Crítica escrita por Ernesto Loaiza.

Sinopse: Um jovem cineasta que visita sua cidade natal é surpreendido pelo rápido avanço da pandemia e precisa encontrar seu pai, com quem não fala há mais de dez anos. Depois do primeiro encontro, coisas estranhas começam a acontecer.

Nem sempre uma relação entre pai e filho é a ideal — e isso vale para ambas as partes. Afinal de contas, ainda que sejam ligados por sangue, são pessoas distintas e, como tais, têm de aprender a lidar com as diferenças por muitos anos. Ainda assim, a presença de um pai na vida do filho é profunda e pode perdurar até após a morte — e a própria morte do pai é capaz de ressignificar todas as memórias do filho. É por meio dessa presença que Guto Parente dirige Estranho Caminho (2023), um dos filmes mais sensíveis dos últimos anos, com impressionante capacidade audiovisual.

No filme, acompanhamos David, um jovem que, ao visitar a casa de seu pai, com quem não fala há mais de dez anos, é surpreendido pelo rápido avanço da pandemia. O primeiro contato não é lá dos melhores: o filho pergunta se pode dormir em sua casa, já que sua passagem de volta a Portugal foi adiada indefinidamente, e o pai é ríspido, não o convida a ficar, pois diz que anda muito ocupado. Somente após David ser roubado e expulso da hospedagem, que fechou devido à COVID-19, que seu pai o deixa ficar, mas em silêncio e sem se meter em sua vida. É nesse contexto que se encontra o cerne do filme, no silêncio das palavras paternais não ditas, da comunicação impossível. Assim, todas as discussões irrompem dessa barreira entre os dois, até que, quando começam a aparecer vislumbres de afeto, uma tosse constante põe em risco a vida do pai — e traz a possibilidade do silêncio eterno. 

Além da trama, é preciso ressaltar o impressionante trabalho técnico realizado aqui. A começar pelo belíssimo cartaz, ilustrado pela também diretora de arte Taís Augusto, que apresenta detalhes da paisagem de Fortaleza, tanto de dia, com um recorte do edifício iluminado onde mora o pai, quanto de noite, com a ilustração de uma rua sombria por onde vagueia David. Ademais, a porta azul misteriosa, presente desde o início do filme, atravessa o cartaz e enquadra o protagonista, como se submergido em sentimentos soturnos. Essa presença do azul é reflexo direto do trabalho da direção de arte e da fotografia, assinada por Linga Acácio, que realçam tanto o teor lúgubre da trama quanto as particularidades oníricas da jornada emocional de David. Além disso, no que tange o som do filme, o desenho de som ameaçador e pesaroso de Lucas Coelho e Paulo Gama, junto da trilha musical original experimental e dissonante de Uirá dos Reis e Fafá Nascimento, traz mais intensidade àquilo que já era pesaroso por meio da sonoridade grave e ecoante — a cena do saxofone é de estremecer.

Estranho Caminho é um trabalho de proeza artística notável, pois Guto Parente orquestra essas diferentes áreas do cinema com esmero, buscando extrair o máximo de potência do texto de maneira criativa. Isso faz com que todo o processo de cura do protagonista, essa reaproximação com seu pai, seja não apenas comovente de se acompanhar, como também rico enquanto experiência audiovisual. Aliás, assisti ao filme com meu pai e não pude deixar de lembrar de suas manias e nossas desavenças, mas, principalmente no final, o filme faz questão de renovar o laço intenso que existe entre pai e filho — laço esse que, por vezes, pode até estar perdido no caminho, mas sua presença é eterna.

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