O filme está disponível na Netflix.


Baseado no clássico de Erich Maria Remarque, o filme alemão da Netlix, é um fenômeno das cerimônias de premiação tendo sido indicado a 9 Oscars (incluindo Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro). A obra original já havia sido levada para aos cinemas em 1930 (dois anos após o lançamento do livro), quando se tornou a primeira adaptação a levar o Oscar de Melhor Filme – ressaltando um pouco da história por trás dessa narrativa que, cada vez mais, se prova atemporal.

O momento histórico em que o livro original foi lançado também ressalta seu recorte temporal: se trata de uma obra sobre a 1ª Guerra Mundial (até então chamada de A Grande Guerra), escrito enquanto a onda de revanchismo nazista (que iria eclodir na 2ª Guerra Mundial) ainda estava em estágio de crescimento. Inclusive, existem relatos históricos de como o filme e o livro foram mal recebidos pelos nazistas, uma vez que sua mensagem pacifista era lida como “covarde”. Na adaptação contemporânea, o diretor e roteirista, Edward Berger, parece fazer um sutil aceno ao futuro da Alemanha – embora esteja claro que não seja esse o seu foco.

Quanto a isso, é interessante levar em consideração que apesar do domínio das narrativas sobre a 2ª Guerra Mundial, a 1ª Guerra Mundial parece estar voltando a ser objeto de narrativas cinematográficas. Hollywood, inclusive, apresentou dois blockbusters ambientados nesse período nos últimos anos: Mulher Maravilha e 1917 (que lembro, quase ganhou o Oscar de Melhor Filme), ambos trazendo ainda uma certa aura heroica dos combatentes (algo que aqui é completamente descartado). É curioso se debruçar um pouco nessas mudanças uma vez que, diferente da 2ª Guerra, é muito mais difícil delimitar “mocinhos e antagonistas” ou, mesmo, um propósito nobre para a guerra. Além disso, a 1a Guerra Mundial é normalmente considerada a “mais suja” de todos os tempos – sendo base para muitos tratados e convenções modernas de direitos humanos. Em Nada de Novo no Front, por exemplo, podemos ver os efeitos aniquiladores de armas como o uso de gás mostarda e lança-chamas.

Aliás, essa é a grande força dessa adaptação moderna: deixar claro que não existe heroísmo na Guerra – pois ela, acima de tudo, é terrível por si só. Assim, mesmo que acompanhemos o protagonista sobrevivendo dia após dia, não conseguimos dar mais valor à sua vida do que a daqueles que ele mesmo tira. Isso é sublinhado pelo próprio roteiro quando coloca o personagem principal caindo em desespero após tirar a vida de um tipógrafo francês em combate. Para ressaltar ainda mais o desapreço pela guerra, Berger faz questão de mesclar cenas idílicas e calmas de bosques e da vida natural aos horrores vividos pelo protagonista: um jovem que mente sua idade e falsifica a autorização de seus pais para ir pra guerra, atrás de uma identidade heroica que ele jamais encontrará.

E se falamos de um dos grandes acertos do filme, também falemos de seus problemas: existe um claro desequilíbrio narrativo entre a realidade do front de batalha e a vida de coronéis e gerais. Isso acaba superficializando um pouco tais personagens, que se tornam facilmente vilanizáveis, uma vez que são mostrados do alto de sua hipocrisia: alimentando um discurso bélico, enquanto vivem nas maiores mordomias sem arriscar seu próprio pescoço. Tal desequilíbrio na montagem e no roteiro parece ser intencional, uma vez que ressoa com o momento político em que a obra foi lançada – em meio à Invasão da Rússia à Ucrânia, onde é fácil fazer paralelos com os discursos inflamados do “neo czar” Vladmir Putin. No entanto, essa superficialidade com que se trata “esses comandantes” trai à própria construção narrativa da obra – que busca trazer um retrato bastante frio do campo de batalha, sem heróis ou vilões.

Os departamentos de maquiagem e de design de produção são talvez os maiores destaques de toda a produção. Além da capacidade de contar no rosto do protagonista – quase sempre sujo de sangue e lama – os efeitos da guerra, o filme também demonstrar a crueza da batalha em suas mortes e mutilações viscerais. Enquanto isso, os cenários conseguem tanto demonstrar com extrema competência a claustrofobia e a precariedade das trincheiras, onipresentes em filmes sobre a primeira guerra, quanto trazer certo ineditismo macabro em set pieces surpreendentes – um deles envolvendo uma área de corpos onde um pelotão inteiro morreu por tirar a máscara de gás cedo demais.

Outro aspecto que vale elogiar é a prudência da obra em jamais estetizar à Guerra. Não existem planos bonitos em combate (ao contrário da famosa cena dos sinalizadores em 1917, iluminada pelo oscarizado Roger Deakins)  – e a única beleza reside nas imagens da natureza selvagem. Isso não significa que a obra não traga planos impactantes – como aquele em que uma etiqueta é arrancada de um uniforme, logo no início do filme. Como contraponto vale sublinhar que o design de produção e a fotografia são por vezes didáticos demais, criando uma certa sensação de artificialidade nos ambientes do, já comentado, alto comando alemão. Assim, suas salas iluminadas por luzes quentes (contrastando com o azulado da guerra) parecem fazer parte de um outro filme – lembrando a forma estilizada como o “amarelo” é utilizado em filmes Hollywoodianos com cenas passadas no México.

Assim, embora Nada de Novo no Front faça jus ao seu título e não traga nada de novo para um assunto que vem sendo esmiuçado no último século – sua força reside justamente nisso: sua competência técnica e narrativa em lembrar do básico – de que nada de bom pode vir da guerra. Em um momento da história em que o óbvio parece ter sido esquecido, como lembrou o nosso novo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, é importante que o cinema também nos relembre do básico.

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