Este artigo de Pedro Lauria foi publicado originalmente na revista Insólita

O texto original se encontra no link abaixo:

https://revistas.intercom.org.br/index.php/insolita/article/view/4214

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Resumo

Fear Street é uma trilogia de filmes de horror dirigida por Leigh Janiak, lançada pela Netflix em Julho de 2021. A obra traz contribuições para o gênero ao trazer para o protagonismo corpos periféricos subrepresentados no horror e ao se debruçar em temáticas acerca do tratamento de seus corpos na sociedade.  Além disso, sua estrutura e estratégia de lançamento única – um misto de série e coletânea de filmes – permite que Leigh Janiak se debruce sobre imbricamentos e peculiaridades de três diferentes subgêneros: o suburbanismo fantástico, o slasher e o gótico estadunidense. No presente artigo, nos aprofundaremos, a partir da crítica genérica e feminista, em como Fear Street subverte expectativas dos seus espectadores ao transitar entre diferentes subgêneros e ao seu pautar em perspectivas  subretratadas pelo cinema hegemônico.

Palavras-Chaves: Fear Street; Horror; Gêneros Cinematográficos; Estudos de Gênero; Streaming

Introdução

Em 2021 a Netflix lançou a trilogia de horror Fear Street em sua plataforma de streaming. Se tratam de filmes baseados em uma coletânea de R.L. Stine (autor de Goosebumps) composta pelas obras Fear Street: 1994, Fear Street: 1978 e Fear Street: 1666 (figura 1), todos dirigidos por Leigh Janiak, e lançadas na plataforma com diferença de uma semana entre elas. Este, no entanto, não era o planejamento inicial de seus produtores: o projeto tinha o lançamento previsto para 2020, pela Fox, – porém, foi afetado pela pandemia de COVID-19 e pelo calendário tomado por lançamentos da Disney[1]. Uma vez nas mãos da Netflix, o lançamento conjunto dos três filmes parece ter sido uma estratégia adequada ao próprio modelo de exibição da plataforma, podendo ser assistido como uma série em três capítulos em um projeto intitulado “O Verão do Medo”.

O presente artigo trabalhará em como a trilogia faz ligações entre três diferentes (sub)gêneros[2] do cinema de Horror: o suburbanismo fantástico, o slasher e o gótico estadunidense. Nesse sentido, tanto ressaltaremos suas proximidades semânticas e sintáticas, demonstrando como a “intercambialidade” de elementos entre diferentes (sub)gêneros pode trazer novas possibilidades ao gênero do Horror, quanto nos debruçaremos sobre o fio central da trilogia: a violência física e, principalmente, moral imposta ao corpo feminino. Vale lembrar que o retrato da mulher no cinema de Horror (principalmente no slasher) é amplamente estudado por pesquisadoras e pesquisadores, trazendo múltiplas discussões sobre gênero, perfomatividade, sexualidade, etc que serão aqui retomadas.

Figura 1: O pôster dos três filmes se complementam, demonstrando a unidade narrativa da trama. No entanto, a paleta de cores demonstram a diferença de estilo dos três períodos e dos três subgêneros retratados. (Fonte: imdb.com)

A trilogia conta a história da cidade de Shadyside, Ohio, supostamente assombrada pela bruxa Sarah Fiers, morta no século XVII. Segundo a lenda, a cada 15 anos, em média, uma tragédia ocorre na cidade: um morador é apossado pelo espírito de Fiers e começa uma matança. Tais eventos impedem que a cidade consiga se desenvolver economica e socialmente, jogando uma aura sinistra sobre ela, principalmente se comparada com sua cidade rival: a rica e desenvolvida Sunnyvale. A mais nova matança se dá em 1994, quando um jovem mascarado assassina sete pessoas em um shopping, sendo morto por um policial, o delegado Nick Goode.

Deena e seus amigos acabam se envolvendo na trama  quando Sam, ex-namorada da protagonista, encontra o esqueleto da bruxa. Depois de tal evento, parte assassinos que já passaram por Shadyside se materializam com intuito de matar a garota. Cabe ao grupo de Deena proteger Sam, enquanto tenta acabar com a maldição de uma vez por todas. Segundo a lenda, a bruxa Sarah Fiers só descansará quando sua mão – decepada – for reunida com o seu corpo. Após mais mortes, o primeiro filme acaba de forma inconclusiva – e cabe aos protagonistas escutarem o relato da sobrevivente do penúltimo massacre de Shadyside: história contada em Fear Street: 1978, um slasher passado em um acampamento de férias. Lá acompanhamos a história de como Ziggy sobreviveu aos serial killers (perdendo a irmã no processo) e achou a mão de Fiers.

