Crítica feita por Giovana Lopes, estudante de Cinema e Audiovisual da UFF, durante a cobertura da 27a Mostra de Tiradentes.
Sinopse: Caso clínico: G. é um ator de 38 anos e sua avó morreu com sintomas que a impediam de dormir. Ele deixa Lisboa e retorna à sua pequena cidade natal no Brasil, onde é assombrado por uma herança maldita e seu primeiro amor proibido, W.
As relações familiares são complicadas. No caso de O Tubérculo, de Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune, são até capazes de causar doenças incuráveis. Com uma trama simples, em que o protagonista Gustavo retorna ao seu local de nascença e é acometido por uma doença fatal, o longa possui a liberdade de construir camadas de diversas interpretações, criando uma atmosfera que leva o público para a pequena cidade de Andradina, onde grande parte do filme se passa. De maneiras sutis e inovadoras, o ano de 2023 é retratado como um passado distante, com questões familiares, sobre pertencimento e aceitação, que refletem a sociedade atual – mas são distanciadas em uma perspectiva visual e temporal.
A narrativa, mesmo não sendo apresentada de maneira convencional, é bem clara. A história retrata um personagem LGBTQIA+ que não é aceito por sua própria família e, por conta disso, foge de sua cidade natal. Porém, ao retornar, encontra-se em um local desconhecido e não se sente parte da cidade que nasceu, assim como não se sentia parte da família que o rejeitou. O uso de paisagens vazias reforça a sensação de solidão e a repressão que ele experienciou antes de ir embora – e que continua sentindo ao voltar. Os fantasmas do passado o assombram, seja a herança que não consegue se desfazer da avó, que não o aceita, seja o reencontro com seu primeiro amor, Wagner. A jornada de Gustavo se torna uma busca pela aceitação, dele mesmo ou da falecida avó, e pela sensação de pertencimento, de família.
Ao subverter gêneros cinematográficos, essa narrativa se forma juntamente de sua estética. Além de tratar sobre uma doença em seu enredo, o longa como um todo é afetado por essa patologia, que também domina a imagem, a montagem e a trilha sonora. Um destaque especial ocorre no uso de uma filmadora Super 8 para a gravação de toda a obra. A fotografia com falhas, com qualidade menor do que as das câmeras usadas nos dias de hoje, inova o conceito de filmagens achadas, ou found footage, utilizado em filmes de horror, não sendo o caso desse, que transforma a imagem em conjunto com a história, como se essa estivesse doente – tal qual o protagonista. O filme como um todo possui um caráter experimental e usufrui de diferentes características de gêneros cinematográficos, como o horror, o drama e o romance, para que todos os seus aspectos se relacionem adequadamente.
A temporalidade da obra também corrobora para toda a construção narrativa. Apesar do tempo bem dividido – entre o ano das imagens, o ano em que Gustavo e Wagner se apaixonam e o ano em que o caso médico de Gustavo é discutido –, algumas características acabam fundindo diferentes momentos temporais. A fotografia de uma Super 8 anteriormente mencionada, por exemplo, é muito mais presente entre os anos 60 e 80, o que não condiz com a época que a história se passa. Apesar disso, detalhes como o celular e aplicativos que o protagonista usa são coerentes ao ano retratado. O longa se torna atemporal pois o espectador tanto reconhece elementos do período atual, quanto estranha outros, por não estarem presente no cotidiano. Assim como Gustavo, o público é levado ao estranhamento do que supostamente era familiar.
Outra mediação estética marcante é o uso de elementos simbólicos. A cena dos urubus como presságio para a morte, o dinossauro referenciando o atraso temporal dos pensamentos da avó de Gustavo e as três advogadas do testamento, que fazem referência às três moiras da mitologia grega como responsáveis pelo destino, são exemplos de como a simbologia é presente na trama. Ao serem entendidas, trazem uma profundidade maior a essa história já profundamente complexa.
O Tubérculo é inovador e extraordinário em diversas vertentes. Traz reflexões recorrentes por meio de novos olhares e junta o antigo e o contemporâneo em uma obra que fala, acima de tudo, sobre amor.