Crítica escrita por Janaina Schequenne.

Lucas Guadagnino é um diretor, produtor italiano e cineasta diplomado em história do cinema. Conhecido por suas obras Suspiria (2018) e Me Chame Pelo Seu Nome (2017). Ele demonstra ter uma forte influência de Pedro Almodóvar: seus filmes tem roteiros dramáticos, cores vivas, uma composição artística bem específica do figurino aos objetos de cena, geralmente com temáticas que falam sobre desejo e, por fim, é comum haver algo ligado ou relacionado à sexualidade – pode-se dizer até em um sentido um pouco freudiano.

Rivais (Challengers), estrelado por Zendaya, que novamente mostra ser excepcional no que faz, conta a história de um jogo decisivo para três pessoas que vivem um triângulo amoroso, são eles: os jogadores (Art e Patrick) em quadra e a esposa de um deles (Tashi). Basicamente, o filme mostra o desenrolar da relação entre essas três pessoas até esse ponto – o dia do desafio – no qual eles disputam quem irá vencer “na vida”. 

O filme pode confundir o espectador com sua linha do tempo cheia de flashbacks, porque não deixa claro se os saltos temporais são em relação ao desafio (tempo presente) ou em relação a outros momentos da história desses personagens. Por exemplo: vê-se uma cena do desafio, em seguida aparece uma cartela com uma contagem de salto no tempo. Em seguida, a próxima cena também é um salto no tempo, com uma nova contagem. Isso acaba confundindo o espectador, porque a falta de uma cena do tempo presente entre as cenas que “saltam” no tempo ou a falta de colocar na cartela que são “dois anos antes do desafio”, podem deixar o espectador confuso. Afinal, seria esse um salto no tempo em referência ao flashback ou ao desafio que acontece no tempo presente do filme? Embora essa confusão possa acontecer, a temporalidade fica bem clara ao longo da história, só exige um pouco mais de atenção do espectador.

Fora essa questão, a câmera, a trilha sonora e a montagem se mostram as melhores amigas do ritmo. Há uma capacidade de saber usar o tempo de tela: de acelerar onde é necessário e de deixar lento aquilo que precisa de dramaticidade, saberes que somente projetos que trabalham com tal apuro técnico sabem executar tão bem, tirando o melhor das atuações.

A fotografia do filme é inteligente e inquieta. Os movimentos de câmeras são criativos e empolgam qualquer amante do cinema. Há uma especial sabedoria nos movimentos de câmera. Fazer uma cena em que a câmera é a bola durante o jogo ou então filmar a quadra debaixo pra cima – enquanto vemos as silhuetas dos grandes jogadores durante o desafio – evidencia o trabalho cuidadoso de pensar o que se vê na tela, de transmitir algo sofisticado aos olhos do espectador. Ou seja, é inteligente porque sabe realizar imagens capazes de provocar sensações que engajam o espectador. Ademais, sobre a inquietude, a câmera não fica muito tempo parada. Os cortes são precisos e quando tudo isso se acalma é porque precisa ser dramático, exagerado em slow motion – e claro, sem ser cafona como Zack Snyder. A todo tempo a câmera quer enfatizar emoções, quer dar a intensidade precisa que as atuações entregam. Esse filme mostra saber explorar isso da mesma forma que o melodrama. Rivais, é um longa que poderia ser chamado de um melodrama contemporâneo. 