A partir do relato de Ziggy adulta, Deena e seus amigos descobrem a localização do membro decepado e conseguem juntá-lo com corpo da bruxa. No entanto, ao invés de terminar a “maldição”, a protagonista é mentalmente transportada para o século XVII, na colônia puritana de Union (que precedeu as cidades de Shadyside e Sunnyvale), podendo reviver os últimos dias de Sarah Fiers. Essa é a primeira metade da narrativa em Fear Street: 1666. Nela descobrimos que a maldição foi na verdade evocada por um homem – Solomon Goode, que fez um pacto satânico para conseguir sucesso econômico. Em troca, ele oferece “a alma” de Union – fazendo com que seus moradores sejam afetados de 15 em 15 anos por possessões satânicas. Ao ser descoberto por Fiers, ele incrimina a jovem como bruxa – alegando que ela é responsável por corromper a colônia, sendo sua sexualidade usada como indício de sua culpa: a jovem era lésbica, assim como Deena.

Voltando a 1994 (o filme inclusive faz um marcação no meio do 3º filme – o chamando de “Fear Street: 1994 – Parte 2”) – Deena, Ziggy e seus amigos, descobrem o verdadeiro culpado pela tragédia mais recente: o delegado Nick Goode, sucessor de Solomon. Deena descobre que durante gerações a família Goode continua evocando o demônio em troca de sucesso econômico – inclusive sendo isto o responsável direto pela riqueza de Sunnyvale e as tragédias de Shadyside. Em um confronto final, Deena mata Goode e acaba de uma vez com todas com a maldição, podendo fazer justiça a alma e a história de Sarah Fiers.

O Suburbanismo Fantástico em Fear Street: 1994

O primeiro filme da trilogia se inicia como um típico slasher. Uma jovem, interpretada por Maya Hawke (de Stranger Things), é perseguida por um psicopata com máscara de caveira em um shopping vazio. Até o último momento acreditamos que ela vai se safar, porém, uma faca cravada em seu peito sela seu destino. Para os ávidos de filme de horror, a referência é clara: Pânico (Scream, Wes Craven, 1996) – a obra que gerou um novo ciclo de slashers na década de 1990. Na obra noventista era Drew Barrimore, também sendo a atriz mais conhecida de todo o elenco, que morria nos primeiros minutos do filme surpreendendo a audiência. Aqui, a repetição da fórmula ganha tons de homenagem. Porém, nem tudo é repetição: a obra reserva uma surpresa – ao contrário de Pânico, na sequência de Fear Street: 1994 o assassino é morto e sua identidade revelada.

Tal surpresa, mais do que narrativa, é genérica. Fear Street: 1994 se revela não ser um slasher, mas um autêntico exemplar do suburbanismo fantástico. O subgênero conceituado por Angus McFadzean (2017; 2019) a partir da conceituação sintático/semântica de Altman (1984) se refere à obras que semanticamente unem a ambientação do subúrbio/small town estadunidense com elementos de fantasia, horror e ficção científica, enquanto sintaticamente trabalham com a narrativa de amadurecimento (original dos coming of age dramas) com o melodrama do herói (típico do cinema de fantasia). São o caso de trabalhos como E.T. – O Extraterrestre (E.T. – The Extraterrestrial, Steven Spielberg, 1982), Os Goonies (The Goonies, Richard Donner, 1985) e os mais recentes Stranger Things (Irmãos Duffer, Netflix, 2016-) e Turma da Mônica – Laços (Daniel Resende, 2019).

Vale ressaltar que a interlocução do subgênero com o horror não é nova, como é o caso de obras como Poltergeist (Toby Hopper, 1982), A Hora do Arrepio (Fright Night, Tom Holland, 1985) e It – Uma Obra Prima do Medo (It, Tommy Lee Wallace, 1990), filmes que receberam remakes na década de 2010, e que são inequívocos exemplares do gênero. A própria série Goosebumps do escritor R.L. Stine foi adaptada pro cinema dentro do suburbanismo fantástico em 2015 (dirigida por Rob Letterman) e 2018, com Goosebumps: Halloween Assombrado (Goosebumps: Haunted Halloween, Ari Sandel).

Em Fear Street: 1994, a diretora Leigh Janiak, se utiliza deste denominador comum (o Horror) para brincar com as expectativas de sua audiência ao transitar entre o slasher e o suburbanismo fantástico. Não só na já comentada primeira cena, mas também em sua sequência final de ação: já cientes de que se trata de um obra dentro do suburbanismo fantástico, e na expectativa de que o filme siga as convenções narrativas do subgênero, somos surpreendidos com a sangrenta morte de um dos integrantes do CCP[3] – mutilada em um cortador de carne. Aqui não só a morte violenta da personagem surpreende, como a visualidade da cena – algo que esperaríamos assistir em um slasher e que nos acaba pegando desprevenidos, aumentando seu fator surpresa. Esta estratégia, é claro, se utiliza da subversão do conceito de Steve Neale sobre gêneros, que, segundo ele, são sistemas específicos de expectativa e hipóteses que os espectadores trazem consigo para a experiência cinematográfica (2000, p.46). Aqui, expectativas e hipóteses, são desafiadas ao transitar entre subgêneros, por mais que ainda se mantenham um gênero matriz: o Horror.

