Texto escrito por Luca Fabião, estudante de cinema e audiovisual da UFF, para a disciplina de Laboratório de Roteiro do Professor Pedro Lauria em 2023.2

Luca Fabião, fotógrafo e diretor, bacharel em cinema pela Uff, formado em Produção de Áudio e Vídeo pela Faetec. Nerd de filmes de Samurai e Terror.

Os Chanbaras, conhecidos, também, como filmes de Samurai ou filmes de lutas de espada, são um subgênero de filmes do cinema japonês. Eles são considerados uma sub-categoria dos Jidaigeki, que, basicamente, são os filmes de época japoneses — vale ressaltar, logo de agora, que nem todo filme de samurai é um Jidaigeki.

Eu sempre tive um fascínio por samurais e pelas histórias focadas nesses personagens — as discussões do que é a honra e como ser um guerreiro honrado são muito interessantes. Ao longo dos anos, é possível ver, na representação dos samurais através dos filmes, como o Japão enxerga parte da sua própria História e cultura.

Alguns dos chanbaras mais emblemáticos vieram do teatro ou da literatura. Consequentemente, no início do gênero no cinema, o foco dos filmes era no drama e as lutas de espada — que dão nome ao gênero por conta da onomatopeia chan-chan bara-bara das espadas se chocando — ficavam em segundo plano. Nesse período, as histórias traziam uma representação um tanto clássica dos Samurais: eram guerreiros nobres e honrados que lutavam contra os malfeitores em nome de seu lorde, pelo bem do Shogun ou pela própria honra. Esse seria o primeiro tropo desse tipo de história — o samurai é o guerreiro honrado e a honra do samurai dita regras do tipo: ser forte, ser corajoso, obediência aos seus superiores. Até mesmo coisas como aguentar beber muito sake (bebida alcoólica com base no arroz) fazem parte da honra samurai clássica.

Antes de mais nada, é preciso explicar a diferença entre um ronin e um samurai, porque os Chanbaras mais famosos são protagonizados por ronins, mas não há essa diferenciação de nomenclatura dentro das histórias. O Samurai é o guerreiro treinado que serve a algum mestre — ele pode ser o próprio Shogun (líder político do Japão), um líder de clã (lorde) ou algum superior de um clã. A principal função de um samurai é proteger seu mestre. Por isso, caso o mestre seja assassinado, o samurai deve se matar no ato do Seppuku, suicídio cerimonial para preservar a honra, afinal ele havia falhado em seu trabalho como protetor. O Seppuku não era estritamente obrigatório e, em muitos casos, era ordenado pelo próprio mestre do samurai, pois, às vezes, o mestre em si precisava se matar para manter sua honra.

Caso o samurai não se matasse, por qualquer motivo que fosse, ele se tornaria um Ronin, que é um samurai sem mestre. A maioria dos ronins era mercenário ou bandido, pois eram pessoas com algum treinamento militar que haviam perdido sua fonte de renda.

Os filmes de samurai começaram a vir para o resto do mundo por conta de Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, que não era um chanbara propriamente dito, mas sim um Jidaigeki, que possui um samurai como um dos personagens principais da história. Ele é um drama sobre um samurai que é morto enquanto caminha com sua esposa em uma floresta ao serem atacados por um bandido (Toshiro Mifune). O filme conta a história dessa morte através de cinco pontos de vista diferentes e cada relato contradiz outro, ao ponto que, no final, é praticamente impossível saber o que, de fato, ocorreu. Então, em algumas versões da história, o samurai que morre é um guerreiro honrado clássico que se coloca prontamente para enfrentar o bandido e, em outras, ele é um assassino que tramou para matar a própria esposa.

Imagem 01: Cena do filme Rashomon

O sucesso desse filme fez com que mais filmes japoneses fossem exportados para o resto do mundo, principalmente Os Sete Samurais (1954), também de Akira Kurosawa, que foi o filme que começou a mudar alguns elementos dos chanbaras. Para começar, ele é importante porque traz vários tipos diferentes de samurai em um mesmo filme. Para entender isso é importante saber o básico da trama: um grupo de fazendeiros descobre que a vila deles será atacada em alguns meses e, sem meios de se proteger e sem dinheiro para comprar proteção, eles decidem pedir ajuda para samurais que aceitem arroz como pagamento. De cara, muitos da aldeia acreditam que isso será impossível, pois a honra de um samurai impedirá que ele aceite receber comida por um trabalho, afinal, isso seria menosprezar o valor dele como um guerreiro — ele precisa ser bem pago por sua habilidade e, quanto mais você recebe, mais habilidoso você é.

