Crítica escrita por Matheus Candeia Bonomo.
Atenção: esta crítica contém spoilers significativos da trama.
Sinopse: No terror LONGLEGS – VÍNCULO MORTAL, a agente do FBI Lee Harker (Maika Monroe) é designada para um caso envolvendo um serial killer impiedoso que se autointitula LONGLEGS (Nicolas Cage). O assassino costuma deixar pistas com símbolos nas cenas do crime que apenas a agente é capaz de decifrar. A investigação toma rumos inesperados, enquanto Harker descobre uma conexão macabra com o assassino.
Vira e mexe, somos bombardeados com alguma notícia terrível onde uma pessoa mata os membros da própria família — e, provavelmente, você já se perguntou o que levaria alguém a cometer ato tão atroz. O diretor Osgood Perkins, pelo menos, parece ter pensado nisso e criou um verdadeiro bicho-papão, interpretado por Nicolas Cage, por trás de alguns desses casos na forma do serial killer Longlegs. Sem sinais de invasão, o crime ocorre e Longlegs deixa uma carta criptografada. O que ele faz para que as pessoas cometam atrocidades é o grande mistério do filme. O FBI designa, então, a agente Harker e sua misteriosa (quase) vidência para resolver o caso. É aí que as coisas ficam um pouco mais complicadas.
Veja, o filme abre muito bem com um trecho da letra de uma canção do artista T. Rex, que Longlegs parece adorar, e uma cena absurdamente tensa e assustadora com o assassino em série que dá título ao longa. Nicolas Cage, mesmo mal aparecendo na cena dele junto a uma pequena criança, está tão tenebroso quanto espetacular no papel. A decisão de esconder seu rosto o máximo de tempo possível, apesar do incrível trabalho da arte em caracterizar e transformar o ator, merece todas as congratulações possíveis. Sempre que achamos que vamos vê-lo um pouco melhor, muda-se o ângulo. Longlegs se torna uma figura perturbadora e doentia que esgueira-se pelas cenas, fazendo-nos questionar a segurança de todos com quem ele interage.
No entanto, é na interação entre ele e a detetive que encontramos o maior problema do filme. Maika Monroe faz um bom trabalho como a protagonista Lee Harker, no entanto, os elementos centrais que desenrolam o mistério — a estranha vidência da personagem, que adivinhou, sem nenhuma dica, o esconderijo de um assassino, e a sua misteriosa conexão com o próprio Longlegs — não funcionam bem. Na verdade, quanto mais penso nisso menos o filme me agrada. Ele, durante a sua duração, afasta-se do gênero do suspense/terror psicológico de filmes como O Silêncio dos Inocentes (1991) (a imagem de uma jovem agente do FBI perseguindo um serial killer gera uma associação quase que inevitável) e se compromete cada vez mais com o horror satânico. E, até aí, tudo bem. Inclusive, a mudança gera momentos bastante tensos, que realmente enchem o espectador do mais puro medo, porém faz com que a vidência da personagem não faça sentido. Se suas habilidades de “intuição” vêm de sua conexão com o demônio, guiando-a através de sensações e sussurros, por que ele colocaria Lee no caminho da lei? Por que a ajudaria a ser uma agente do FBI que, no fim, termina por prender sua dupla de seguidores que tem e planeja parar de lhe render almas? Nem Longlegs nem a mãe da protagonista, que auxilia o assassino para evitar que a alma da filha vá para o inferno, tem qualquer intenção de parar sua cruzada satânica. Se o desejo de Satã é o de coletar as almas das vítimas, não teria sido melhor ele influenciar Lee para qualquer outra carreira? O desvio para o satânico gera imagens tenebrosas, como as bonecas por trás dos assassinatos com seus olhos amarelos cobertos pelo pano preto e as próprias mortes em si, mas faz com que o trabalho de “marionetista” exercido pelo diabo não tenha o menor sentido para os objetivos dele mesmo. Outro ponto de desapontamento é essa revelação final sobre a mãe de Lee. Sinto que Perkins esperava que ela atingisse o espectador como um trem, mas ela não tem essa força toda. Seja pela ausência de outros suspeitos válidos ou pelo fato de quase todo mundo agir de forma estranha, a revelação apenas acontece — rende cenas tensas, ainda assim.
No entanto, repito: esse filme é perfeitamente capaz quando se trata de construir tensão e horror. Tanto que esse ponto negativo só me veio depois de refletir algumas vezes sobre a obra após o seu fim. Durante a exibição, confesso que não consegui fazer muitas anotações por estar ou encolhido de nervoso ou na beira do assento. Para além de flashes e inserts que rapidamente aparecem combinados com um som desconfortável, a fotografia e o senso de espaço são usados com maestria na construção do horror. Enquadrando desde espaços abertos a casas apertadas e frias, o perigo parece poder vir de quase todos os lugares. Quando os espaços são abertos, Perkins nos coloca em um jogo doentio de Onde está Wally?, no qual constantemente procuramos, na imagem, de onde virá o perigo. No meio da imensidão, existe um pequeno elemento que se esconde, vigia ou escapa, nos obrigando, como espectadores, a participar ativamente da busca por Longlegs. Já quando opera com espaços claustrofóbicos, o diretor, muito sabiamente, entende que é mais efetivo explorar esse espaço com calma. Tanto protagonista quanto câmera atravessam esses locais com paciência, revelando-os pedaço a pedaço e, como consequência, construindo tensão. Ao mesmo tempo que se quer saber o que teremos no próximo cômodo ou canto, temos certeza que será perturbador, como tudo em torno do personagem de Nicolas Cage tem sido. Darei destaque a uma composição simples, mas que, até agora, me aterroriza: um personagem secundário conversa em uma sala com outras duas pessoas. Atrás dele, uma televisão de tubo com a imagem pausada de Longlegs cantando em close-up. Só. A todo instante eu sentia que, de alguma forma, Longlegs atacaria pela TV.
Outro ponto técnico que devo destacar é o ótimo uso do aspect ratio. Por exemplo, em flashbacks que mostram os crimes ocorridos, a tela comprime suas dimensões laterais, saindo de 2.39:1 para 1.33:1, e gera uma imagem claustrofóbica do horrível. Com as bordas arredondadas dos flashbacks parece que somos colocados frente a uma projeção de slides, um registro de memória das famílias, ao mesmo tempo que a janela mais fechada nos prende junto ao horror. Simplesmente não se dá ao espectador (e às vítimas) uma chance de fugir.
Em resumo, Longlegs é um filme de horror que flerta com o psicológico, abraça o satânico, te aterroriza com visuais e um vilão aterradores, mas peca com um roteiro com buracos preocupantes. Definitivamente assustador, se é uma experiência tensa que se busca, o filme é ótimo. Contudo, ele realmente se perde com algumas revelações de sua trama que, apesar de permitirem muito boas cenas de horror satânico, como o “como” os assassinatos acontecem, também cria situações que não têm muito sentido, infelizmente. Dito isso, repito novamente: Nicolas Cage está incrível aqui e, por si só, vale o ingresso. Comemorei muito por não ter sonhado com ele nessas últimas noites — verdadeiramente assustador.