Esses elementos do slasher estão longe de serem as únicas quebras de expectativa de Fear Street: 1994 quanto ao suburbanismo fantástico. A principal delas, sem dúvidas, é a caracterização de sua protagonista: uma mulher negra e lésbica. Vale ressaltar que o androcentrismo, a branquitude e a heteronormatividade são marcas da quase totalidade dos filmes do subgênero – desde sua concepção na década de 1980, e que só começa a ser desconstruída de forma mais enfática nos últimos anos. Não coincidentemente é a própria Netflix que mais vem investindo nesta desconstrução em filmes como A Gente se vê Ontem (See You Yesteday, Stefen Bristol, 2019) e Vampiros vs The Bronx (Vampires vs The Bronx, Osmany Rodriguez, 2020).

Aproveitando tal pontuação, impossível não citar uma interessante interlocução entre a plataforma de streaming e o suburbanismo fantástico quanto subgênero – a metareferencialidade presente no reaproveitamento de atores. Na trilogia Fear Street, por exemplo, além de Maya Hawks, a atriz Sady Sink e o ator Randy Havens de Stranger Things também fazem parte da trama. A própria diretora, Leigh Janiak, brinca que competia no uso de elementos semânticos com seu marido, um dos diretores de Stranger Things[4], uma vez que gravaram suas obras de forma paralela. Vale citar que Bejamin Flores Jr., o Josh, também protagoniza um CCP em Fim do Mundo (Rim of the World, McG, 2019), outro filme do subgênero na Netflix.

Outra oxigenação que o filme traz para o suburbanismo fantástico é para o período que ele aponta sua nostalgia – não mais para os anos 1980 (McFADZEAN, 2019) – mas para os anos 1990. Isto repercute em uma série de escolhas semânticas como a sua trilha sonora (com músicas dos Pixies, Garbage, Cypress Hill, Prodigy e Radiohead) e a incorporação de elementos típicos dos primórdios do digital (figura 2) como os pagers, computadores, bate papos online e video-games. Isto, por sua vez, representa um desvencilhamento da cultura analógica dos anos 1980, embora ainda repercutindo a tecnostalgia tal qual conceituada por Cormie, Castellano e Meimaridis (2019). No entanto, ressalta-se que a inexistência do celular (que só se popularizaria nos anos 2000) facilita algum dos principais desdobramentos narrativos do suburbanismo fantástico – como a falta de controle familiar sob o paradeiro de seus filhos e a dificuldade em se contatar as autoridades.

Figura 2: Josh é o personagem mais vinculado a tecnologia na trama (sendo inclusive chamado de nerd pelos colegas). É através dele que vemos as principais referências à tecnologia do período. (Fonte: Frame de Fear Street 1994)

Ainda é bastante recente para se fazer maiores teorizarações, mas pode se presumir que essa “mudança de década” seja um indício de uma mudança referencial do próprio subgênero dentro do ciclo reflexivo que se iniciou em 2010 (McFADZEAN, 2019). Em outras palavras, a década de 2010 foi marcada por múltiplos filmes e séries do suburbanismo fantástico passados no final dos anos 1970 e anos 1980 como A Ressaca (Hot Tube Time Machine, Steve Pink, 2010), Super 8 (J. J. Abrams, 2011), Stranger Things, It – Capítulo 1 (It – Chapter 1, Andy Muschietti, 2016), Verão de 84 (Summer of 84, Anouk Whissel, François Simard, Yoan-Karl Whissell, 2018), Bumblebee (Travis Knight, 2018) e Turma da Mônica – Laços. Isto, é claro, estaria  acordo com própria homenagem a gênese do subgênero que se deu naquela década – mas também com o “pêndulo da nostalgia” [5] – o aumento natural de remakes depois de 30 anos da produção original. Isto se dá, presumivelmente, pois a geração que tinha aquelas obras como referência na juventude, agora tem idade para homenageá-las em suas produções.

Agora, entrando em 2020, pode se imaginar que de acordo com o pêndulo da nostalgia, se espere um aumento de obras do suburbanismo fantástico nostálgicas da década de 1990. Vale lembrar que múltiplos clássicos do subgênero são desse período como Esqueceram de Mim (Home Alone, Chris Columbus, 1991), Abracadabra (Hocus Pocus, Kenny Ortega, 1993), Jumanji (Joe Johnston, 1995) e a série Eeirie, Indiana (José Rivera e Karl Schaefer, NBC, 1991-1993). Aproveitando a discussão sobre nostalgia, vamos agora ao segundo capítulo da trilogia para discutir como ela aborda um dos subgêneros mais metareferenciais do horror.

O Slasher em Fear Street: 1978

Se Fear Street: 1994 engana seus espectadores ao fingir ser um slasher, Fear Street: 1978 aplaca a ânsia que qualquer um pudesse ter pelo subgênero. Isto pois o segundo filme da série segue praticamente todos os pontos narrativos da fórmula do subgênero listados por Carol Clover (2015) – incluindo seus principais elementos semânticos: o assassino e sua arma, o lugar horrível, as vítimas, o choque, a fixação pelo corpo e, claro, a final girl (conceito cunhado por Clover em 1992). Proponho, nesse tópico, se debruçar sobre cada um desses pontos levantados por Clover, para discutir como o filme de Leigh Janiak os trabalha (e, de certa forma, os subverte).

