Crítica escrita por Ernesto Loaiza.

Sinopse: Desde o reinado de César, quando os primatas conquistaram a paz, muitos anos se passaram e tudo parecia calmo. Até o momento em que um jovem e curioso chimpanzé mergulha em uma jornada reveladora, que irá revolucionar tudo o que foi aprendido. É quando chegará o momento das escolhas que irão definir o futuro dos macacos e da humanidade, até então relegada a uma vida isolada e selvagem.

Gerações se passaram após a épica história de César, um macaco nascido na Gen-Sys, laboratório farmacêutico, que se rebela contra a opressão humana e lidera os macacos em busca de um lar, enquanto a humanidade definha por uma pandemia viral, ocasionada pelo laboratório em questão. De heroi à lenda, alguns macacos continuaram contando a origem do estado mundial no qual se encontram, outros assimilaram as chamadas Leis de César (“Macacos juntos, fortes” e “Macaco não mata macaco”), outros as desvirtuaram, e há aqueles que se desvencilharam dessa doutrina e estabeleceram novas culturas, únicas, a partir de suas descobertas nesta nova ordem mundial. Este é o contexto no qual somos inseridos em Planeta dos Macacos: O Reinado (2024), que mantém a tradição de trabalhar temas pertinentes à humanidade, claro, em caráter distópico, ainda que com menos inspiração audiovisual que seus predecessores.

De início, o filme é bem protocolar no estabelecimento desse novo mundo. Aqui, é apresentada toda a organização social do Clã das Águias a partir do ponto de vista de Noa, filho do Mestre das Águias, o líder de seu clã, seguindo à risca toda aquela estrutura típica de introdução à fantasia: sequências divertidas, como a em que Noa e suas amigas vão atrás de ninhos de águias para escolher um ovo, do qual nascerá a águia-companheira de cada um; apresentação do líder, que também é pai de Noa, acompanhada de uma demonstração de sua sabedoria, em contraste com a ingenuidade do protagonista; exposição das regras básicas daquela sociedade, como não cruzar o misterioso Vale-Além; e, é claro, o “até que…” necessário para a condução da história. Note que tais características gerais são recorrentes ao longo da história, não só do cinema, como também da literatura, e não são demérito por si só. Contudo, na falta de alguma novidade nesses pilares narrativos, o fato do estilo visual e sonoro ser meramente funcional agrava essa experiência inicial, que é evidentemente pouco inspirada. Por exemplo, o cenário pós-apocalíptico, presente no pôster do filme, é apenas mais um exemplo genérico do tropo da força da natureza sobre a Terra, mas que não passa de pano de fundo.

Apesar disso, é interessante a ideia do roteirista Josh Friedman em estabelecer uma cultura especial a esse clã, consolidada no mutualismo entre as espécies, chimpanzés e águias. A paz provém desse ecossistema sustentável construído por gerações e gerações, semelhante às organizações de comunidades nativas (até o figurino e as pinturas corporais deste grupo de símios refletem isso). O que, não por acaso, nos leva ao antagonista deste filme, Proximus, líder bonobo autoproclamado de um reinado em ascenção, e suas conquistas de povos menores por meio da violência e da destruição. O ditador envia uma horda de macacos, com tochas e bastões elétricos, à caça de uma humana específica que é “mais inteligente” que os demais, haja vista que a maior parte da humanidade perdeu sua capacidade de fala e, principalmente, a cognitiva, fazendo-se assemelhar a animais irracionais. Quando essa horda finalmente chega no Clã das Águias, depois de atear fogo em tudo e tornar toda a população prisioneira, o general Sylva, gorila intimidador, grita: “por César!”, e nós, como espectadores que assistimos e nos emocionamos com toda a trajetória de César na última trilogia, ficamos estupefatos.

Antes de continuar, permita-me abrir um parêntesis para reforçar o quanto os paralelos com a humanidade são essenciais para a franquia Planeta dos Macacos, e que costumam, também, como boas distopias, retratar discussões sócio-políticas relevantes à época na qual o filme é lançado. Em Planeta dos Macacos (1968), o tema central da obra é o embate entre o evolucionismo e o criacionismo, assunto de polarização acentuada nos anos 60; à cargo de Rupert Wyatt, Planeta dos Macacos: A Origem (2011) abordou temas como a violência contra os animais, assunto em alta na transição para a década de 2010, e já apresenta um pouco do temor global de epidemias em larga escala; já os filmes de Matt Reeves, Planeta dos Macacos: O Confronto (2014) e Planeta dos Macacos: A Guerra (2017) abordam ódio e terrorismo em plenas discussões geopolíticas sobre as invasões estadunidenses, conflitos no Oriente Médio e afins. Por fim, em Planeta dos Macacos: O Reinado, no instante em que a horda aparece à noite, claramente hostil, fica nítida a representação do embate entre uma sociedade ideal para o que se busca da filosofia do bem viver e outra pautada no belicismo, assunto também bastante discutido no cenário contemporâneo.

