Crítica feita por Sophia de Lacerda, estudante de Cinema e Audiovisual da UFF, durante a cobertura do OCA-UFF da 27ª Mostra de Tiradentes. 

Sinopse: Seu Cavalcanti tem 90 e tantos anos e uma saúde de ferro. Depois de sofrer uma grande contrariedade, acompanhamos suas aventuras em busca de reconquistar sua independência e seu prestígio.

 

Seu Cavalcanti é uma belíssima homenagem do cineasta Leonardo Lacca a seu avô, uma coleção íntima e carinhosa de imagens que unidas formam uma constelação de memórias. Por meio de alternâncias entre realidade, ficção e o fazer do cinema vamos nos familiarizando com Cavalcanti e seus hábitos: ele ama seu carro como um filho, estoca sabonetes, toma whisky na hora do almoço e tem várias outras particularidades que cativam os espectadores sem muito esforço.

O filme se constrói a partir de recortes do cotidiano de seu Cavalcanti, da relação dele com seu neto-filho (Leonardo Lacca) e com a família, sem se apegar em uma cronologia focada na linearidade. A montagem preza por elipses e superposições de imagens similares, com destaque para a sequência dos aniversários de Cavalcanti, na qual acompanhamos a família cantando parabéns para ele ao longo dos anos. A passagem do tempo é explicitada com a mudança dos números nas velas de aniversário. Essa escolha funciona muito bem, especialmente pela grande quantia de material gravado durante mais de 20 anos. Observamos, por exemplo, duas cenas sobrepostas – possivelmente separadas por anos – do personagem dormindo na mesma posição,  revelando mais um dos hábitos dele. 

Com essa quantidade de filmagens capturadas, durante tanto tempo, também surgem os problemas, principalmente na pós-produção: como finalizar um filme onde cada recorte carrega tantas particularidades? É perceptível a mudança de câmeras ao longo do tempo, o formato da imagem e o som mudam também. A resposta que Seu Cavalcanti transparece é excelente, assumindo essa passagem dos anos, e as mudanças como elementos que enriquecem o filme, não  como erros. A correção de cor é única para cada recorte, favorecendo as especificidades de cada um deles. Não há uma tentativa de padronizar as imagens do filme, cada uma delas carrega sua história. O mesmo ocorre com o som, algumas cenas tiveram que ser redubladas, e o filme não faz questão de omitir isso, pelo contrário, vemos Cavalcanti no estúdio gravando várias vezes as falas dele, fator que também aproxima muito o espectador do filme como processo. Em certo momento, Lacca dubla a fala de seu avô devido a uma falha no microfone, o que certamente adicionou um valor mais divertido e criativo para a cena.

Na verdade, criatividade é uma coisa que não falta no longa. Lacca não se limita a simplesmente expor os registros de seu avô, muito pelo contrário, somos surpreendidos com algumas aventuras fictícias de seu Cavalcanti, como seu caso amoroso com uma mulher mais nova (interpretada por Maeve Jinkings), que tirou muitas risadas do público sem deixar de ressaltar um dos traços de personalidade dele: um galanteador. Aos poucos, nós conhecemos esse personagem e nos aproximamos dele como se fizéssemos parte daquela história também. O filme equilibra esses momentos engraçados com outros de muita sensibilidade e amor registrados pelo neto.  Um dos momentos mais marcantes foi o paralelo feito entre seu Cavalcanti dirigindo seu carro e a família junta empurrando o mesmo carro após seu falecimento.

Aliás, o longa trata a morte de maneira muito sensível e emocionante. O diretor não finaliza o filme quando seu avô morre, ele escolhe nos mostrar o depois, o luto. Porém, não de forma depressiva. Apesar de seu Cavalcanti ter falecido, ainda conseguimos vê-lo em todos os lugares: nas filhas, no neto, nos whiskys espalhados pela casa, e é claro, no tão amado carro que foi cúmplice das aventuras dele. Esses recortes atribuem muita emoção ao filme, o público que na maior parte da sessão riu e bateu palmas, ficou em completo silêncio com uma narrativa linda e envolvente.   

Seu Cavalcanti te faz rir, chorar e pensar nas infinitas peculiaridades contidas na vida de uma pessoa. Todo mundo pode virar filme quando se tem um olhar afetuoso de alguém capturando sua história. Seu Cavalcanti é sobretudo uma carta de amor emocional e divertida de Leonardo Lacca a seu avô, que também nos ensina que as pessoas que se fazem presentes vivem para sempre.  

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