Comecemos pela figura do assassino, ao qual Janiak já demonstra o interesse em alterar algumas de suas convenções. Não que ele não contemple algumas características clássicas de seus vilões – o matador segue a cartilha escrita por Clover: um homem que se utiliza de uma arma que necessita de proximidade física (no caso um machado) e com questões vinculadas a sexualidade (o filme dá indícios de que ele seja virgem). A grande diferença se dá pois o filme não segue a fórmula dos slashers das últimas décadas, e se utiliza da fórmula do pai do subgênero: Halloween (John Carpenter, 1978) não fazendo mistério da identidade do assassino e nem de seus motivos para a matança. Se trata de Tommy, namorado de Cindy, irmã mais velha de Ziggy e cuja a  a “máscara” (um saco de estopa) é colocada pela protagonista na tentativa de prejudicar sua visão, não se tratando de um “disfarce”. Os motivos, é claro, fazem parte da “maldição de Fiers”, cujas escolhas dos condenados são completamente randômicas, apenas requerendo ser um morador de Shadyside. A “curiosidade” gerada pelo filme fica em descobrir como Ziggy irá sobreviver, e o seu fator surpresa fica por conta de descobrirmos que Ziggy trocou de identidade com sua irmã, morta no atentado.

Quanto ao “lugar horrível”, outro elemento do slasher, o filme faz mais uma homenagem ao subgênero: um acampamento de férias de verão. Lembro que esta é a ambientação de dois dos mais famosos filmes do subgênero – Sexta Feira 13 (Friday 13th, Sean Cunningham, 1980) e Acampamento Sinistro (Sleepaway Camp, Robert Hiltzik, 1983). A diferença, no entato, fica pelo segundo “lugar horrível” em que o filme se ambienta, e que homenageia narrativas mais comuns ao suburbanismo fantástico. Se tratam das cavernas labirínticas que passam por baixo do acampamento, e que, podendo ser navegadas somente por mapas, remetem à obras audiovisuais como Os Goonies, It e a própria Stranger Things.

As vítimas e o choque, são outro ponto que chamam a atenção em Fear Street: 1978, pela sua subversão às convenções do (sub)gênero. Clover (2015, p.48)  ressalta que jovens sexualmente ativos e/ou usuários de drogas recreativas são o alvo primordial dos assassinos na história dos slashers. O alvo secundário seriam as autoridades (como policiais, diretores e coordenadores) ineficientes em seu papel de proteger a sociedade. Vale ressaltar que ambos tipos de vítimas estão historicamente alinhados à uma conjuntura reaganista (TROY, 2005; EHRMAN, 2005) marcado pela retórica econômica liberal, guerra às drogas e retorno de um grande conservadorismo no discurso a respeito das liberdades sexuais. Ou seja, enquanto jovens são mortos (aparentemente) por serem imorais frente ao discurso hegemônico da classe média estadunidense, o assassinato dos adultos são uma inferência à falibilidade do Estado. Vale ressaltar que foi Regan que cunhou a expressão “As nove palavras mais assustadoras que alguém pode dizer são: Eu sou do governo e estou aqui para ajudar.” (in SIROTA, 2011).

Já em Fear Street: 1978 essas máximas quanto as vítimas não são reproduzidas. Ou, ao menos, não em sua totalidade: Joan, uma alegre moradora de Shadyside, é visceralmente morta após acender um baseado pós-sexo. No entanto, sua morte mais parece uma referência aos filmes antigos, sendo, inclusive, a única cena de (breve) nudez de toda a trilogia. Seu assassinato, contudo, é apenas mais um: crianças, retratadas sem nenhum pingo de malícia, também são violentamente mortas (figura 3). E por mais que o filme reserve a possiblidade de ser explícito apenas com o assassinato de personagens mais velhos, recordo que a morte de crianças é algo extremamente raro nos slashers.  Em Fear Street: 1978, Leigh Janiak demonstra que não existe um motivo nessas mortes, sendo elas completamente aleatórias e, dessa forma, destituindo qualquer possibilidade de se inferir culpa à vítima. Em outras palavras, um usuário de maconha tem tanta chance de ser morto quanto uma criança que só quer fazer novas amizades. A morte deixa de estar atrelada à uma condição da vítima, e passa a ser vinculada somente ao assassino.