O primeiro samurai que os fazendeiros encontram é um velho que está raspando seu cabelo — um importante sinal de status na sociedade japonesa da época. Os samurais usavam um corte de cabelo específico, os camponeses, outro, e os monges usavam a cabeça raspada. Então, tal ato já simboliza que esse samurai é diferente. O samurai raspa a cabeça e se veste como um monge. Então, vai até uma cabana onde um homem enlouquecido mantém, como reféns, uma mulher e um bebê — ele consegue entrar sob o pretexto de dar comida àquelas pessoas. Quando o homem abaixa a guarda, ele mata-o. De imediato, isso já quebra alguns dos tropos clássicos do samurai: esse homem não foi totalmente honesto, afinal, ele fingiu ser alguém que não é. Não só isso, mas ele também atacou um homem que, por mais que fosse um bandido, não imaginava que ele estivesse armado — então a luta não é justa. Impressionados por terem observado tudo isso, os fazendeiros vão até o velho guerreiro e pedem ajuda a ele, que, eventualmente, aceita.

Ao longo do filme, o velho samurai se mostra um homem extremamente sábio e caridoso. Ele faz coisas que o samurai das histórias clássicas se recusaria a fazer, pois, para ele, o mais importante é ajudar as pessoas necessitadas. Em muitos momentos, surgem conflitos onde um samurai clássico mataria os fazendeiros pela falta de respeito que eles causam sem querer, mas o velho sempre impede que isso ocorra.

Outro personagem que representa um arquétipo icônico dos chanbaras é Kyuzo, o espadachim extremamente habilidoso, calado e estoico. Ele é o personagem que, por conta do tremendo desempenho físico e maneira de se portar, vira o cara descolado. Esse tropo de samurai é o que mais se exportou para histórias que não são chanbaras, mas que possuem um espadachim de Katana, como, por exemplo, Cowboy Bebop (1998) e seu principal antagonista, Vicious, que é um espadachim extremamente habilidoso, calado e estoico. Também no jogo Devil May Cry 3 (2005), Vergil, um dos antagonistas do jogo, é inspirado diretamente em Vicious, mas esse personagem, diferente do outro, foca ainda mais no aspecto de ser descolado, realizando todos os golpes clássicos das histórias mais fantásticas de samurai, como o golpe tão rápido que o personagem saca e guarda a espada e, só após terminar de guardar a arma, o oponente sente o efeito do golpe e morre.

Os Sete Samurais também é importante, pois ele discorre melhor do que qualquer outra obra sobre as diferenças de classe dessa época no Japão: o Shogun está acima de todos > lordes (chefes de clãs e famílias importantes) > samurais > bandidos > camponeses. Essa seria a pirâmide social desse período. E aí entra uma questão interessante que esse filme trabalha um pouco: seria possível ascender socialmente nessa pirâmide? A princípio, ir de um camponês para um bandido é fácil, mas e se tornar um samurai? Seria impossível, pois, se você é um bandido, você é desonrado e, se você é um camponês, você não tem nenhum tipo de ligação com uma família ou clã, então você não seria digno.

No filme Sword Devil (1965) de Kenji Misumi, o protagonista é o filho de um camponês que é contratado para ser o jardineiro de um lorde e, um dia em uma floresta, observa um mestre espadachim realizando uma técnica de saque rápido e partindo uma borboleta ao meio. Esse mestre acaba treinando o jovem jardineiro, que vira proficiente com a espada. Em um dado momento, ele acaba salvando o lorde de assassinos e aí ele é contratado como um samurai, por conta de sua habilidade absurda. Ao fim da história, esse jovem se torna o único capaz de impedir uma trama para assassinar seu lorde: ele abre mão de sua vida para lutar até a morte contra todos os conspiradores.

