Crítica feita por Giovana Lopes, estudante de Cinema e Audiovisual da UFF, durante a cobertura da 27a Mostra de Tiradentes.
Sinopse: Letícia descobre que está grávida, mas não sabe quem é o pai. São quatro possibilidades. Apesar de insegura e com medo, ela entra em contato com todos os possíveis pais. Cada um reage à sua maneira, mas todos alegam que o filho não pode ser seu porque eles não gozaram. Mas ela também não. A gravidez solitária provoca uma reviravolta. Quando a criança nasce, sua inquietação ganha forma: ela vai em busca de descobrir quem é o pai de seu filho.
Dados apontam que, no Brasil, quase 500 crianças por dia são registradas sem o nome do pai. Porém, no caso da protagonista de Eu Também Não Gozei, a questão não é apenas a ausência paterna, mas também como a existência de quatro diferentes possibilidades parentais afetam toda a jornada de Letícia, tanto como pessoa quanto como mãe. O desafio do documentário se baseia em: como o filme, ao contar uma história sobre a vivência materna, tão pessoal e intimista, acaba refletindo uma vivência de toda uma sociedade? E de que maneira a exposição de um momento frágil pode ser tão importante para transmitir a mensagem que o filme deseja?
Apesar de ser um documentário, a obra também conta com momentos e cenas muito performáticas, que dialogam com a vida da protagonista, que é atriz e escritora, e conversam com a construção da narrativa, como, por exemplo, os exercícios de teatro realizados por Letícia. Tais recortes corroboram para uma construção horizontal do longa, na qual a protagonista e a direção trabalham em conjunto no produto audiovisual, sem hierarquização, algo não convencional em documentários. Além da narrativa ser completamente pessoal da personagem/protagonista, o uso de cenas do cotidiano de Letícia como mãe e atriz – e de muitos planos frontais – criam uma proximidade com o espectador, fazendo com que ele se sinta dentro dos acontecimentos e crie empatia pelas situações. Acima da vontade de se descobrir a identidade do pai da criança, o público é envolvido nas questões da mãe sobre solidão, maternidade, ausência paterna e na visão que a sociedade tem sobre a sua vivência.
A obra decide adotar a personalidade artística de Letícia em todos os seus aspectos, com um destaque especial para a montagem. É esperado que um documentário siga uma ordem cronológica de acontecimentos e, apesar do longa não fugir tanto assim de uma linearidade narrativa, a construção até o parto de Pedro conta com recortes dele já nascido. Tal recurso impede que o espectador sequer construa uma ideia pessimista sobre a inicial questão de paternidade do filme, pois mostra que, independente do resultado de toda essa jornada, o que importa é a relação que mãe e filho criam.
A diretora Ana Carolina Marinho consegue mostrar um período na vida de Letícia que vai muito além da gravidez, expondo um debate sobre como a maternidade é vista como algo obrigatório na vida de uma mulher, mas a paternidade pode ser – e muitas vezes é – ausente (e, por isso, opcional). A grávida tem como responsabilidade cuidar dessa nova vida, enquanto o genitor pode negá-la. O público acompanha toda a solidão da mãe e a adaptação de uma vivência independente, enquanto a mesma busca a identidade do pai da criança – não para si, mas para que, mesmo com essa ausência, seu filho, Pedro, saiba de quem veio.
Nesse sentido, o filme tem o claro objetivo de trazer à tona questões sobre moralidade. É evidente como pesa mais para as pessoas em volta de Letícia não saber quem é o pai, e não o fato desse suposto pai não estar disposto a registrar a criança. A obra é eficiente em mostrar que, apesar de muitas pessoas não terem o nome do pai registrado, a culpa ainda recai sobre a mulher – em especial nesse caso, onde existe mais de uma possibilidade paternal.
Eu Também Não Gozei representa como o papel da mãe não pode ser negligenciado, sendo um reflexo da sociedade em que foi realizado e trazendo relevância para o pensamento ainda intrínseco de culpabilidade da mulher. Um documentário forte, visceral, íntimo e, acima de tudo, humano.