Figura 3: Uma criança é morta pelo serial killer. Ao contrário de outras mortes que são mais gráficas, essa é a imagem mais explicita de seu assassinato. Ao vitimizar uma criança, a obra tira qualquer componente moralizante acerca das vítimas do slasher. Fonte: Frame de Fear Street 1978

Por fim, são justamente quanto as questões atreladas ao corpo e (ao gênero) da Final Girl que o segundo filme da trilogia mais parece se apegar às covenções de (sub)gênero. Clover aponta que existe uma “codificação masculina” vinculada ao arquétipo da final girl (2015, p.48): seja pelo seu nome (ocasionalmente neutros como Avery, Sidney ou Chris), pela sua relutância sexual, pelo seus distanciamento de outras garotas e/ou pelos seus interesses hegemonicamente atrelados à masculinidade. Em Fear Street: 1978 tais características parecem estar bem divididas entre as duas irmãs: Ziggy e Cindy (mostrando não só a natureza complementar das duas, como também com intuito de gerar dúvidas sobre qual delas será a final girl). Dentro da leitura de Clover, a sintaxe do ciclo clássico dos slashers (1978 até meados dos anos 1980) seria marcado por uma transição da protagonista entre sua feminilidade (pontuada por sua vulnerabilidade) para a masculinidade (o momento  em que ela reage ao seu perseguidor).

Vale ressaltar que o clássico trabalho de Clover vem, entre outros objetivos, com intuito de desmistificar a leitura de que o subgênero tenha naturalmente uma retórica de empoderamento feminino, e, assim, se desvinculando de críticas à elementos inerentemente machistas de sua construção. Como a autora pontua, se o discurso é completamente masculino, a final girl não é mulher “apesar” da audiência masculina, mas justamente por ela (2015, p.53) – sendo vistas primordialmente a partir do prisma da experiência masculina. Por isto, se faz necessária uma leitura cuidadosa com a proposta ambígua que Fear Street: 1978 se propõe tanto em tentar homenagear as convenções do subgênero quanto subverter os corpos ali retratados.

David Green propõe, a partir da perspectiva queer, uma leitura de que a Final Girl na verdade seja a Finalizing Woman no sentido que é ela é normalmente a personagem que geralmente põe um fim ao vilão – retratado usualmente como virgem, inerte sexualmente ou transsexual. Nesse sentido, a morte do vilão seria a restauração da heteronormatividade pelas mãos da mulher heterossexual (2011, p.173) que vingaria a morte de jovens sexualmente ativos. Embora Fear Street: 1978 dê a possibilidade de estabelecer esta leitura crítica (afinal, existem inferências de que Tommy, o vilão, seja virgem e de que tanto Ziggy quanto Cindy sejam heterossexuais) – vale considerar pelo menos dois contrapontos. O primeiro é a preocupação clara de Leigh Janiak e da produção em escalar um casting e representar personagens não só etnicamente, como sexualmente e genericamente diversos. O segundo é a recontextualização que o segundo filme passa após assistirmos Fear Street: 1666, apontando que o verdadeiro vilão da trama é Nicky Goode: um homem hétero, branco, cis e de classe média-alta.

Aproveitando o gancho, vamos ao último filme da série, para discutir como é ele que dá grande parte do substrato crítico para seus predecessores, ao esclarecer a verdadeira história por trás da Shadyside e de Sarah Fiers.

O gótico estadunidense em Fear Street: 1666

Ao fim de Fear Street: 1978, Deena (em 1994) consegue, a partir do relato de Ziggy, reunir a mão de Sarah Fiers ao seu corpo. Nesse momento, a protagonista da trilogia é enviada diretamente para 1666, para vivenciar na pele de Fiers, os seus útlimos dias de vida . Esta escolha narrativa é bastante simbólica das intencionalidades do filme – que nos coloca para, pela primeira vez na trilogia, ver a realidade a partir dos olhos da mulher morta acusada de bruxaria. Vale lembrar que o POV (point of view ou ponto de vista) é um instrumento bastante comum no horror (e principalmente nos slashers) tanto para criar identificação com a protagonista (CLOVER, 2015, p.44) quanto para nos colocar na pele do vilão (CLOVER, 2015, p.45). Aqui, a função é simultânea – o POV de Sarah Fiers faz nos identificar com a suposta vilã, ao colocá-la como protagonista, e, consequentemente nos colocar para questionar se ela de fato é a antagonista da trilogia.

Resalto que ambientação  no século XVII faz com que o filme abra mão de homenagear primordialmente outros filmes, e passe a fazer referências para estilos de origem literária, no caso, o gótico estadunidense. Marcado pelo conflito simbólico entre civilização e natureza (e seus desdobramentos como virtude e pecado, moral e instinto, cristianismo e paganismo…) o subgênero evoca as principais ansiedades colonizatórias dos Estados Unidos: a necessidade de habitar as “fronteiras selvagens” do país e o consequente peso divino de precisar “fundar a utopia terrena”. Berenice Murphy (2009, p.105-106) vai fazer uma interessante genealogia da transição entre o gótico europeu e o estadunidense com a chegada dos puritanos. Murphy diz que o gênero se pauta no credo de colonos e pioneiros em ser ver como escolhidos por Deus para criar uma nova Jerusalém no Novo Mundo, ou seja, a possibilidade de se construir a sociedade perfeita (e abençoada) na Terra.