Um dos protagonistas de Os Sete Samurais é Kikuchiyo (Toshiro Mifune), um ex camponês que acaba se tornando um “bandido” que se passa por um samurai. Ele diz que é de uma família nobre e carrega um documento com sua linhagem, sendo que ele mesmo não sabe ler, fator que leva sua mentira a ser descoberta, pois o Kikuchiyo que ele diz ser teria 70 anos. Consequentemente, esse personagem passa a ser um tipo de herói sem nome. Ele também não é um samurai de verdade, mas é incluído no grupo e é contado para ser um dos sete que fazem parte do título do filme. Kikuchiyo é importante para o aspecto social do filme, já que, por ser filho de fazendeiros, ele entende a dor das pessoas que eles estão ajudando e, em muitos momentos, é ele quem acaba fazendo a ponte entre os fazendeiros e os samurais.

Em uma das cenas finais, ele também realiza um dos clichês de obras japonesas de ação como um todo que é o “Espírito Japonês”: a força de vontade dele é tamanha, que, mesmo tomando dois tiros de mosquete, ele continua se movendo em direção ao líder dos bandidos para matá-lo e fazê-lo pagar pelos crimes que cometeu naquela aldeia.

Os Sete Samurais também é o filme que possui um duelo de espadas enquadrado de uma maneira que, posteriormente, se tornaria um clássico desse tipo de confronto. Dois espadachins se encaram em lados opostos de um terreno. Eles se encaram por um tempo, até que, eventualmente, um deles perde a paciência e ataca, enfurecido, e o outro, com um rápido movimento, intercepta o atacante e o derrota com um só golpe. Os famosos duelos de espada obviamente não foram inventados aqui, mas a forma como Kurosawa enquadrou esse, se assemelhando a um duelo de um Western, foi replicada em muitas outras obras. Conforme pode ser observado na imagem abaixo.

Imagem 02: Cena do filme Os Sete Samurais

É muito importante mencionar Yojimbo (1961), também de Kurosawa, pois esse é o filme que trouxe a mescla definitiva do gênero Western com os Chanbaras e acabou dando vida para muitas outras obras e estilos visuais que passaram a ser o visual dos filmes de samurai. O filme é sobre um ronin errante sem nome (ele inventa o nome Sanjuro), que, por acaso, acaba indo parar em uma cidadezinha que está em meio a uma disputa entre duas famílias criminosas. Ele decide fazer algo a respeito e acabar com esse conflito. Mas ele não chega e simplesmente dá porrada em todo mundo: o samurai, interpretado mais uma vez por Toshiro Mifune, é um homem extremamente irônico e manipulador, de modo que mente constantemente para ambas as famílias criminosas e, com isso, coloca uma contra a outra. Ele também mente para o velho taberneiro que o acolhe enquanto mantém uma pose de assassino durão que não se importa com nada. A cidade onde o filme se passa é a clássica cidade de Western: empoeirada, com casas que parecem abandonadas e pessoas com medo de saírem às ruas por conta da violência.

Yojimbo foi um sucesso absoluto e é o papel que marcou para sempre Toshiro Mifune. Consequentemente, foi feita uma continuação, Sanjuro (1962), que foi outro marco importante para definir uma nova adição aos tropos do gênero de samurai: o jato de sangue. Ao fim do filme, Sanjuro é obrigado a duelar contra Hanbei (Tatsuya Nakadai), pois este sente que falhou em seu dever como samurai e, por tanto, lhe é devido um duelo para ele ter a chance de provar o seu valor. De cara, Sanjuro diz que não quer fazer isso, pois “um de nós dois terá que morrer”. Seu oponente ignora e o duelo se inicia. Esse é parecido com o duelo de Os Sete Samurais, mas, dessa vez, ambos os espadachins estão a alguns centímetros um do outro e se encaram em silêncio por muito tempo, enquanto, lentamente, movem suas mãos para perto das espadas, até que, de repente, ambos desembainham as armas e atacam. Sanjuro é mais veloz e acerta Hanbei e, de seu peito, explode um jorro de sangue para todos os lados. O homem cai morto no chão. Esse jato de sangue viraria um ícone do cinema samurai, referenciado em Kill Bill (2003), Samurai Jack (2001) e jogos como Sekiro: Shadows Die Twice (2019), e ocorreu totalmente por acidente: foi uma falha no equipamento que acabou fazendo o sangue sair com mais pressão, mas Kurosawa gostou da cena como um todo e manteve isso no filme.

