Atenção: Esta crítica contém spoilers.

Sinopse: Ethan Hunt (interpretado por Tom Cruise) e sua equipe da IMF embarcam em uma missão perigosa e de vingança para recuperar uma nova arma que ameaça toda a humanidade e enfrentar o maior vilão de seu passado.

Chega ao fim a saga de Ethan Hunt, “a manifestação viva do destino”. Após sete filmes, este oitavo, Missão: Impossível – O Acerto Final (2025), dirigido por Christopher McQuarrie, delega a si a missão de homenagear toda a trajetória do caçador de emoção da IMF e de tornar suas sequências de ação ainda mais urgentes e impressionantes. Munido de tamanha ambição, o filme põe toda sua energia para concluir essa missão, até a extrapola, o que acaba causando alguns danos colaterais que comprometem a própria integridade, como se fosse o último esforço de um agente atingido e cheio de adrenalina, condizente, curiosamente, com a última manobra de Ethan Hunt nos cinemas. Mesmo assim, o espetáculo audiovisual e a performance física de Tom Cruise — características indispensáveis à franquia — continuam garantindo tanta autenticidade na tela e tanto frenesi na experiência geral que os pormenores podem ficar de lado para embarcar nessa proposta de entretenimento em excesso — isso, é claro, “caso decida aceitar”.

29 anos, 8 filmes, 5 diretores, 1 ator e a expectativa de uma sessão empolgante em cada um dos filmes. Ao longo dessa jornada, houve uma variação estética interessante nos filmes, já que os vários diretores apresentaram elementos particulares em suas rendições da franquia, desde personagens e abordagens dramáticas até traços estilísticos. Até os quatro filmes dirigidos por McQuarrie podem ser divididos em duas duologias, considerando o fator evidente do antagonista, mas também pela proposta narrativa. Enquanto Missão: Impossível – Nação Secreta (2015) e Missão: Impossível – Efeito Fallout (2018) ainda traziam as artimanhas de disfarce e identidades secretas como parte fundamental da narrativa, já foi possível notar que, em Missão: Impossível – Acerto de Contas (2023) o foco foi bem mais voltado à um crescendo nas cenas de ação, e em O Acerto Final, isso continuou. As máscaras fazerem apenas uma pequena ponta no início do filme, por exemplo, em forma de gag, inclusive, é um sinal do direcionamento de McQuarrie ao épico, como se quisesse dizer que não há tempo para esses artifícios démodé.

Outra forte evidência do foco na ação é a presença da Entidade, uma IA rebelde com poder de estrago global inestimável que tinha um potencial de paranóia para a trama, mas que já não foi muito aproveitada como tal em Acerto de Contas, filme com uma estrutura mais direta ao ponto, de perseguições constantes. Isso se deve também ao fato de ser a parte um da história, na qual o objetivo era garantir a posse da chave, sem sequer saber o que ela abre e sem fazer ideia dos planos da Entidade. Aqui em O Acerto Final isso tudo é revelado. A ideia da inteligência artificial mais poderosa do mundo, capaz de manipular toda e qualquer informação, — analogia importante aos problemas do mundo atual e que poderia suscitar reflexões do contemporâneo — é: bombardear o planeta inteiro com bombas atômicas. Sendo assim, o objetivo de Ethan Hunt é correr, sobreviver e concluir a missão. Sem truques. É irônico esse caminho mais objetivo para uma franquia que iniciou-se com Missão: Impossível (1996), dirigido por Brian de Palma, que, sem IA alguma, fez mais com o elemento da manipulação de informações do que o filme recém lançado. Não é demérito, é uma escolha, e, é claro, sujeita às nossas avaliações. Particularmente, esse não me parece ser um problema, McQuarrie já exibiu suas intenções no filme anterior.