No gótico, é claro, tal sociedade está fadada ao fracasso – uma vez que o mal impedirá que os intuitos utópicos daquela comunidade sejam levados a frente. É nesse ponto que o gótico estadunidense faz ligações sintáticas com o slasher e o suburbanismo fantástico: em todos estes subgêneros o “Outro” (aquele não civilizado, ou aquele que não assimilou os valores hegemônicos) é quem coloca em risco o status quo da “terra sagrada”. Lembrando que os subúrbios estadunidenses desde sua concepção no início do século XX, a partir da retórica do “Sonho Americano” (COONTZ, 2000) se colocaram neste posto de “utopia” tal qual fizeram os colonos com seus assentamentos. Vale ressaltar também que os próprios moradores dos subúrbios construídos a partir da década de 1950 se chamavam de pioneiros (Baxandall e Ewen, 2000, p.153) – evocando mais ainda tal paralelismo. Esta ligação fica muito clara em Poltergeist (Toby Hopper, 1982) – filme que representa a transição entre o suburbanismo gótico e o suburbanismo fantástico (McFADZEAN, 2019). Na obra, é o alastramento do subúrbios (suburban sprawl) sobre os horizontes verdes que faz com que a família Freeling fique suscetível a ser amaldiçoada (sua casa é construída sobre um cemitério).

Já em Fear Street: 1666, as apreensões daqueles pioneiros com o “Outro”  (figura 4) antecedem os eventos sobrenaturais. Ou seja, o mal é anterior a maldição. Isto se manifesta, por exemplo, no desconforto que a mãe de Hannah Miller tem nas relações de sua filha com Sarah Fiers, com as importunações que “Mad Thomas” faz à Fiers, as suspeitas levantadas ao comportamento adolescente e, principalmente, com a figura da “viúva”. A viúva é uma mulher excluída do assentamento e acusada de ser uma “bruxa” que “bebe sangue de virgens” por ter se casado com um nativo (ou seja, um selvagem diante daquele pensamento). Não coincidentemente é um outro viúvo (ou seja, a representação da trágica ruptura da família), Solomon Goode, o verdadeiro culpado por amaldiçoar aquela terra. É o homem que faz um pacto com o demônio amaldiçoando Union (que viria a se tornar Shadyside) em troca de benesses materiais para si e seus descendentes. Aqui, cabe ressaltar que, como vislumbramos nos filmes anteriores, tais benefícios visam somente a ascendência e manutenção na classe média – não sendo pedidos de poder ou riqueza ilimitada, delineando indiscutivelmente à classe social que é criticada.

Figura 4: Sarah Fiers é julgada pela população de Union após ser acusada de ter um caso com Hannah Miller. A cena acima nos coloca na pele da personagem, sendo alvejada pelos olhares dos moradores. Fonte:  Frame de Fear Street: 1666.

Em outras palavras, Fear Street: 1666 traz uma leitura de que foi o homem branco, em sua ânsia por ascender a classe média (ou seja, a construir “Sonho Americano”), que amaldiçou o Estados Unidos como possibilidade de utopia. No entanto, essa maldição não era pra todos, uma vez que o homem branco manteve seus privilégios durante os séculos, mas restrita à corpos tratados como periféricos como de nativos, negros, mulheres e LGBTQIA+. Aqui, a figura da bruxa (uma mulher lésbica) aparece como bode expiatório desse processo. Vale lembrar que  essa figura mitológica, segundo Merchant, foi perseguida como a encarnação do “lado selvagem” da natureza (1980 in FEDERECI, 2017, p.366) – reverbearando a dicotomia entre a civilização e natureza feita pelo gótico, porém sob uma perspectiva moderna: natureza e (in)civilização.

Nesse sentido faz se imprenscindível fazer uma relação da figura da bruxa como bode expiatório com a leitura proposta por Silvia Federeci em O Calibã e a Bruxa (2017). A autora aponta que o mito da bruxaria e a veiculação das “caças as bruxas” vinha com intuito de um projeto de expropriação, tática que guarda algumas similiaridades com a retórica da “selvageria indígena” como justificativa para o processo colonizatório. No caso feminino, a expropriação não só se dava a partir da apropriação de seu trabalho pelo homem (dentro do processo de transição do feudalismo para o capitalismo) como também do controle de seu processo reprodutivo (2017, p.203). No caso de Fear Street: 1666, não é a toa que seja Sarah Fiers, uma mulher lésbica (cuja sexualidade não se encaixa no modelo reprodutivo heteronormativo), que receba a alcunha de bruxa.

Neste sentido a obra ressalta como os conhecimentos de Sarah Fiers, ao mesmo são reconhecidos por aquela sociedade, também é o que gera a ansiedade e temor. Então, se na primeira cena de Fear Street: 1666 vemos Fiers praticando uma cesárea em uma porca, salvando sua vida e de seu rebento, isto remete ao fato de que muitas bruxas eram parteiras ou mulheres com conhecimento do controle reprodutivo (FEDERECI, 2017. p.328). E é este mesmo conhecimento que gera temor – primeiro quando ela mata a mesma porca quando esta come seus próprios filhotes – em uma manifestação biológica da corrupção da terra, típica do gótico (MORGAN, 2002, p.6). Depois, quando Fiers é acusada de enfeitiçar o pastor que assassinou doze crianças da aldeia. Federeci lembra que bruxas eram historicamente acusadas de sacrificar crianças para o demônio (2017, p.174) em uma versão “literal” dos crimes reprodutivos ao que eram acusadas lésbicas, conhecedoras de anticonceptivos e abortivos, mulheres inférteis, etc.