Imagem 03: Cena do filme Sanjuro

O filme Sanjuro também é importante pois ele continua a desconstrução do heróico samurai honrado que Kurosawa começou em Os Sete Samurais. Um ponto interessante de comentar a respeito dos samurais clássicos é o fato de como eles matam sem qualquer tipo de consideração e Sanjuro passa por um arco onde ele acaba valorizando um pouco mais a vida humana. Nesse filme, o protagonista precisa ajudar um grupo de nove samurais, que estão mais para o arquétipo clássico, a impedir uma trama política de traição contra o líder de seu clã. Em muitas cenas se constrói justamente o paralelo entre Sanjuro, o samurai moderno, com os samurais clássicos. Por exemplo, em uma das cenas do filme, eles precisam resgatar a esposa do lorde, pois ela será sequestrada pelos vilões e eles precisam pular o muro da fortaleza, mas, sozinha, a esposa não consegue. Sanjuro, então, se joga no chão e deixa ela o utilizar de apoio para pular. Esse ato, que, em muitos contextos, seria considerado extremamente humilhante, no contexto dessa história, serve justamente para mostrar como a honra prezada pelos samurais clássicos não serve para ajudar ninguém: é só um guia vazio para se colocar acima dos outros.

A crítica à honra samurai é feita excepcionalmente em Harakiri (1962) de Masaki Kobayashi. A história desse é um pouco mais complexa mas tentarei resumir. Hanshiro (Tatsuya Nakadai), um velho samurai, bate na porta de um castelo, pois ele quer cometer Seppuku lá. Os samurais do castelo duvidam do homem e decidem interrogá-lo para ver se ele realmente quer se matar ou se ele está mentindo para conseguir algum dinheiro e comida, como alguns outros ronin fizeram em outros castelos. Eles concluem que Hanshiro fala a verdade e ele pode realizar o ritual. Enquanto espera no pátio pelo seu Segundo, ele conta a história de sua vida e o que o levou até aquele momento.

Imagem 04: Cena do filme Harakiri

É revelado que seu filho foi até aquele mesmo castelo para tentar ganhar dinheiro fingindo que queria cometer Seppuku, mas os samurais do castelo obrigam o filho de Nakadai a cometer o ato — eles chegam até a descobrir que o rapaz não possui mais uma katana, pois a vendeu para tentar pagar o tratamento médico da esposa e, ao invés disso, ele carrega uma espada de bambu. O ato de vender a espada perante o código samurai seria impensável, pois a katana é a alma do guerreiro, mas, nessa história, é colocado como um verdadeiro ato de honra, pois é abrir mão de algo importante pelo bem do outro. Os samurais do castelo obrigam o filho a cometer Seppuku com a espada de bambu enquanto o ridicularizam. No Seppuku, você normalmente enfia o Tanto, uma espada menor do tamanho de uma faca grande, na sua barriga e a corta horizontalmente. Após realizar o corte, o Segundo, um samurai encarregado, irá te decapitar para você não ficar sofrendo, mas não é o que os samurais do castelo fazem: eles riem do jovem que tenta miseravelmente se matar com uma espada de bambu e o deixam sofrer. Após finalmente matá-lo, eles, rindo, despejam o corpo dele na porta da casa de Hanshiro.

Posteriormente, é revelado que o homem que Hanshiro pediu para ser seu Segundo não pôde vir, pois estava doente. Os outros dois que ele chama também estão doentes e não aparecem. O jovem samurai foi morto porque os samurais do castelo se sentiram desrespeitados e o acusaram de ser um farsante e não um samurai de verdade. Então, o que Hanshiro fez antes de ir para o castelo foi desafiar os três maiores guerreiros de lá para um duelo. Ele venceu os três duelos, mas, ao invés de matar seus oponentes, ele cortou a parte de cima do famigerado coque samurai — ato esse que seria uma vergonha tremenda, pois não só você perdeu a luta, como seu oponente te humilhou ao mostrar que a habilidade dele com a espada é tão superior à sua, que, ao invés de te matar, ele cortou perfeitamente um pedaço do seu cabelo sem te tirar uma gota de sangue.

