Crítica realizada por Camila Paola de Oliveira Palma como trabalho final da disciplina História do Cinema, ministrada por Gledson Mercês, na Faculdade Casa das Artes de Laranjeiras – CAL. Editada e revisada por Pedro Lauria, editor geral do OCA-UFF.
“Meninas malvadas” ou, originalmente, “Mean girls”, é uma comédia adolescente estadunidense inspirada no livro de autoajuda “Queen Bees and wannabees”, de Rosalind Wiseman, que foca em mães que querem ajudar suas filhas a lidarem com fofoca e bullying. Adaptado para o cinema pela primeira roteirista mulher do “Saturday night live”, Tina Fey, a obra usa do humor com ironia para tornar o que tinha tudo para ser apenas mais um filme adolescente num clássico da cultura pop dos anos 2000.
O filme carrega diversas indicações em premiações, sobretudo em escolha do público. A exemplo do “Nominee People’s Choice Award”, em 2005, como Filme de comédia favorito; “Nominee Teen Choice Award”, como escolha de filme em comédia em 2004 e “Nominee WGA Award”, como melhor obra adaptada para as telas em 2005. Ele também chegou a se tornar musical: uma versão para a Broadway foi produzida por Tina Fey e seu marido, Jeff Richmond. Esse musical, inclusive, acabou de ganhar uma adaptação para cinema.
O elenco se destaca com nomes que deslancharam suas carreiras em Hollywood após o filme. Entre eles temos: Lindsay Lohan – na época uma das “child stars” mais aclamadas; Rachel McAdams – a vilã e mais velha no elenco adolescente; Amanda Seyfried – que aqui faz a típica “loira burra” e, logo depois, se estabeleceria em diversos papéis; além de Amy Poehler, Lizzy Caplan, Lacey Chabert, Daniel Franzese, e a própria Tina Fey.
Mark Waters assume a direção, uma vez já diretor de comédias para o público infanto-juvenil. Waters tinha acabado de trabalhar com Lindsay Lohan em “Freaky Friday”. Em Garotas Malvadas, a ideia original era colocar a atriz no papel da vilã do filme, contudo, para evitar atrapalhar a imagem da atriz estabelecida no último longa, deram o papel para a Rachel McAdams. A direção de Waters se destaca ao brincar com o realismo em contraste e convergência ao animalismo. Assim, temos cenas em que os atores reproduzem o que seria o comportamento dos animais com que a protagonista tinha costume de conviver. Além disso, a estética vibrante do filme se sobressai, principalmente com o uso do rosa que, por vezes, é contrastado com a vilania.
De início, o filme nos apresenta o ambiente escolar junto a protagonista, Cady – uma garota ensinada em casa na África, onde morou com os pais até os 16 anos, quando se muda para os EUA. O ambiente das savanas africanas aqui é equiparado à selvageria social do ambiente colegial, onde as predadoras são as “Plastics”, nome dado ao trio de garotas mais populares do ensino médio. O filme se propõe a satirizar justamente toda essa estrutura estereotipada do que seria o colegial nos filmes: grupos separados de nerds, hippies, emos, até a segregação racial, com mesas só para asiáticos e negros. Uma piada rápida, que, no entanto não se arrisca a ser uma crítica mais elaborada.
O filme conta a história de um grande plano de vingança, que tem, como objetivo, a decadência da antagonista Regina George. A sequência de apresentação da vilã no filme, inclusive, segue sendo inspiração na cultura pop, como reproduzido no clipe da música “Thank u, next”, da cantora Ariana Grande. Nesse sentido, há de se ressaltar como o filme consegue engrandecer a personagem sem ela ter dito nem sequer uma palavra nos primeiros minutos de filme, contribuindo para o status icônico que ela alcançaria. Conforme o plano malvado de vingança dos “mocinhos” vai tomando forma, vemos a protagonista sucumbir ao próprio mal que queria combater e se tornar uma versão “mais pobre” de Regina George. George, inclusive, é uma vilã completamente detestável, sendo aquele tipo de personagem que amamos odiar, ou, até mesmo, odiamos amar. Isso reflete em sua relação com outros estudantes, que, mesmo sabendo o quanto ela é antipática, ainda querem ser como ela, apesar dos pesares.
Vale ressaltar que questões como homossexualidade, feminismo, consumo de álcool e sexo são tratados com muita naturalidade, considerando a época. Como no caso das questões étnico-raciais supracitadas, porém, também não há qualquer aprofundamento, ficando apenas no subtexto, dando ao filme a preferência em se debruçar nas questões relativas às aparências e às relações sociais. Por exemplo, em como damos mais valor a símbolos, como status, corpo, com quem se anda, ou até uma coroa de plástico de rainha do baile.
O fim do filme mostra uma Regina em queda, graças ao plano de Cady. É justamente quando a vilã descobre a armação da “antiga mocinha” que vemos um dos momentos mais icônicos do filme: um grito de uns belos 50 segundos. A partir daí, a vilã dá sua cartada final: Regina faz o colégio virar uma selvageria completa e tem sua punição: ser atropelada por um ônibus escolar. Na minha concepção, porém, esse é último momento de ousadia da obra. Afinal, o que se segue é uma sequência de redenção da protagonista. Cady volta ao isolamento do início do filme, participa de uma olimpíada de matemática, onde expõe o que aprendeu com toda a situação de vingança. No fim, Cady é eleita a rainha do baile por ter, supostamente, empurrado a Regina na frente do ônibus e, ao subir no palco, quebra a coroa em pedaços e a divide, com um discurso de que todos os estudantes a merecem. Pode ser um gesto bonito, mas a supervalorização desse momento se desalinha com toda a ironia e humor do restante da obra. No fim, o típico final feliz e a obra, que não era um clichê, se torna um em seus minutos finais.
Contudo, eu não descredibilizaria toda a obra por esse final. Afinal, ainda se trata de uma comédia de temática colegial, que diverte na sua maior parte. A trilha, o elenco fabuloso, diálogos icônicos, dão principalmente uma identidade notória, com elementos facilmente reconhecíveis: o livro rosa, as roupas de natal sexy, ou o K invertido de Karen. “Garotas Malvadas” permanece um ótimo passatempo. Falando do mínimo do mínimo.