Agora, por falar no filme de Brian de Palma, quando O Acerto Final entra no terreno das homenagens… Bem, cada referência é passível de questionamentos quanto ao impacto delas no entendimento da saga como um todo. A começar pelos flashbacks, recurso claro de nostalgia, justificável para um ato final, mas que é usado de maneira bem didática, uma reiteração limitante, basicamente montagens de explosões e mulheres morrendo. É bobo escrever dessa forma, mas é o que as montagens de flashback fazem. A cena em que os militares listam os conflitos internacionais em que Ethan Hunt se envolveu tem mais graça, ao meu ver, por dar um aceno a nós que conhecemos essas cenas, por estimular o gosto que temos por elas do que por nos fazer lembrar de um plano específico; a fala de Gabriel, vivido por Esai Morales, sobre Ethan sempre perder entes queridos agrava a tensão da cena, ao meu ver, mais por tocar em um ponto sensível do personagem do que por lembrar de cada uma das pessoas que morreram nos filmes anteriores. Ainda tem essa questão, é como se as únicas lembranças de Ethan Hunt fossem aquelas que nós vimos; como se em todos os outros anos de serviço ele não tivesse passado por problemas similares. Tudo bem, posso ter esticado um pouco a problemática para além da suspensão da descrença, mas o faço pelo exercício reflexivo. Flashback é um recurso simples de usar, mas não simples de funcionar.

Outro ponto envolvendo homenagem, é a intenção do roteiro de arquitetar retroativamente um efeito borboleta que chegue na situação-problema de O Acerto Final. Isso não é incomum em sagas longas, mas o nó que amarra este filme aos anteriores é justamente o único que, discursivamente, não deveria ser: o Pé de Coelho de Missão: Impossível 3 (2006), dirigido por J. J. Abrams. Lógico que nada no cinema deve ou não deve ser, é o que é, mas era o propósito explícito desse filme fazer um filme de espionagem a despeito do elemento principal de espionagem, o artefato, o MacGuffin. “O que eu estou vendendo e para quem estou vendendo, deveria ser a última coisa que você deve se preocupar… Ethan”, diz Owen Davian. Resolveu-se neste novo filme que o Pé de Coelho é a gênese da Entidade. Preferiram pôr fim a um ótimo artifício discursivo por tratá-lo como um mistério a ser resolvido. Vai saber, pode até ser, ainda que ache pouco provável, uma ótima uma sacada irônica, já que, no fundo, a Entidade é só um objeto que move a trama, elemento que possibilita que Tom Cruise vá e faça suas grandes cenas e salve o dia, só mais um Pé de Coelho.

Na verdade, não pode ser uma sacada, porque, apesar da Entidade não ameaçar a Ethan Hunt (ela ameaça o mundo, mas ele é ameaçado por submarinos e aviões), ela realmente tem um objetivo além de mover a narrativa: ser a contraparte do protagonista, claro, por ser antagonista, mas em um sentido divino também. Ela diz prever o destino de todos, que tudo está escrito e a humanidade está perdida, mas Hunt vence no improviso, no improvável, no humano. Nosso protagonista é invencível, domador do próprio destino, e tem direito até a uma cena de ressurreição no fim da sequência do Sevastopol, que, por sinal, parece uma descida direta ao inferno. A trilha musical traz um coro grave e ameaçador; as luzes vermelhas preenchem os corredores; militares russos jazem no caminho; armas de destruição em massa para todo lado até chegar no código fonte da Entidade, também conhecida como Anti-Deus, e utilizar uma chave em formato de cruz para abrir o cofre. Neste filme, Ethan Hunt vai de encontro com o diabo. Para um cientologista, é uma baita representação eclesiástica. 

