Crítica escrita por Ernesto Loaiza para a cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2023.
Sinopse: Engenheiro de aeronáutica na empresa Arianespace, Jim se dedicou durante anos a um projeto secreto: construir seu próprio foguete e realizar o primeiro voo espacial tripulado amador. Mas para realizar seu sonho, ele deve aprender a compartilhá-lo.
Ir ao espaço é um sonho de muitos, alcançado por pouquíssimos. Para a maioria, não passa de um “e se”, de um desejo inalcançável que só pode ser aproximado por meio das sensações causadas por filmagens de astronautas ou por filmes de ficção científica. Porém, para cada astronauta, há uma fila de candidatos que dedicaram suas vidas para alcançar esse objetivo, que, por vezes, podem vir a obsessionar-se a ponto de ruir suas vidas pessoais, suas relações. Do que alguém seria capaz para conseguir esse feito? Ora, para Jim, aspirante rejeitado a astronauta, a solução é construir o próprio foguete! Junte-se com um químico autodidata, uma estudante de matemática e um ex-astronauta que, por não ter mais nada para fazer, anima-se com a ideia de participar de um projeto histórico: o primeiro voo espacial amador da história.
O Astronauta (2022), de certa forma, lembra um Oppenheimer (2023) às avessas, no sentido de que o tempo dedicado à formação de uma equipe, para a realização de um projeto ambicioso, é tão importante quanto o projeto em si, só que a equipe do filme francês é formada por uma trupe de renegados. Aliás, essa trama absurda beira o conspiracionismo, já que, apesar de pessoas ao redor rejeitarem essa ideia e tentarem fazer com que Jim desista disso tudo, no fim das contas, a narrativa constrói a firme ideia de sonho a ser alcançado, contra tudo e contra todos, por vias estritamente individuais. Também, essa característica do indivíduo superar o Estado, ou, para fins espaciais, a NASA, reunindo pessoas rejeitadas por essas mesmas instituições, é muito comum em filmes de desastres. Por exemplo, em Moonfall (2022), dirigido por Roland Emmerich, um conspiracionista descobre que a lua está alterando sua órbita e junta-se com um ex-astronauta para avisar ao mundo que a NASA está escondendo a verdade e, eventualmente, para viajarem até a lua e salvarem o dia. Inclusive, em ambos os filmes, é mencionado, como modelo de inspiração, o empresário Elon Musk, em termos mais ou menos assim: “todos disseram que ele era louco, e olhe onde ele chegou”. Em alguns momentos, parece que O Astronauta, fará uma quebra nessa estrutura um tanto quanto ingênua, especialmente com a figura do pai, que explico mais à frente, mas, acaba que, até o fim, a obra prossegue com a promessa de recompensa a um sonhador idealista, e todas as outras personagens embarcam nisso.
Não obstante, a forma com a qual o filme explora a psicologia de Jim é interessante. No que tange a atuação de Nicolas Giraud, é curioso como ele só demonstra o mínimo de expressividade quando fala de sua viagem ao espaço, e passa todo o restante do filme frio e distante. Isso faz com que seu semblante de aparente seriedade conflite diretamente com o que diz, quando explica seu projeto convicto de que dará certo, o que assusta os personagens que passam por ele — como disse o ex-astronauta Ribbot, “às vezes, a paixão assusta”. Ademais, os laços familiares que são apresentados também constroem essa personalidade clinicamente obstinada. Seu avô era o grande idealizador desse projeto, e faleceu sem sucesso na empreitada. Seu pai, que cresceu vendo o sonho do próprio pai consumi-lo, afastou-se completamente dessa ambição e, logo, ao ver que o filho herdaria esse objetivo, rejeita-o. É claro, crescer ouvindo que seus sonhos são inúteis pode trazer infelicidade, mas, ainda assim, na cena em que o pai confronta Jim, já adulto e no meio da construção do foguete, o pai diz duras verdades inegáveis, de sua imprudência, seu egoísmo e seu delírio. Jim, então, assemelha-se a uma criança, não só nessa cena, mas ao longo da obra, seja pelas implicâncias infantis que tem com a matemática, pela sua cega convicção de pioneirismo, e mais, tudo isso porque parece ser necessário ter uma mente não tão madura para acreditar nesse tipo de plano mirabolante — o que pode ser o trunfo ou a desgraça de alguém.
Assim, a narrativa de O Astronauta mantém-se ao lado de Jim, e as reflexões de oposição ao seu objetivo são minadas pelo empenho dos envolvidos em fazer essa viagem espacial dar certo. A emotividade da obra decorre principalmente da família e funciona, pois há um sentimento empático de de perpetuar o sonho perdido de um querido avô, há beleza nisso, apesar da ingenuidade do protagonista. Por fim, sem entrar em terreno de spoilers, mas levantando um simbolismo trazido pelo filme, há um plano em que uma lâmpada sobre sua cabeça remete a uma auréola. É uma bela composição de imagem, que conflitua entre a candidez de um personagem que não quer fazer mal a ninguém, mas quer realizar o sonho de seu avô, e a imposição de santificação a um personagem com complexo de ícaro. Assim, a dialética entre a seriedade e o delírio faz-se presente, assim como as obras com teor ultra-individualista supracitadas, mas, desde o início, Jim apresenta-se como um indivíduo rígido, simples, com objetivos muito claros, e as expectativas e os julgamentos sempre vem de fora, dos seus colegas, de sua família — e principalmente de nós, espectadores.