Voltando à trama, após essa horda invadir o Clã das Águias, levar toda população como prisioneira, exceto Noa, que foi dado como morto, o protagonista encontra a tal humana que Proximus procura, chamada Mae, e, mais tarde, ambos são capturados e levados até o reinado de Proximus. No meio do caminho, Noa conhece Raka, um orangotango preocupado com o registro da História dos macacos, especialmente a de César, já que diz fazer parte da chamada Ordem de César, uma tentativa de manter o registro histórico sobre a figura lendária. Raka passa a Noa o conhecimento sobre César, especialmente a compaixão, por meio da relação que eles constroem com Mae, aquela humana perseguida por Proximus. No começo, Mae mostra-se como uma humana selvagem, mas logo revela que, na verdade, ela assume esse papel para sua própria proteção. Enfim, perguntado da razão pela qual o general Sylva disse “por César!” na invasão ao Clã das Águias, Raka prontamente responde que Proximus distorceu as palavras originais de César. Daí sai mais um paralelo com a humanidade, a distorção da verdade. Para Proximus, só importa “Macacos juntos, fortes” para justificar a edificação de seu reinado, a dizimação de culturas e, principalmente, a extinção dos seres humanos, e, por isso, mancha o legado de César ao entoá-lo como grito de guerra.

Aliás, o roteiro é sábio em trabalhar de maneira impressionante essa personalidade descarada de Proximus sem que pareça artificial, porque suas questões filosóficas são interessantes, erguem o filme neste 2º ato, e isso se dá também junto do exímio trabalho de captura de movimentos faciais desse personagem – de todos, sim, mas principalmente de Proximus. Perpetuando os medos de Koba, némesis de César, não é de total reprovação um macaco querer garantir que os humanos não voltem ao status de dominância. Além disso, mesmo que sejam parecidas com a ira de Koba, as cenas potencializam-se pela expressividade de Proximus, os risos malignos, os olhares penetrantes, detalhes na face que são realmente um avanço impressionante em tecnologia. Por fim, Proximus diz duras verdades a Noa com relação à humanidade, que ele reluta em absorver pela confiança que construiu com Mae. Eles unem-se para enfrentar o imperador porque Noa quer libertar seu clã e Mae quer recuperar a tecnologia dentro de um forte dentro de uma montanha, mas, como era de se esperar, Mae é ressentida com o estado do planeta atual, e quer, justamente, essa tecnologia escondida para dar esperança à humanidade de se reerguer, ou seja, tomar o poder. A fratura se dá aí, e a sequência final indica que a relação dos dois ainda dará muito pano para a manga.

Todavia, ainda que esses embates sejam interessantes, toda a estrutura narrativa é bastante convencional e, principalmente, o estilo do filme não tem destaque algum, as qualidades relevantes do filme ficam relegadas ao texto, nada mais. A resolução do filme é extremamente simples, bem aquele mesmo plano de sempre para derrotar o vilão – até o grande momento de Noa é ofuscado pela completa previsibilidade do que acontecerá na cena, no instante em que ela começa. Não há vigor na tensão, nem esplendor no visual, o que, tratando-se de uma franquia com dois filmes dirigidos por Matt Reeves, que fazia sequências surpreendentes com direção de cair o queixo (basta lembrar do plano-sequência de Koba no tanque de guerra, do assassinato da família de César, de César levando a flechada na base militar, e a lista pode continuar…), isso torna-se um problema. Até a relação entre Noa e Mae, por maior potencial que tenha para os futuros filmes, perde brilho perto do carisma de Proximus.

Planeta dos Macacos: O Reinado segue com muita cautela a estrutura de soft-reboots, a apresentação do novo cenário é calculada até demais, tem poucas experimentações e aposta na cadência familiar, mas introduz muito bem novos temas à franquia, que rendem boas discussões do nosso tempo atual, e consegue estabelecer uma base viável para que os próximos filmes, aí sim, deslanchem. Tal qual a cena em que Noa e Mae observam, juntos, um telescópio, este filme, dirigido por Wes Ball, ainda está por descobrir a distância entre a terra firme e as estrelas, mas acredito que, uma vez que liberto dos protocolos de início de uma trilogia, poderemos, enfim, ir de corpo e alma, novamente, a este fascinante planeta dos macacos.

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