A morte rodeia a todos em O Acerto Final, o mundo está à beira de um inverno nuclear e os membros da IMF são perseguidos para todo lado. Infelizmente, depois da morte de Ilsa, personagem da Rebecca Ferguson, no filme anterior — que na época me pareceu fácil demais — chega a vez do velho Luther, em uma outra cena fácil demais. Se a intenção era dizer que a morte não precisa vir de complexas situações, mas de um pequeno descuido, eu não sei, mas que dá uma sensação de decepção, dá. Uma sequência de ações ilógicas foi necessária para a armadilha que Luther, interpretado por Ving Rhames, acaba caindo (o Degas não podia ter atirado na perna do Gabriel?). Sua morte possivelmente tem relação com a especulação sobre quadro de saúde que o ator vem passando para reduzir o esforço e o tempo de tela, mas isso poderia ter sido escrito de uma melhor maneira. De qualquer forma, o discurso final, aquela gravação de Luther, é capaz de emocionar a ponto de esquecer desse problema e começar a trazer a saudade de seu personagem e, também, da saga, que estaria prestes a acabar.

Como não sentir falta do esforço hercúleo de Tom Cruise em suas emblemáticas sequências, uma melhor que a outra? De uns tempos para cá, potencializado pelo cinema de McQuarrie, a presença do CGI permitiu que o ator parecesse estar em cenários tão absurdos que, realmente, acaba tirando um pouco a tensão das sequências. Coube então ao diretor, ciente disso, é claro, refinar essa barreira entre o real e o CGI e me parece que sua aposta foi no primor do espetáculo sensorial que suas sequências proporcionam. Em seu primeiro filme na franquia, Missão: Impossível – Nação Secreta, a cena debaixo d’água era absurda além do ponto, e claramente fazendo uso pesado de CGI, especialmente no movimento de câmera. Neste novo filme, a cena do submarino consegue ser praticamente tão absurda quanto, Ethan Hunt desempenha força sobre humana, se fosse substituído pelo Wolverine agarrando-se do lado de fora do submarino sem traje, faria sentido. Independente disso, que cena fenomenal. Visto em tela grande, é de maravilhar não só o realismo do espaço, mas também a composição fílmica mesmo, a mise en scene do protagonista lidando com a rotação do submarino, a iluminação azulada com os feixes vermelhos, os movimentos de câmera sinuosos e giratórios. Mais pela experiência sensorial que por uma urgência na ação, mas eficaz da mesma maneira. É exagerado, é absurdo — é impossível. Às vezes o cinema do impensável é mágico, e essa cena me trouxe essa magia.

Por outro lado, a sequência final do avião traz uma dose cavalar de perigo, ainda mais tendo em mente que Tom Cruise fez boa parte dessas acrobacias no avião. As manobras encantam, e só um praticante de esportes radicais pode causar essa sensação. O chamei de caçador de emoções no primeiro parágrafo, porque qualquer filme que tenha esse tipo de cena me lembra do fascínio do personagem de Keanu Reeves, Johnny Utah, em Caçadores de Emoção (1991), filme de Kathryn Bigelow, com a adrenalina que esses esportes causam. Não só isso, a maneira de filmar, registrar esses momentos tem o poder de aumentar ainda mais as poderosas sensações que só o cinema de ação proporciona, e O Acerto Final, por mais que faça as sequências dentro de uma lógica do excesso em CGI, o faz bem demais.

Missão: Impossível – O Acerto Final é a última contribuição de Ethan Hunt para o cinema de ação, mas não a última de Tom Cruise e McQuarrie, que disseram que já estão preparando pelo menos outros quatro projetos. É certo, contudo, que essa franquia vai deixar saudade. Saudade das intrigas internacionais, das cenas com plot twists envolvendo as divertidíssimas máscaras, do Tom Cruise correndo (acho que O Acerto Final tem a maior quantidade de cenas dele correndo, aliás), do humor Benji, da bondade de Luther, das desavenças com o Kittridge, do romance com a Julia, das perseguições com a Ilsa, do espanto do Hunley; até da recente Grace e sua lealdade, das brigas de Paris; da alegria em ver uma missão sendo concluída, sem deixar ninguém para trás, desafiando as normas e com espírito indomável. Ethan Hunt nos deixa uma saga de coragem, obstinação e ímpeto criativo sem igual.

Esta crítica irá se autodestruir em cinco segundos.

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