Crítica escrita por João Pedro Santana para a cobertura da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

Sinopse: Em uma mítica ilha no litoral Sul do Brasil, um pescador de 70 anos que ainda não conseguiu se aposentar. Martelo é um homem farol, aponta sua luz para Superagüi e ilumina os desejos terrenos de seus moradores que dizem muito sobre o momento atual: melhorar as condições de trabalho, conseguir aposentar com dignidade, retornar a vida da ilha como era antigamente. Não sabemos o que está por trás da ordem que opera o movimento do mar, mas sabemos que ali vive uma alma que deve ser respeitada.

Gigantes de aço tomam todo o horizonte. Em resposta, o oceano se enfurece. Pescadores são observados por uma câmera em meio ao mar. No litoral do Paraná, encontra-se Superagüi, uma reserva ambiental. Lá, seus habitantes não podem recorrer a nenhuma outra atividade econômica que não seja a pesca. O que acontece a uma ilha de pescadores quando pescar não é mais uma opção? Martelo (Olivares Gomes) e sua família viveram a vida toda na ilha e conhecem muito pouco da vida fora dela. Com a idade já muito avançada, é arriscado sair com seu filho em alto mar.

Após ter seu pedido de aposentadoria negado, Martelo precisa comprovar a um juiz todos os anos dedicados ao trabalho. Os pescadores da ilha se mobilizam para participar da audiência e garantir seu testemunho. Existe a produção de um sentido de comunidade que está além da simples solidariedade. Trata-se de uma necessidade de organização coletiva para garantir a sobrevivência entre os moradores da ilha. Enquanto isso, as mulheres se organizam para reivindicar o pagamento das cestas básicas que haviam sido prometidas pelo trabalho de limpeza das praias.

Lista de desejos para Superagüi (2024), de Pedro Giongo, é um filme cuja narrativa se constrói em cima de um tom bucólico e monótono, sem grandes reviravoltas na trama (nem mesmo qualquer demérito). Registros de seu protagonista e do cotidiano dos habitantes de Superagüi são intercalados com a paisagem natural da região. O diretor se aproxima do misticismo das histórias populares para narrar um universo fantástico de crenças, sonhos e desejos. Trata-se de um trabalho muito próximo da etnografia, mas que se permite fabular junto aos personagens retratados.

Entre a defesa pela manutenção de sua possibilidade de subsistência e a busca pela aposentadoria, Martelo sai à caça do lendário tesouro perdido de Superagüi. Diz-se que, no período da colonização, os povos que antes ali viviam esconderam uma preciosidade valiosa o bastante para mudar a vida de qualquer um corajoso o suficiente para encontrá-la. Em um exercício de prospecção para o futuro, ele lista seus desejos: quer uma canoa, a felicidade e “que tudo volte a ser como era antes”.

Lista de desejos para Superagüi é uma obra evidentemente marcada por uma abertura do cineasta àqueles que filma. Giongo não faz entrevistas, não recorre a materiais de arquivo e utiliza de uma única cartela, na apresentação do filme, com o texto da legislação que torna a ilha em Patrimônio Natural da Humanidade. Também não existe nenhuma tentativa de reelaboração da realidade a fim de descrever a diferença de um outro frente a um eu. O que se vê em tela parece ser resultado da construção de uma intimidade estabelecida a partir de uma relação propositiva, que não se agarra às barreiras do dispositivo.

Em momento nenhum há um senso de urgência posto em tela. O filme não tenta se lançar à atividade panfletária de defesa pela preservação de um ecossistema ou os costumes de Superagüi. Possivelmente por conta da cadência narrativa, com um trabalho de montagem que estica o tempo, é uma obra que faz lembrar de Princesa Mononoke (Hayao Miyazaki, 1997). Ao mesmo tempo que também pode se assemelhar muito a Los Silencios (Beatriz Seigner, 2019), na medida que traz para o conhecimento mais amplo do público a história de uma ilha mágica e as lendas características da cultura popular brasileira.

Vencedor do prêmio de Melhor Longa-metragem pelo júri oficial da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Lista de desejos é um ótimo exemplo, dentre tantos outros, da potência narrativa do documentário brasileiro contemporâneo, que abraça os gêneros cinematográficos e as lendas de origem na cultura popular do país.

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