Hanshiro joga os três tufos de cabelo no chão ao revelar seu confronto contra os homens, que, ao invés de se matarem, esconderam-se em suas casas e alegaram estar doentes enquanto esperavam seus cabelos crescerem. Um detalhe importante sobre esse filme é que a primeira imagem que vemos é uma armadura de guerra vermelha — essas armaduras representavam a honra do clã e eram tidas como um símbolo de extremo orgulho. Ao final do filme, a armadura está jogada no chão em meio à um banho de sangue, mas, logo após toda a atrocidade que ocorre no castelo, o sangue é limpo, a armadura é colocada em seu lugar e as aparências são mantidas.

Durante muitos anos, a representação dos samurais nos chanbaras foi muito semelhante às desses períodos, com as maiores diferenças sendo guerreiros cada vez mais habilidosos e que matavam sem qualquer tipo de remorso, como o Lobo Solitário e Zatoichi, personagens importantíssimos para o gênero e a cultura japonesa. Alguns dos arquétipos foram replicados em outras obras: Três Samurais Fora da Lei (1964) traz, como um de seus protagonistas, um personagem que é praticamente uma cópia de Sanjuro, só que mais sarcástico ainda, e também um outro guerreiro que faz o papel do espadachim descolado.

Pularei até os anos 2000 para falar sobre o período contemporâneo de representação samurai. Os vilões aqui continuam sendo os Lordes corruptos que vivem sob uma falsa honra, mas os samurais agora não são mais os guerreiros honrados e, sim, peões desses senhores, que só estão tentando sobreviver e viver com aqueles que amam.

O Samurai do Entardecer (2002) é um ótimo exemplo disso. O filme se passa em um período pouco antes da extinção completa dos Samurais (Era Meiji) e, por conta disso, a maioria deles havia se tornado burocratas. Nosso protagonista, Seibei, é um pai viúvo de meia idade que cuida de suas duas filhas pequenas e de sua mãe doente. Além do filme ser uma desconstrução do samurai heroico do passado, ele também traz a desconstrução da masculinidade desses personagens, afinal, o protagonista precisa realizar diversas tarefas que socialmente eram relegadas à mulher. Mesmo sendo um burocrata, Seibei é um guerreiro extremamente apto e, em uma cena, ele duela contra um oponente utilizando apenas um pedaço de madeira.

Esse também é um tropo de histórias de luta de espada: o guerreiro altamente capacitado que vence um oponente mais bem equipado apenas com sua habilidade superior. Tal tropo nasceu na obra literária Musashi (1935), de Eiji Yoshikawa. Em uma das sequências mais conhecidas, Musashi realiza um duelo utilizando um remo de madeira. Por mais que esse momento seja um dos mais icônicos da obra, durante a história, Musashi enfrenta diversos guerreiros utilizando apenas uma espada de madeira, a maioria deles fica indignada e considera o ato como uma afronta à sua honra, que é exatamente o que ocorre em O Samurai do Entardecer.

Durante o filme, Seibei recebe uma ordem de seus superiores para matar outro samurai que enlouqueceu e assassinou vários guerreiros. Ele não quer enfrentar esse homem, pois é possível que ele morra e não haveria ninguém para cuidar de sua família. Mas ele não tem escolha, pois, caso desobedeça seus superiores, ele será morto e, caso vá para o duelo, ele também pode acabar morto — fora o fato de que ele precisará dar fim a vida de outra pessoa, ato esse que ele se diz incapaz de praticar. No filme, ele fala que só poderia matar alguém caso ele “passasse meses vivendo na floresta em meio às feras e as bestas”, pois, assim, ficaria insano e poderia cometer tal atrocidade. Algo que vai diretamente contra a maioria dos protagonistas dos samurais das histórias, que matam sem pensar muito a respeito ou matam de maneira brutal e são enquadrados como descolados.

Outra obra recente que apresenta um personagem parecido é Samurai de Olhos Azuis (2023). Nela, logo no início da trama, Taigen, um samurai habilidoso, tem seu cabelo cortado ao perder um duelo contra Mizu, guerreira protagonista da trama, assim como em Harakiri. Envergonhado, ele vai atrás de vingança, mas, ao longo da série, ele percebe que não faz mais questão de viver a vida de um guerreiro honrado e, então, abriria mão disso para poder ficar com a mulher que ama.