Depois de ter seu destino definido por um homem branco – ao ser acusada de bruxaria, ao fim da primeira parte de Fear Street: 1666 (antes de retornarmos ao século XX), é notável que Leigh Janiak dê a Sarah Fiers, sua trágica heroína, algum tipo de agência sobre seu próprio destino. Primeiro quando esta nega se tornar esposa de Solomon, em uma inferência à não se subjugar a instituição hegemônica da família heteronormativa, recusando a passividade e obediência que lhe tentavam impor (FEDERECI, 2017, p.206) e depois ao acatar a alcunha de bruxa para preservar sua amada, Hannah Miller, do mesmo destino que ela. Nesse sentido, a personagem de alguma forma escapa, mesmo que minimamente, de ser protagonista apenas por ser “morta, estruprada, perseguida e intimidada” como se tornou comum ao gênero do Horror.  (CARDOSO, 2015). Assim, em Fear Street: 1666 se declarar bruxa não é um ato de vilania, mas de sacrifício pelo próximo – como aprende Deena ao final de sua jornada pelo século XVII.

Fear Street 1994 – Parte 2

Ao voltarmos a 1994, na segunda metade de Fear Street: 1666, o slogan da série “O tempo muda, o mal não” ganha novas compreensões. Ela não se remete a recorrêcia de serial killers em Shadyside – mas ao constante causador daquele mal. Falo de uma classe média patriarcal e heteronormativa, capaz  de condenar outros corpos em troca de se manter naquela posição de privilégio. Chama a atenção que seja em um shopping construído sobre a árvore onde Sarah Fiers foi enforcada, o confronto final dos personagens (figura 5): o símbolo do poder econômico consumista, cuja arquitetura genérica predou sobre áreas de lazer (como o acampamento de 1978) e sítios históricos e ancestrais (como o assentamento de Union em 1666).

Figura 5: O grupo de Deena se prepara para o confronto final no shopping. Ao fundo, do lado direito, é possível ver a árvore onde Sarah Fiers foi enforcada (e onde estava sua mão). Aquele local já foi a colônia de Union, que originou Shadyside, e um acampamento de férias. Fonte: Frame de Fear Street 1666.

Em 1994 também temos finalmente a conclusão do arco de maturação de Deena – parte inerente da sintaxe do suburbanismo fantástico. No entanto, diferente do que é normal no subgênero (onde somos apenas testemunhas desse processo), este amadurecimento é feito de forma compartilhada com o espectador: ele se dá quando nós nos juntamos a Deena para enxergar o mundo pelos olhos de Sarah Fiers – em um exércicio conjunto de empatia. A jornada de crescimento advém justamente de aprender a história sobre seus antepassados – outras mulheres.

De tal forma, a trilogia subverte a sintaxe de um dos maiores clássicos do suburbanismo fantástico: De Volta para o Futuro (Back to the Future, Robert Zemeckis, 1985). Se na trilogia oitentista é necessário ir até o passado para mudar o presente, aqui, é necessário ir até o passado para entender o presente – e, a partir daí, poder mudar o futuro. Uma reinvidicação de uma narrativa hegemônica que inferiu por séculos (e ainda infere) violência aos corpos periféricos – tal qual Silvia Frederici (2017) faz ao também ressignificar a figura mitólogica da bruxa.

A revelação final de se colocar como vilão da trama uma autoridade policial certamente não é nova, mas é representativo que em um filme protagonizado por uma personagem negra e lésbica, seja um homem cis hétero de classe média-alta, que seja o grande antagonista. Ainda mais que este seja derrotado por um grupo formado inteiramente por mulheres e/ou negros – corpos periféricos e historicamente associados à bruxaria e a “práticas satanistas”. O massacre e/ou a perseguição desses corpos destruiu um “universo de práticas, crenças e sujeitos sociais cuja exisência era incompatível com a disciplina do trabalho capitalista” (FREDERICI, 2017, p.294) – e que agora começam a ganhar voz dentro dos meios hegemônicos.

Considerações

A trilogia Fear Street representa (em variados graus, é claro) um passo nesse processo de reinvidicação histórica discutida no último tópico. Ao colocar mulheres negras como protagonistas de subgêneros historicamente androcêntricos e/ou brancos, como o suburbanismo fantástico e o gótico estadunidense, atende-se a uma demanda histórica desses corpos para ocuparem papéis de destaque nestas narrativas. Nas palavras da própria diretora, Leigh Janiak, os filmes “foram uma oportunidade de contar uma história onde um romance queer dirigia os eventos da narrativa” e que o próprio material base, as histórias de R.L. Stine “eram muito brancas e muito hétero” [6].