Falando em breguice, diferente do melodrama clássico, esse filme pode ser tudo menos brega. Pode ter momentos de vergonha alheia e ser engraçado, mas é tão sofisticado, jovial, sem ser raso e forçado. A trilha sonora do filme deixa tudo ainda mais elegante e glamoroso quando precisa ser. Vê-se o bom uso da música eletrônica, isto é, a coincidência de vários sons e de pontos de clímax da música que combinam muito bem com a intensidade da cena e a quantidade de movimentos em tela.  O som está claramente em função de deixar tudo mais tenso, sexy e angustiante. Há pequenos detalhes que valem a atenção, como o som do mar durante o flerte, que traz a ideia de uma sereia que encanta dois homens e o som dos saltos de Tashi que indicam que ela está por ali, são sonoridades que se destacam e possuem subtextos (juventude/encantamento e maioridade/mulher de negócios). A tensão não é apenas sonora, é também visual. Não se resume apenas a mise-en-scène, há rápidos movimentos de câmera, o enquadramento põe foco em detalhes importantes que enriquecem essa narrativa. A forma como são bem executados os planos detalhe (no sinal da raquete), os tipos de enquadramento (na cena em que Tashi pega o papel) e os movimentos de câmera (zoom-in com foco no rosto de Zendaya, que reforça seu desconforto) enriquecem a narrativa e colocam camadas que tornam a experiência do espectador mais rica. 

Os elementos principais da composição artística dos personagens como cabelo, maquiagem e figurino são singelos, mas impressionantes, porque são capazes de rejuvenescer muito os atores nesse filme, especialmente, em relação ao personagem Art (Mike Faist). O trabalho é tão bem feito que dá pra se perguntar, se aquele é o mesmo ator ou outro ator mais novo. 

A atuação de Zendaya, de fato, faz o filme muito melhor. Sem ela não seria o mesmo: a personagem Tashi preenche a tela, ocupando o espaço que ocupa na vida desses dois homens. Agindo como um homem agiria, de alguma forma esse filme inverte os papéis. Tashi é uma personagem forte que se interpretada por outra pessoa poderia parecer antipática e irritante, mas que – com o talento de Zendaya – é carismática, intrigante e maliciosa.

Patrick e Art, interpretados por Josh O’Connor e Mike Faist, também estão excelentes.Não se comparam a Zendaya, mas, ambos provocam muitas dúvidas e isso se dá graças a ótimas atuações dos atores. Afinal qual deles é um amigo ruim? Ou os dois são iguais? Quem está errado nessa situação? O filme faz cada um dos personagens ter ações ambíguas que fazem o espectador se perguntar se o vilão é quem realmente merecia tudo que está passando ou se mocinho é realmente tão bonzinho assim.

O ponto trazido no parágrafo anterior, mostra a capacidade de um bom roteiro: não é uma obra maniqueísta; os diálogos e situações constroem situações que geram incerteza sobre os personagens; há uma personagem feminina complexa e bem construída; até os sofisticados movimentos de câmera são mais do que uma preciosidade com a imagem, propõem-se a construir uma tensão audaz. Este é um roteiro riquíssimo, realizado por quem sabe explorá-lo com imagens, sons e movimentos; provavelmente, o sonho de qualquer roteirista. 

É intrigante a relação entre os personagens principais e não seria exagero dizer que esse filme sabe equilibrar o tempo de tela dos personagens, isso significa que o roteiro e a direção se preocuparam em dar a esses personagens o devido desenvolvimento. Assim, a cama de gato que se constrói sobre essa relação se torna muito interessante e mais envolvente. Aliás, o espectador é testemunha dessa história e quer saber tudo que vai acontecer – como uma fofoca sendo bem contada – porém, de maneira agridoce, porque o final pode agradar ou desagradar.

Rivais (Challengers) também está relacionado ao tênis, mas o importante são as relações que se criam a partir dele. O que faz um ambiente, esporte, família, trabalho ou a vida ser melhor ou pior são as pessoas. Não dá pra amar algo ou alguém que faz mal ou te torna uma pessoa pior, não importa amar muito algo que não faz bem e/ou prejudica a quem está por perto. São as relações que constroem eventos realmente relevantes e o quanto essas relações são confiáveis, respeitosas e queridas? Se o amor é verdadeiro? Se a amizade é real? Se há respeito? E quais os limites disso? Isso é um teste que só o tempo e as atitudes podem responder. 

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