Também em Samurai de Olhos Azuis, Mizu entra no tropo do espadachim silencioso e descolado de Kyuzo. A diferença que há na forma como ela é representada no desenho é que a narrativa dá um motivo para a personagem ser mais calada e também mostra parte de seu treinamento para se tornar tão habilidosa. Conhecendo seu passado, há um contraste enorme entre ela antes e ela no tempo presente da história, onde é uma matadora implacável e isso traz mais profundidade à personagem.

Mais uma obra contemporânea que vale ser mencionada é Samurai Champloo (2004), que, mais uma vez, repete o tropo do samurai silencioso, com um de seus protagonistas, Jin. Mas o que é interessante nesse anime é outro dos protagonistas, Mugen, que segue um arquétipo muito semelhante a Kikuchiyo em Os Sete Samurais. Mugen é um espadachim delinquente que perambula pelo mundo se metendo em confusões. Ele tem um estilo de luta completamente incomum, assim como Kikuchiyo, que utilizava uma espada de cavalaria sem possuir um cavalo. Esse desenho como um todo brinca com vários clichês das obras clássicas de Samurai. Ele é definitivamente a obra mais “pós-samurai”, tendo episódios que vão da ficção científica ao terror e colocando esses personagens clássicos das histórias de samurai em situações que nunca fizeram parte dessas narrativas. Como, por exemplo, o samurai descolado tendo que participar de uma partida de beisebol, situação essa que nunca poderia ser imaginada em obras clássicas de samurai.

Existem outros tropos clássicos dessas histórias. Por exemplo, katanas contra armas de fogo — que ocorre em Yojimbo e outros filmes, e a katana sempre ganha —, há o fato de que samurais de armadura normalmente são vilões e os heróis utilizam apenas os quimonos, vestes mais simples de tecido. O arquétipo dos samurais ninjas ou guerreiros ninjas, que historicamente não existiram da forma como são representados nas mídias, mas esses tropos até hoje se mantêm praticamente iguais. Por exemplo, em Samurai de Olhos Azuis, Mizu tem sua katana quebrada pelo tiro de um mosquete, mas, no confronto final, os guerreiros de katana conseguem vencer os inimigos com armas de fogo. Já no videogame Sekiro, o protagonista é um samurai ninja e um dos primeiros chefes (inimigo mais forte) que se enfrenta no jogo é um samurai de armadura completa que protege o portão do castelo. Nesse jogo, também é possível rebater tiros com a katana do personagem e os chefes finais utilizam armas de fogo.

Imagem 05: Sekiro: Shadows Die Twice (2019)

Infelizmente, na atualidade não temos muitos filmes de samurai. Os mais comuns são adaptações de animes para o live action, como A Espada do Imortal (2017) e Samurai X (2014 – 2021). Por serem obras vindas do mangá (história em quadrinhos japonesa), ambas trazem aspectos mais carregados de fantasia para as clássicas histórias de samurai. Em Espada do Imortal, o protagonista é literalmente imortal, tendo seu corpo mutilado e recosturado diversas vezes. E, em Samurai X, temos personagens de força sobre-humana que lutam com armas gigantescas ou impossíveis de existir. Curiosamente, nos videogames as histórias de samurai continuam vivas com jogos como Ghost of Tsushima (2020), que também tem um protagonista samurai ninja. O jogo apresenta mais uma crítica interessante à honra samurai clássica, abordando até mesmo se seria possível amizades entre samurais e camponeses, algo que, nas histórias clássicas, nunca acontece — o samurai pode ajudar um camponês, mas eles nunca são colocados como iguais. Os Sete Samurais traz essa separação na bandeira do grupo, com os samurais sendo representados por círculos, abaixo deles, Kikuchiyo representado por um triângulo e, abaixo, tem o hiragana (um dos silabários japoneses) た (ta), que é a pronúncia fonética do kanji (escrita japonesa em ideogramas) 田, que significa Campo ou Arrozal e representa o povo da aldeia.

Imagem 06: Cena do filme Os Sete Samurais

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