Disponível na Amazon Prime.

cômodo

adjetivo

  1. que oferece comodidade, conforto; agradável, confortável.
  2. adequado, conveniente, útil, proveitoso.

“ir pelo atalho é mais c.”

  1. calmo, sossegado, tranquilo.
  2. demasiado fácil.

Cômodo. O termo que pode ser usado tanto como elogio quanto ofensa, talvez seja, justamente por isso, o melhor adjetivo para descrever Apresentando os Ricardos. A mais nova obra do badalado roteirista e diretor Aaron Sorkin certamente não é um dos seus trabalhos de maior destaque, mas também está longe de ser um bomba. É um filme médio, cujo o que poderia ser encarado como ousadia técnica já se tornou lugar comum da indústria e, principalmente, na filmografia de Sorkin.

Impossível não considerar que o lançamento da Amazon Prime visava ser um “estouro de crítica”. Além de ser lançado na temporada de premiações, o filme conta com dois dos maiores atores de Hollywood (Nicole Kidman e Javier Bardem) fazendo a biografia de um dos maiores ícones da TV estadunidense: Lucille Ball (e seu marido Desi Arnaz). Para finalizar, o roteiro do quatro vezes nomeado ao Oscar Aaron Sorkin (e vencedor por A Rede Social) parecia ser a fórmula perfeita para Amazon lançar uma das grandes obras de Hollywood no ano.

Porém não é bem isso que acontece.

Não que o filme tenha um problema com seus atores, longe disso. Nicole Kidman está muito bem como Lucille Ball, trazendo de forma cativante um outro lado da atriz: uma mulher ácida, áspera, confiante, extremamente inteligente e profundamente decidida. O roteiro, no entanto, poderia dar mais sequências para que ela interpretasse a faceta mais conhecida de Lucille: atuando em seu seriado “I Love Lucy”, que atingia a estrondosa marca de 60 milhões de telespectadores todas as segundas. Já Bardem emprega o carisma necessário para construir Desi, marido de Lucy – importantíssimo para que compreendamos sua relação com a atriz e não criemos antipatia pelo personagem.

O filme se passa durante uma conturbada semana da carreira de Lucille. Já líder de audiência com I Love Lucy, a atriz é acusada por um jornal de fazer parte do Partido Comunista. Precisando evitar que este escândalo acabe com sua carreira enquanto lida com uma série de problemas pessoais, Lucille tenta manter (sem sucesso) a normalidade nas gravações de seu show. Assim, acompanhamos todo seu processo criativo – desde as leituras do episódio, as discussões com os roteiristas, os ensaios, até sua gravação. Em paralelo, Sorkin nos leva para momentos importantes da carreira da atriz importantes na sua consolidação como uma lenda da televisão estadunidense.

Porém, são justamente nessas indas e vindas entre a “semana conturbada” de Lucille e os eventos pregressos da vida da atriz, que a direção de Sorkin começa a apresentar algumas questões. É certamente notável que o direto não subestime a audiência ao fazer suas rupturas cronológicas, nunca pontuando-as com nenhum elemento visual. Entretanto, parte desses retornos ao passado acabam provocando justamente o efeito inverso – não apenas dando barrigas e afetando o ritmo do filme, como também sendo extremamente didático. Por exemplo, ao mostrar situações que haviam sido explicadas ou deixadas subtendidas pelos personagens. Outro recurso que funciona bastante mal, é a tentativa de criar um “falso documentário”, trazendo atores para interpretar versões antigas dos roteiristas que trabalharam com Lucy, para falar sobre aquilo que estamos vendo em tela.

Ainda mais problemático (e eu diria, cafona) é a tentativa do diretor de mostrar visualmente o processo criativo de Lucille, mostrando-a antecipando cenas e situações de seu seriado para dar sua perspectiva sobre as mesmas. O recurso que parece ter sido importado diretor de algum dos Sherlock Holmes de Guy Ritchie, novamente pecam pelo excesso de didatismo e acabam inflando a obra com cenas desnecessárias. Outra influência que vem a mente é Adam McKay, diretor de Não Olhe pra Cima, Vice e A Grande Aposta. Porém, diferente desde outros diretores, nada disso parece com o estilo de Sorkin e não adicionam nada em sua história: mais parecem piruetas desnecessárias que acabam tirando o foco do drama central do filme,  este sim genuinamente interessante.

E se a falta de foco e o excesso de peripécias narrativas são o calcanhar de Aquiles do mais novo trabalho de Sorkin, o que impede dele implodir é justamente o conforto. São em cenas como as leituras de Lucille com seus colegas ou a discussão entre os roteiristas que o filme mais se destaca – justamente a zona de conforto de Sorkin, conhecido por seus diálogos longos e cheio de trocas (quem esquece da conversa entre Jesse Eisenberg e Rooney Mara em A Rede Social, por exemplo?). E são nesses momentos que atores como Kidman, Bardem, J.K. Simons e todo elenco de apoio encontram a possibilidade de brilhar.

No fim, Apresentando os Ricardos está longe de ser uma obra prima arrebatadora de prêmios, mas é um filme que mesmo diante de inconsistências narrativas consegue entreter. E as vezes isso está de bom tamanho.

Ir para o conteúdo