Crítica escrita por Janaina Schequenne.

E se uma guerra acontecesse agora? E se o país fosse dividido em dois lados? O que você faria? Teria a frieza de pegar uma câmera para documentar tudo? Dar a sua vida por isso? Todos esses fatores compõem o cenário de Guerra Civil (2024), filme da A24, dirigido por Alex Garland.

Alex Garland, que já anunciou não ter intenção de dirigir novamente, após o lançamento desse filme; em resumo, devido a pressão do dinheiro e ao ambiente nocivo ou “tóxico” dos sets de filmagem, mas pretende continuar a trabalhar como roteirista. Garland dirigiu outros dois filmes que ganharam popularidade, Ex-Machina (2014) e Aniquilação (2018). Sua filmografia, geralmente, segue os gêneros de filme apocalíptico e/ou ficção científica, juntamente à uma crítica social e/ou  existencialista. 

Em um futuro distópico (e talvez não tão distante da realidade), os Estados Unidos foram divididos em dois lados, numa guerra entre o Governo dos Estados Unidos e as forças separatistas, denominadas Forças Ocidentais e Aliança da Flórida. Guerra Civil é um road movie (filme de estrada) sobre quatro repórteres que estão tentando chegar ao outro lado do território estadunidense, na intenção de realizar a última entrevista do presidente dos EUA, o líder do poder ao oeste do país, que está prestes a cair. 

O longa faz uma crítica à polarização nos EUA. Talvez, uma hipotética realidade na qual Trump teria ganhado e realizado todas suas façanhas, junto aos seus apoiadores mais violentos, o que seria uma versão mais extrema e ainda maior do que ocorreu na invasão do Capitólio em 2021, principalmente pelo caráter nacionalista e extremista de algumas personagens que representam o lado Oeste, e por diálogos que atravessam questões como xenofobia, principalmente, a sinofobia. A câmera busca colocar o espectador na pele dos jornalistas – Jessie (Caliee Spaeny), Joel (Wagner Moura), Lee (Kirsten Dust) e Sammy (Stephen Henderson) – alternando entre imagens das câmeras em primeira pessoa e imagens em terceira pessoa acompanhando os personagens em meio ao fogo cruzado. O filme respeita a inteligência do espectador, não sendo extremamente didático e exigindo um olhar ativo, ao mesmo tempo que não o poupa de imagens duras e viscerais.

O roteiro é inteligente o suficiente para contar tudo que acontece naquele contexto político, sem necessariamente abrir um mapa e desenhar, mas a compreensão disso exige um pouco de atenção, já que o filme parece dialogar melhor e mais facilmente com aqueles que conhecem o território americano. O espectador entende parte do que está acontecendo aos poucos, sem que seja preciso explicar as origens, os conflitos, os grupos políticos. Existe um conflito, e a história desses personagens nesse momento específico é o que interessa. Porém, é possível entender a complexidade política do que ocorre através dos discursos dos personagens – como o personagem interpretado por Jesse Plemons -,  que explicam as questões políticas por meio de suas ações e seus discursos. 

Guerra Civil apela para figuras fáceis de se relacionar. Trata-se de uma mulher que se parece uma criança inocente e audaz; um homem, um guarda-costas carismático e engraçado; um senhor que quer viver até o último dia bravamente; e uma mulher destemida que encara firmemente a realidade. Não muito diferente da fórmula de vários outros filmes e séries como The Last of Us (2023) ou The Witcher (2019). 

A previsibilidade do filme também tem a ver com sua violência. Sabemos logo de cara que alguns personagens vão morrer, outros irão causar problemas e alguns nos acompanharão até o final da trama. A questão relevante, no entanto, não é a previsibilidade do texto, do drama. Previsível a guerra também é, quer dizer, sabemos no que resulta e nas suas consequências, mas a humanidade insiste nela como forma de conflito. O importante são os subtextos existentes nesses personagens, na dialética intrínseca à atuação profissional de um jornalista num cenário de guerra, preso em sua própria realidade/ humanidade e a sua função ética/moral.

A todo tempo vemos a protagonista, Lee, ser uma mulher muito forte, que sofre observando essa realidade cruel, mas que se mantém firme, mesmo que já tenha perdido de vista o propósito do que faz. Entretanto, o personagem que gera mais dúvida é Joel, um homem que acostumou-se com essa realidade, ele sofre, ele indigna-se, mas ele aprendeu a conviver com isso e gosta da “ação”, tal qual um cowboy dos filmes de faroeste.

Jessie é a personagem mais irritante e superficial do filme, tomando decisões burras, atrás de decisões burras; mas sua presença pode ser explicada pela tentativa de trazer um discurso sobre o poder da juventude e da esperança, de acreditar num mundo melhor possível, um olhar “ingênuo”. Mas, a mensagem final sobre isso, não é otimista, ao mesmo tempo em que o ser humano difunde suas sabedorias, também dissemina suas violências, sejam elas oriundas do meio ou de si. Essa violência pode ter diferentes facetas, seja ela exposta ou contida, seja no jeito agressivo de falar, ou na frieza de se tornar os olhos da morte, esperando o espetáculo para realizar sua glória.

A fotografia do filme sabe emular muito bem a linguagem do jornalismo documental, principalmente quando vemos as fotos que são retiradas durante a “ação”. Dá certa curiosidade de saber como cada uma das cenas foram executadas. Conseguem emular tão bem as imagens de um conflito real que fica a dúvida se as cenas iniciais do filme são do set de filmagem ou de registros de algum conflito recente?

A paisagem sonora do filme faz sua função, especialmente, ao trazer uma tensão para o espectador, como costumam fazer os filmes de guerra. Enquanto ao fundo vemos rajadas no céu e escutamos inúmeros tiros, os personagens conversam normalmente, se divertindo com a possibilidade de registrar esse cenário no dia seguinte. Portanto, o som adiciona um subtexto sobre a normalização desse conflito.

Por fim, Guerra Civil entretém, é necessário e choca pelo quanto ele flerta com a realidade; é um soco no estômago (para quem é sensível), seu roteiro é inteligente e crítico, mas não inovador. Ainda que seja um filme que critica a capacidade humana de se autodestruir, também é uma história romântica sobre um jornalismo heróico, uma imprensa de uma verdade e uma ética totalmente guiada pelo meio. 

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