subversão do longa. Nessa história, após o pai da personagem ser morto por uma conspiração da Madrasta (Stephanie Lodge) envolvendo jóias roubadas do Rei, Cinderela (Lauren Staerck) é deixada à mercê e aos famosos abusos psicológicos já tão retratados na obra, mas também a açoites e violência por parte das mulheres. O típico convite para o baile chega, Cinderela comparece, mas é punida pela Madrasta ao comparecer — pela primeira vez vi uma adaptação do conto em que todos perceberam que ela não estava tão irreconhecível assim. Por fim, após anos de humilhações, a mocinha implora ajuda à Fada Madrinha (Natasha Henstridge) e é surpreendida pela resposta “você deveria puni-las”. Infelizmente, gostaria que meu resumo fosse tão empolgante quanto o potencial do projeto.

Realizado pela Sobini Films, produtora independente de Los Angeles, e direção de Andy Edwards, a princípio a experiência convida o espectador a olhar o famoso conto por um viés violento, assustador e, é claro, divertido, principalmente se considerarmos o histórico da produtora e do diretor em terrores de baixo orçamento. Entretanto, a maior falha é não se permitir dar esse gosto durante suas poucas 1h e 20 min de projeção, até porque o longa poderia pular para parte que é vendida, mas ainda escolhe nos prender na mesma história que todos já vimos. É até cômico pensar que a música de Jax — que nem foi gravada para o filme, consegue resumir em 2 min toda história que eles continuam tentando contar quase 1h depois.
Quero dizer, há sim sequências que visam mostrar a carnificina da Princesa e, quando chegam, entregam certo entretenimento. A interessante fotografia noturna, seguida de um ou outro curioso enquadramento e construção de tensão pela forte trilha sonora, propõe trazer um lado mais assustador e até mesmo satírico à história. Além disso, não se levar a sério é um bom artifício para desmascarar a narrativa clássica. Com isso, as cenas envolvendo a atriz Natasha Henstridge se concretizam como as melhores do longa, seja pelo seu natural carisma, pela quebra da quarta parede, ou até mesmo pelas piadas mais aleatórias que podem fazer o espectador sorrir — a suspensão da descrença envolvendo piadas com celebridades como Tom Ford e Elon Musk são aleatoriamente engraçadas. Todavia, as cenas ao dia, que parecem ser borradas de propósito pela fotografia de Liam Hejsak (visando dar ao projeto um tom de época ou fantasioso), já prenunciam a descontinuidade que a montagem de Sean Cain apresenta. Embora a história seja recontada novamente, há uma pressa para que isso aconteça, causando estranhamento entre os cortes de cena, afinal, elas parecem não ter coesão. Ademais, as transições ficam muito “episódicas” e, reforçadas por esses diversos elementos citados, dão a impressão de estarmos vendo uma grande série picotada para o cinema.
Recapitulando, a violência gráfica, quando aparece, convence pela artificialidade e criatividade para algumas mortes, inclusive, duas mortes no ato final, que nos lembram que estamos assistindo um terror para maiores. Contudo, nos questionamos se estamos mesmo vendo um projeto de classificação +18 pelas possibilidades que poderiam ser maiores mostradas. Staerck entrega uma boa dualidade entre a bondade e a insanidade da Cinderela, mas o filme perde mais tempo tentando nos convencer da ingenuidade da moça do que de sua capacidade ser uma assassina, sabotando e até subestimando a atriz. Sua capacidade de matar as pessoas ao redor acontece quando a própria Fada Madrinha a dá uma máscara que tem o poder de aumentar os estímulos do portador, uma boa referência ao slasher, que acaba sendo homenageando ao decorrer da obra pelas suas mortes, subvertendo os originais vilões da história à mocinhos em perigo.

Novamente, a suspensão da descrença mescla uma história que combina elementos de época, mas também uma metalinguagem com o atual, fazendo a protagonista chegar ao baile de carro, ou falas sobre jeans, etc., tentando aproximar o design de produção que não é tão eficiente. Essa parte consegue construir uma estética que poderia ser melhor explorada caso combinasse com as piadas bobas e as cenas violentas do filme, aproximando-as numa linguagem que pudesse ir do exagero ao absurdo para quem assiste. Todavia, ele ainda se força a ser um drama que repete, porém com menos personalidade, a clássica história da menina que é refém da madrasta e irmãs, só que de uma maneira menos conexa e sentimental pela sua montagem apressada.
Sendo assim, longe de uma lógica de grandes estúdios, A Vingança de Cinderela ainda continua engessado e artificial para sua proposta de desobediência de um conto clássico. A artificialidade pode ser encarada em diversos elementos no cinema, geralmente ligada ao empobrecimento do filme (até pela falta de recursos se pensarmos em pequenas produtoras), mas, nesse caso, limitando-se pelo próprio orçamento e também pela criatividade ao inovar. Apresentando uma versão da gata borralheira que decide assumir um espírito de revanche, ao mesmo tempo que flerta com o slasher barato, carregada de piadas estúpidas ditas por uma figura mágica que deveria demonstrar serenidade e paixão, temos uma artificialidade criativa e interessante. Ainda teríamos problemas de continuidade e ritmo para o filme? Com certeza, mas certamente esses elementos teriam muito mais espaço para brilhar em um pequeno tempo onde que o espectador é convidado a assistir a esse terror barato, que acaba se sabotando ao se levar a sério demais.
A Vingança de Cinderela estreia 05 de Setembro nos cinemas.