Estas mudanças, é claro, também estão presentes nos bastidores de sua própria produção – sabemos como ainda é rara a presença de mulheres na direção em obras de grande orçamento e, ainda mais , para dirigir três filmes de uma só vez. Quanto a isto, chama-se a atenção para um aspecto de ineditismo trazido pelos filmes: a estratégia mercadológica praticamente inédita da Netflix. A trilogia certamente ocupa um lugar híbrido entre filme e série, e, apesar de ter uma coesão narrativa em cada uma das obras, claramente é produzida com intuito de ser assistido em conjunto. O fato de cada filme ser lançado com uma semana de diferença entre eles, remete ao próprio modelo de exibição clássico das séries (e que a própria Netflix transformou, ao começar a lançar temporadas todas de uma só vez).

Também vimos, no decorrer deste artigo, como  Leigh Janiak se aproveita dessa estrutura de trilogia/série possibilitado pela Netflix, para brincar com os subgêneros e seu horizonte de expectativas.  Da mesma forma que sua estrutura de filme permite que ela trabalhe de forma bem delineada cada subgênero, com uma estrutura e estética bem definida, seu encadeamento narrativo faz com que os subgêneros emprestem seus elementos semânticos e sintáticos uns para os outros. Seu trabalho, inclusive, contribui para o estudo entre vinculações sintáticas e semânticas dos subgêneros, como aqui começamos. Aproveitaria para destacar – como horizonte de pesquisa, o aprofundamento em como o suburbanismo fantástico empresta uma sintaxe de “restauração do status quo”, o slasher a “restauração da heteronormatividade” e o gotíco estadunidense “de condenação da utopia” – temas que perpassam (e são subvertidos) pelos três filmes.

Neste sentido, de forma geral, vê se um intuito de inovação do cinema de (sub)gênero pela Netflix. Dentro de um modelo de produção contemporaneamente criticado por ser regido pelos algoritimos, é, certamente revitalizante ver inovações ou subversões, seja na forma de produção, seja na escalação do elenco e da equipe, ou seja nos temas e nos elementos semânticos e sintáticos de suas obras. Este, é claro, não se trata de um movimento inédito da Netflix e nem da indústria como um todo, mas parte de uma conjuntura recente de todo cinema de Horror. Filmes contemporâneos dirigidos por realizadores e realizadoras, negros, latinos e LGBTQIA+ como O Senhor Babadook (The Babadook, Jennifer Kent, 2014), O Convite (The Invitation, Karyn Kusama, 2015),  A Feiticeira do Amor (The Love Witch, Anna Biller, 2016), Vingança (Revenge, Coralie Fargeat, 2017), Suspiria (Luca Guadagnino, 2018), Nós (Us, Jordan Peele, 2019) e Vampiros vs The Bronx (Vampires vs The Bronx, Osmany Rodriguez, 2020) em maior ou menor grau, e com diferentes orçamentos, trazem contribuições e inovações semânticas, sintáticas e narrativas ao gênero, e devem ser mais profundamente analisados.

Por fim, é primordial sublinhar a importância da entrada destas perspectivas periféricas no Horror e nos diferentes subgêneros que se ramificam e/ou que bebem de sua fonte, afinal, se trata do gênero mais aficcionado pelo corpo (PINEDO, 1997). Vimos como o gótico estadunidense (MORGAN, 2002), o slasher (CLOVER, 2015) e o suburbanismo fantástico (McFADZEAN, 2019) tiveram raízes moralizantes em sua gênese – servindo tanto como cautionary tales (contos preventivos) quanto fábulas de amadurecimento que reforçavam uma perspectiva hegemônica. A difamação da natureza dos corpos periféricos e de suas práticas é uma prática inerente do capitalismo (FEDERECI, 2017, p.37) e que foi (e ainda é) perpetuada pelo cinema de Horror.

A trilogia Fear Street surge em uma conjuntura em que o “Outro” reinvidica os meios hegemônicos (no caso, o cinema de maior orçamento) para contar aquilo que o aterroriza. E, através de seus olhos, podemos ver que se tratam de horrores muito mais reais do que os clássicos do gênero de Horror. Saem bruxas e serial killers mascarados, entram autoridades e uma classe média branca patriarcal.

[1] https://deadline.com/2020/08/rl-stine-fear-street-movie-trilogy-netflix-chernin-entertainment-leigh-janiak-director-the-summer-of-fear-2021-1203010276/ Acessado em 02/08/2021

[2] O uso do termo (sub)gêneros é utilizado para incorporar tanto gêneros quanto subgêneros.

[3] Coletivo de Crianças/Jovens Protagonistas, típico do suburbanismo fantástico, como apontado por Ashley Carranza (in WETMORE, 2018).

[4] https://www.omelete.com.br/terror/rua-do-medo-stranger-things-panico Acessado em 30/07/2021

[5] https://thepatterning.com/2017/02/13/the-nostalgia-pendulum-a-rolling-30-year-cycle-of-pop-culture-trends/ Acessado em 29/07/2021

[6] https://www.firstpost.com/entertainment/fear-street-director-leigh-janiak-discusses-why-netflix-trilogy-is-propelled-by-a-queer-romance-9820751.html Acessado en 01/08/2021

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